Neta do ‘Folha Seca’ do Horto Considera Homenagem do Jardim Botânico ‘Uma Palhaçada’ [ENTREVISTA]

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Orlando “Folha Seca” Pereira da Silva, o primeiro jardineiro de carteira assinada do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, faleceu no dia primeiro de junho com cem anos de idade. Folha Seca é lembrado com muito orgulho por seus parentes e amigos na sua comunidade, o Horto Florestal. Ele morava no Horto com sua família–que continua morando lá–desde que recebeu permissão do Jardim Botânico para construir sua casa lá para morar perto do seu trabalho. A comunidade hoje é bicentenária.

No dia 25 de julho o Jardim Botânico realizou um plantio em homenagem ao seu “jardineiro mais antigo” honrando seus quase 70 anos de trabalho. O evento teve uma recepção polêmica entre os moradores do Horto dado que o próprio Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico tentou remover o Folha Seca da sua casa durante sua vida e continua ameaçando o direito à moradia da sua família.

O RioOnWatch entrevistou Jacqueline da Silva sobre a sua experiência como neta do Folha Seca e filha de Jorge Fonseca da Silva, coletor de sementes do Jardim Botânico que morreu no trabalho ao cair de uma árvore coletando sementes. Jacqueline nos contou sua perspectiva sobre o homenagem ao seu avô, a luta pela moradia no Horto e a relação histórica dos moradores do Horto com a natureza que os rodeia.

RioOnWatch: Há quanto tempo você mora no Horto Florestal?

Jacqueline: Moro aqui há 47 anos, sou nascida e criada aqui no Horto. Meu pai morreu dentro do Jardim Botânico, era coletor de sementes. Morreu aos 29 anos de idade, após cair de uma árvore dentro do parque. Tudo que aprendi foi com ele, apesar de ainda ser muito pequena quando ele estava vivo. Toda a minha família sempre trabalhou dentro do Jardim Botânico. Por isso, mesmo sem ter estudado eu sei o nome de todas as plantas. Eu faço remédio e faço fórmula. Está no meu sangue, que herdei do meu pai e do Folha Seca que morreu recentemente.

RioOnWatch: Você já trabalhou no Jardim Botânico?

Jacqueline: Não, eu trabalho por conta própria. Tenho uma empresa de paisagismo e presto serviço de paisagismo. Faço tratamento em árvores. Faço todo tipo de trabalho relacionado ao meio ambiente.

RioOnWatch: Há um discurso propagado na mídia e pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico que alega que os moradores do Horto são ‘invasores’ e ‘depredam’ a floresta. Qual a sua reação a essa incriminação da comunidade?

Jacqueline: Eles falam da gente porque na verdade eles querem essa área para vender, porque é para especulação imobiliária.

Mas os moradores daqui, a maioria, é entendedor de jardinagem. Todos eles entendem um pouco de plantas. Então acho que o Jardim Botânico está sendo injusto. A justiça está sendo comprada pela elite que mora em torno do Horto, para poder prejudicar o pessoal. O pessoal cuida como pode. Preserva as plantas, limpa o rio, faz mutirão, limpa os caminhos, cuida das árvores… plantam coqueiro, árvores, pau mulato. Essa árvore aqui [dentro da comunidade] tem 80 anos. E nem o Jardim Botânico tem ela. Tanto é que uma época eles quiseram vir aqui tirar minha árvore. Olha que absurdo! Uma árvore que meu pai plantou, eles queriam vir aqui tirar minha árvore. É um abuso de poder que eles acham que têm.

Então eles podaram minha vida [pois meu pai faleceu no trabalho] e dos meus irmãos. Eu não pude estudar porque minha mãe é viúva e analfabeta, com três filhos. Eles tiraram o direito de eu ser alguém na vida e agora também querem tirar o direito de eu morar aqui e criar meus filhos? Isso é absurdo.

E os moradores daqui não prejudicam em nada o Parque. Pelo contrário, se o Parque existe hoje foi porque existiram no passado pessoas que construíram o Parque. Não é esse elite rica que está aí–que usa o Parque para caminhar, para botar as babás para passear com os nenéns–que construíram o Jardim Botânico não. Quem construiu o Jardim Botânico foram os funcionários que hoje estão mortos. Ou já morreram ou estão morrendo por causa dessa pressão que está vindo desse novo presidente do parque que é o Sergio Besserman.

