Na terça-feira, 19 de setembro, uma equipe composta por museólogos e moradores da Vila Autódromo apresentou o Plano Museológico para o Museu das Remoções, um museu territorial a céu aberto criado em maio de 2016 para documentar o processo de remoção da comunidade e a luta contra isto. A apresentação foi realizada na Igreja Católica da Vila Autódromo, um simbólico local de luta salvo da demolição.
A museóloga Joy Mendes explicou que um plano museológico é “um plano de ações, um plano de estratégia”. O seu colega Alex Rodrigues Venancio descreveu-o como uma ferramenta essencial para definir e organizar as prioridades e atividades de qualquer projeto do museu.
O Plano Museológico do Museu das Remoções foi desenvolvido através de um processo coletivo com contribuições dos moradores da Vila Autódromo e uma gama de apoiadores–não apenas museólogos como também arquitetos, urbanistas, sociólogos e moradores de outras favelas no Rio.
Na terça-feira, a moradora e ativista Sandra Maria contextualizou a luta da Vila Autódromo contra a remoção na longa história de projetos do governo do Rio para remover os pobres. Outras comunidades, ela refletiu, experienciaram “covardias” e as remoções foram “pouco documentadas”. Ao contrário, na Vila Autódromo houve uma cobertura midiática sem precedentes enquanto os seus moradores lutaram para permanecer ao lado do Parque Olímpico.
No entanto, não foram só os jornalistas que documentaram a história conforme ia acontecendo, mas também os próprios moradores. O morador-ativista Luiz Cláudio da Silva, por exemplo, está atualmente organizando álbuns com milhares de fotos, documentos oficiais, e recortes de materiais postados nas mídias sociais, com muitas fotos dos anos anteriores às remoções. Neste sentido, o Museu das Remoções pode ser visto como um passo mais estratégico e formalizado em um processo de documentação e preservação que começou bem antes do lançamento oficial do museu.
Um objetivo principal do Museu das Remoções, explicou Sandra Maria, é a preservação da memória––“não só da população removida da Vila Autódromo, mas de todas as populações removidas ou ameaçadas de remoção”. Um segundo objetivo é o museu “servir como ferramenta de luta”, pois durante a luta dos moradores da Vila Autódromo, eles viram em primeira mão a evidência de que “a memória é o maior instrumento nesta luta de resistência”. Sandra Maria leu uma declaração formal escrita por quatro moradores sobre a emergência e o propósito do museu, que termina com a simples declaração que é a base do projeto: “Memória não se remove”.
O museólogo Alex Venancio delineou o Plano Museológico, introduzindo sete áreas principais do plano: acervo e documentação, exposições, educação, pesquisa, arquitetura e urbanismo, organização institucional e angariação de fundos, e comunicação.
Além do tipo de materiais visuais que Luiz Cláudio da Silva está coletando nos álbuns, um aspecto primordial do Museu das Remoções é a sua natureza “viva”–todo o território da Vila Autódromo em si faz parte do “acervo vivo”. Portanto, um dos projetos do museu é usar as 20 casas do bairro para exposição e “contar a historia da Vila Autódromo nas paredes da Vila, através do grafite”, explicou Alex.
A equipe planeja fazer conexões entre os elementos “vivos” e os virtuais do museu entrevistando os moradores sobre suas memórias do espaço físico da Vila Autódromo, e arquivando vídeos destas entrevistas no canal no YouTube do Museu das Remoções. Estas entrevistas serão cruciais para os planos de publicar um livro sobre a Vila Autódromo, bem como para a meta de engajar as gerações mais novas na preservação desta história no futuro.
Outro projeto do museu, denominado “geolocalização online”, tem o objetivo de reconstruir comunidades removidas ou ameaçadas documentando e mapeando os seus elementos geo-espaciais online. Alex afirmou que como “no território físico, a estrada já foi feita, as casas foram derrubadas, o Centro Olímpico já foi feito, e o hotel está aí… muito provavelmente a gente não vai conseguir viver pra ver esse hotel sendo derrubado, o Centro Olímpico sendo derrubado, a Vila retomando o seu espaço físico”. Mas o espaço virtual oferece uma nova oportunidade, ele argumentou. “Onde foi removida lá, a gente volta e consegue, virtualmente, colocar essas comunidades de volta naquele local, não fisicamente mas virtualmente”.
O Museu das Remoções tem ambições internacionais. O plano museológico ressalta a importância de estimular a pesquisa sobre a Vila Autódromo por acadêmicos em todo o mundo, aumentando o já considerável número de artigos e dissertações sobre a comunidade. Sandra Maria enfatizou a relevância do museu para questões globais de direitos, território, e desigualdade, afirmando que a luta da Vila Autódromo reflete uma “questão internacional, que está ligada à questão de disputa da terra, que é a base do capitalismo”.
Ao mesmo tempo, o museu também tem um papel urgente para desempenhar perto de casa, onde a ameaça de remoção paira sobre a pequena comunidade do Horto e a grande Rio das Pedras, entre outras. “A luta só começou”, afirmou Maria da Penha, outra moradora ativista da Vila Autódromo que tem um importante papel no desenvolvimento do museu. “O cidadão, especialmente a gente favelada”, ela continuou, “tem que ter entendimento da importância de cobrar os nossos direitos”.
Maria da Penha concluiu o evento imaginando o grande potencial do Museu das Remoções: “O meu sonho é que um dia o museu chegasse em qualquer remoção, e dissesse assim: ‘Pare! Tem um museu das remoções, vocês não vão me remover'”.
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