Ao anoitecer do dia 13 de novembro, no prédio da Câmara Municipal do Rio de Janeiro aconteceu, no Mês da Consciência Negra, um rolezinho no prédio e um painel de discussão sobre “Direito à Favela: Racismo e Resistência + Rolezinho“. O evento foi organizado por Marielle Franco, vereadora nascida na Maré cuja campanha no ano passado ressaltou a importância da representação negra da favela no governo municipal.
Um rolezinho é quando um grupo de pessoas caminha em um espaço público que não foi inicialmente criado para elas–geralmente jovens pardos ou negros–demonstrando que este também é o seu espaço. É um movimento que pretende mostrar os efeitos contínuos da opressão e do tratamento desigual das pessoas com base na raça e na classe. A série de rolezinhos em shoppings em bairros abastados que se espalhou nas cidades brasileiras no final de 2013 e no início de 2014, por exemplo, chamou a atenção de outros fregueses, algumas vezes provocou a ação dos seguranças, e obteve cobertura da mídia. Ao aparecer nos shoppings em grande quantidade e provocar uma reação simplesmente por estarem lá, os manifestantes forçam perguntas sobre porque a sua presença provoca desconforto, ressaltando a ausência usual de conversas sobre estas dinâmicas pela sociedade.
Rolezinhos podem ser vistos como atos de desobediência civil e compartilham características com os protestos sobre direitos civis nos Estados Unidos nos anos sessenta, quando os envolvidos ocupavam pacificamente restaurantes, bibliotecas, e outros espaços públicos. Em um toque mais moderno, os rolezinhos trazem à vida a ideia, entre os marginalizados nos Estados Unidos e no Brasil–bem como em todo o mundo–que “a existência é resistência“. Ambas as ideias ressaltam a necessidade de romper barreiras, tornar as pessoas desconfortáveis, e desafiar os conceitos de normalidade para que questionem porque estão desconfortáveis e reconheçam o seu privilégio. O reconhecimento da existência como resistência fortalece os grupos marginalizados para continuar a alcançar alturas novas em lugares novos, tornando o “invisível” visível, e buscando direitos iguais, face a tantas formas de discriminação contínua.
O rolezinho na última segunda-feira em um espaço de poder e governança convidou as pessoas a conhecerem o prédio da Câmara Municipal, o lugar onde vereadores votam nas leis que afetam moradores de favelas diretamente, bem como todos os cidadãos. A página do evento no Facebook explicou: “Vamos ocupar a casa do povo com nossos corpos negros e debater sobre a resistência nos quilombos, nas favelas, no asfalto e no poder público!” Como um membro do público observou: “Nunca havia entrado neste prédio. Nunca tive um motivo, e agora estamos aqui”.
O painel incluiu Ana Paula Oliveira de Manguinhos, que co-fundou Mães de Manguinhos após perder seu filho Jonathan nas mãos da Polícia Militar em 2014. Ela e outros membros formaram o grupo como um sistema de apoio para aquelas que perderam seus filhos para tal violência. “Só comecei a entender porque o meu filho foi assassinado após começar a me encontrar com outras mães, pois olhei e percebi que as outras mães também eram negras e moradoras de favelas”, ela compartilhou, antes de continuar: “Os nossos filhos têm família, nossos filhos não podem ser apenas números nas estatísticas da violência“.
Marilene Nunes é uma contadora de histórias e coordenadora da biblioteca no Museu da Maré no Complexo da Maré, bem como de uma rede de bibliotecas em várias favelas. Ela ressaltou a importância da extensa gama de eventos do museu para a comunidade, que continuam apesar de enfrentar ameaças de remoção desde 2014. Marilene também compartilhou que está trabalhando para disponibilizar mais literatura de autores negros nas bibliotecas da Maré e em outros sete bairros. Sobre o rolezinho e o evento do painel em si, ela refletiu: “Foi preciso alguém da favela ser nomeada para chegarmos aqui, mas estamos aqui com o pé na porta”.
Diego Santos Francisco, jornalista e morador do Borel, reforçou a importância da representação e reconhecimento das narrativas dos moradores das favelas: “Nós temos mães que vivem sem os seus filhos. Temos que parar para pensar: que experiência é essa, de um jovem, negro e pobre, no território da favela? As pessoas não podem ignorar ou esquecer que estamos sendo exterminados”.
Hellen Andrews da comunidade Bosque das Caboclas em Campo Grande, na Zona Oeste, compartilhou a sua história de luta como mulher negra, ativista, e líder comunitária, tendo sido presidente da Associação de Moradores do Bosque das Caboclas. A liderança feminina tem sido uma característica chave do Bosque das Caboclas, que se desenvolveu a partir de uma ocupação urbana nos anos sessenta, mas Hellen contou que ainda tem lutado para ser ouvida como mulher durante os seus anos de ativismo. (Vale notar que a Vereadora Marielle Franco é uma das apenas seis mulheres de um total de 51 vereadores na Câmara do Rio.) Tendo vindo de Uganda para o Brasil quando criança, Hellen apresentou uma canção tradicional de Uganda para o público na segunda-feira, contribuindo ainda mais para a mensagem do evento de que a cultura negra e a resistência têm sim um lugar na Câmara de Vereadores do Rio.
Durante a conversa, os oradores ressaltaram o direito à favela, e especificamente o “direito de ter as favelas de volta” no contexto da ocupação militar, operações policiais intermináveis, e ameaças de remoção. Marielle anteriormente descreveu o “direito à favela” como abrangendo uma gama extensa de questões desde habitação, saneamento, saúde, educação, e cultura até segurança pública e política das drogas. Neste evento, ela apresentou um folheto entitulado “Direito à Favela”, que inclui uma explicação das favelas, os métodos do movimento Direito à Favela, resumos das discussões nos painéis anteriores sobre o tópico, e uma chamada para ação. Mas como a ênfase do evento sobre a ocupação do rolezinho na sede do poder legislativo municipal realçou, o direito à favela não é somente sobre a atividade nas favelas em si, mas também requer um movimento para normalizar a existência dos moradores de favelas em outros lugares. Como Ana Paula Oliveira concluiu, deve haver um movimento para “o direito à favela, mas não só à favela, mas a todos os espaços“.