Então vamos para luta. E não vamos permitir que a injustiça seja feita com os moradores do Horto. Eu tenho quatro cachorros, três filhos, sendo um filho especial, e uma mãe com Alzheimer. Eu vou morar aonde? E a minha história de vida, onde fica? Todo mundo foi nascido e criado aqui. Então não é só remover e tirar a casa e te dar outra casa. É a sua história de vida que eles querem apagar. Não se apaga a história de vida de ninguém.

Agora eles querem tirar a gente daqui, porque o pobre é feio e não combina com a mangueira, não combina com a orquídea, o pobre não combina com nada. O pobre combina com a Avenida Brasil e concreto. E o rico pode construir mansões ao contorno da mata. Você olha aqui à noite, lá em cima da mata está tudo iluminado, cheio de mansão, do Condomínio Canto e Mello, que recebeu terreno da União. Recebeu! Sendo a mesma situação dos moradores do Horto, eles receberam o terreno, foi doado para eles. Eles pagaram através de uma medida compensatória com plantio, então porque não faz a mesma coisa com os moradores do Horto? Que já plantam aqui a vida inteira?

RioOnWatch: A sua família foi indenizada após o falecimento do seu pai?

Jacqueline: Nada. Meu pai foi alocado na época no INTS (Instituto Nacional de Amparo à Pesquisa, Tecnologia e Inovação na Gestão Publica). Porque ele caiu da árvore e fraturou a coluna, então o Jardim Botânico rasurou a carteira de trabalho dele. Ele ficou paraplégico durante um ano internado no hospital, perdeu dente, perdeu tudo, deteriorou até morrer com 29 anos de idade. Não teve apoio nenhum do Jardim Botânico.

Eu ia morar onde se eles tiraram a vida do meu pai? Se meu pai tivesse vivido eu teria estudado, eu seria uma botânica. Mas como que eu poderia estudar? Vivia numa pobreza desgraçada com a pensão da minha mãe. Eles botaram meu pai no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), ela recebe salário mínimo, salário rural. Vou morar onde? Debaixo da ponte? Depois de ter construído a minha vida aqui?

RioOnWatch: Qual a sua perspectiva sobre o plantio que o Jardim Botânico organizou em homenagem ao seu avô Folha Seca?

Jacqueline: Eu não participei desse homenagem porque eu achei uma palhaçada. Como que faz uma homenagem botando um processo contra os parentes do homenageado pra andar na justiça? Que homenagem é essa? Não achei nada glorioso essa homenagem. Homenagem seria pararem os processos contra os parentes do funcionário Folha Seca que morreu com cem anos e viveu cem anos pelo Jardim Botânico. Parar todos os processos agora. Isso seria uma forma de homenagear.

RioOnWatch: Você gostaria de fazer mais algum comentário?

Jacqueline: O que eu tenho pra comentar é sobre a indignidade e falta de respeito com que os moradores do Horto estão sendo tratados. O Horto só existe porque existem moradores. Hoje quem invade são eles [o Jardim Botânico]. Comeram metade do parque do colégio das crianças.

É só mesmo implicância que eles têm porque eles querem uma zona nobre, área nobre, da Zona Sul do Rio de Janeiro. Saudade do Brizola, que deu a área do Parque da Cidade lá para o pessoal morar. Se tivesse um Brizola hoje na câmara ou no governo, os moradores do Horto não estavam passando por isso. Mas não tem um político digno, honesto que pegue a briga da gente. A gente teve a promessa do Lula, tivemos a promessa da Dilma, desse tal do Temer aí a gente não tem nem promessa nem nada, tivemos promessa, e aí o quê que aconteceu? Nada. A documentação sumiu em Brasília. Como que some documentação em Brasília, gente? Uma documentação assinada pela ex-Presidenta. Sumiu a documentação. Não é estranho isso? Então vou reclamar com quem? A gente só pode contar agora com ajuda internacional que vem de vocês.

Porque a ajuda que a gente tem aqui é do povo. É a gente se unindo e se movimentando. É feio a gente colocar geladeira velha no caminho. Mas é a única defesa que a gente tem, e que também não é uma defesa. Porque quando a polícia vem, da porrada em todo mundo. A gente sabe que aquilo ali não vai adiantar de nada, mas simbolicamente a gente sente seguro com aquilo ali. Vai adiantar se vier um poder, um apoio, acima do poder que está aí. Pois há os direitos humanos, o direito à moradia, o direito dos animais e o direito do idoso. Tem que juntar todos esses direitos em prol dos moradores do Horto. Ou então nós vamos ser massacrados pela elite da Zona Sul do Rio de Janeiro.