O Conselho Popular, instância composta por moradores de diversas favelas cariocas, juntamente à Pastoral das Favelas a ao Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública, realizaram na sexta-feira, dia 29 de setembro, um ato para marcar a entrega de um ofício à prefeitura de Marcelo Crivella com suas contribuições ao Plano Estratégico, referentes às metas de habitação e urbanização de favelas (metas No. 73 até 77). A data marcou o último dia previsto para a consulta popular com relação ao Plano, e a entrega do ofício veio reforçar que os canais disponibilizados pela prefeitura foram insatisfatórios para o recebimento de contribuições por parte dos cidadãos.
Eliane Sousa de Oliveira, integrante do Conselho, colocou: “O Plano é muito genérico. Fala que 21 favelas do Rio vão ser beneficiadas com ações de urbanização. Mas não fala quais e nem o que vai ser feito exatamente”. Além disso, o NUTH questiona o próprio uso da palavra “beneficiar”, que sugere ser benefício algo que na verdade é dever da prefeitura, além de questionar por que Rio das Pedras não é uma das comunidades a serem contempladas pela meta de urbanização. Em vez disso, há uma meta específica para Rio das Pedras que é concluir um estudo de requalificação urbana.
Antes mesmo da conclusão desse estudo, o prefeito já sinalizou a intenção de verticalizar a comunidade e já enviou equipes da prefeitura ao local para realizar o cadastramento dos moradores. O documento denuncia que o estudo não foi disponibilizado, que há demandas mais urgentes que a construção de novas residências, que estão priorizando interesses imobiliários e que as informações disponibilizadas pelas equipes enviadas são contraditórias e enganosas. “O ponto bom foi que a comunidade se mobilizou”, ponderou Eliane. O lema do movimento que está surgindo é “melhorias sim, retirada das nossas casas não”.
“É a mesma estratégia de todas as prefeituras anteriores: vamos lançar planos, vamos fazer remoções, mas não vamos sentar e conversar com os moradores. Quem sabe realmente o que é bom pra eles é quem mora no local. A gente sabe que Rio das Pedras tem alguns problemas, mas eles podem ser resolvidos se a prefeitura priorizar as necessidades do morador”, disse Eliane. Um dos moradores integrantes do Conselho concordou: “muda a gestão, mas não muda a prática: eles continuam fazendo remoções. Se vão remover o povo argumentando que ele está construindo em área protegida, tem que remover as mansões nesses locais também”.
Di Souza, moradora da pequena comunidade de Rádio Sonda, que fica dentro de uma área militar na Ilha do Governador, ilustrou a prática de remoções ao denunciar que a Aeronáutica entrou com uma liminar determinando a saída de 15 famílias que vivem em um terreno público ao redor da comunidade, ainda que as famílias já ocupem o espaço há mais de 50 anos. “Eles deram de 30 a 45 dias para eles saírem. Alguns moradores tiverem inclusive que destruir as próprias casas. Há três meses eles retiraram um casal de dentro da comunidade, sem indenização, sem nada”. Na próxima quarta-feira, dia 4 de outubro, às 14h30, haverá um ato na Estrada do Maracajás, 514, Ilha do Governador, em protesto contra as remoções em curso.
A elaboração do documento contou com a análise técnica do NUTH e a participação de moradores, que colocaram suas dúvidas e angústias ao longo de vários encontros. “Nosso objetivo é buscar um diálogo, tanto com o prefeito, quanto com a [Subsecretária de Planejamento] Aspásia Camargo, para fazer algo de concreto para os moradores”, disse Eliane.
O documento denuncia a falta de participação popular já no momento de elaboração do Plano, dizendo que as populações afetadas pelas metas não foram procuradas pelas equipes técnicas da prefeitura, e também a falta de transparência quanto aos métodos que serão empregados nas intervenções urbanas propostas, o que eles consideram que abrirá caminho para remoções. Além disso, demonstra que o Plano não responde a questões consideradas prioritárias pelos moradores, como a provisão de serviços mais urgentes, e não leva em consideração a atuação política e os saberes acumulados pelos moradores ao longo de anos de desenvolvimento e mobilização local.
Finalmente, o ofício questiona o critério usado para chegar a números aparentemente arbitrários, como 20.000 unidades habitacionais contratadas e 100.000 domicílios beneficiados com regularização urbanística e fundiária, e qual o critério será empregado para a escolha das comunidades e famílias atendidas, além de clamar pela elaboração participativa de instrumentos de políticas públicas mais amplas, como o Plano Municipal de Habitação de Interesse Social (como exige o artigo 200 da Lei Complementar 111/2011). O documento termina com colocações fortes e extremamente necessárias nesse momento de obstrução da participação popular: “A favela vive, resiste e reexiste a cada dia! Queremos ser ouvidos! Não às remoções!”.