Uma poderosa exposição estará em Nova Iorque em dezembro: “Mulheres Negras Brasileiras: Presença e Poder“, uma exposição organizada por Sandra Coleman–mestranda na Universidade Estadual de Nova York (SUNY-New Paltz)–que conta as histórias de 49 brasileiras negras de diferentes estados e universidades brasileiras que, como Sandra, lutaram e venceram contra as probabilidades. A exposição de Sandra concentra-se especificamente nas realizações acadêmicas e intelectuais destas mulheres, desafiando a representação hipersexualizada das mulheres negras no Brasil.
Uma das mulheres apresentadas na exposição é Tatiana Brandão (Tati Brandão) da Praça Seca, Zona Oeste do Rio. Tati é mãe de dois filhos, empreendedora, educadora social e coach colaboradora voluntária da Rede Cooperativa de Mulheres do Rio de Janeiro da Assessoria e Planejamento para o Desenvolvimento (ASPLANDE) e do Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (EDUCAFRO). Quando a empreendedora de 38 anos descobriu que foi selecionada para a exposição, ela rapidamente lançou uma campanha de financiamento coletivo–uma vaquinha–na esperança de levantar dinheiro suficiente para poder viajar para Nova Iorque, e poder ver a exposição pessoalmente. Até agora, entre a vaquinha e outras fontes, ele arrecadou R$1.500, mas ainda faltam R$6.000 para completar o custo com transportes. A campanha na plataforma Catarse já está encerrada.
O RioOnWatch falou com Tati por e-mail sobre o significado da exposição, a inspiração por trás de seu trabalho e as influências que moldaram sua presença e poder.
RioOnWatch: Primeiramente, o que significa para você ter sido selecionado nesse projeto internacional?
Tati: Significa representar muitas mulheres negras, as mulheres que me precederam e as que eu estou precedendo. Significa mostrar também que nós mulheres podemos ser quem quisermos ser.
RioOnWatch: Falando sobre presença e poder, além de ser mãe de dois filhos, você é empreendedora, educadora social e coach colaboradora voluntária. O que primeiro inspirou você a fazer esse tipo do trabalho?
Tati: Estava conversando isso por telefone com uma amiga hoje… A minha reflexão é que no meu caso, isso é um estilo de vida da minha família. Cresci vendo minha mãe, muitas vezes, desligar o fogão, já com as panelas, para dar atenção as vizinhas que iam pedir algum socorro e que precisavam desabafar… Até hoje é assim na casa dela. Meu pai deu atenção e se comprometia com os doentes e idosos. A minha tia Rosa já desencarnada cuidava da família. Fui voluntária enquanto adolescente em um asilo. Antes de ter filhos já participei de um grupo que distribuía alimentação para moradores de rua.
RioOnWatch: Você vem da Praça Seca na Zona Oeste. Pode nos contar um pouco sobre sua comunidade e como ela te influenciou?
Tati: Na verdade sou de duas comunidades. No momento estou aqui na Praça Seca há dez anos. Tenho muito carinho por esta comunidade, onde conquistei muitos amigos e vizinhos maravilhosos que sempre me ajudaram em momentos importantes da minha vida e na dos meus filhos. Meus filhos nasceram aqui na Zona Oeste.
Minha outra raiz é em Belford Roxo na Comunidade do Vale do Ipê, onde passei a minha infância, adolescência e vou passar também uma nova etapa da minha vida. Pois estou voltando para lá. Essa comunidade é muito significativa em minha vida pois deu forma e contribuição ativa a minha formação crítica, política, social, espiritual e humana. Permaneço com muitos amigos de infância e de escola lá.
RioOnWatch: Você trabalha como coach voluntária com o EDUCAFRO, um programa que promove a inclusão da população negra e de baixa renda nas universidades. Qual é o significado para você do curso no qual atua no EDUCAFRO?
Tati: O significado é imediato e muito positivo, assim como os resultados das ações decorrentes das reflexões (que estimulo nos alunos) que levam ao autoconhecimento, e automaticamente proporcionam profundas transformações na mente dos participantes! Eu recebo o retorno do trabalho imediatamente, no olhar profundo e emocionado de alguém que passou a se entender, e que decidiu se superar, pedir perdão, pedir ajuda, sair da zona de conforto, enfrentar a vida e ir além!
É maravilhoso saber que em pouco tempo, de forma estruturada, com profundo respeito ao ser humano e a sua essência, eu consigo fazer com que as pessoas se autoconheçam de maneira leve e descontraída colocando-os como protagonistas, que são, das suas próprias vidas. Parece redundante dizer, mas muitas pessoas foram educadas para transferir e terceirizar a responsabilidade de suas ações e atitudes. Há todo um processo histórico de opressão, preconceito e racismo por trás disso. O impacto como educadora social é forte, profundo e de auto-aprendizagem constante, pois trabalho com a essência de cada ser humano. Sempre peço ao final de todas as minhas atividades um retorno de como foi o aprendizado e como fui como profissional. Essa integração e retorno me mantêm atenta no andamento e fluxo do trabalho.
RioOnWatch: Patrícia Rodrigues, uma das outras convidadas da exposição, diz que a educação atua como uma agente de transformação. A partir de que ponto a educação foi um agente de transformação na sua vida?
Tati: Considero a educação como um agente de informação, formação e transformação desde o meu nascimento até o minuto presente que respiro e para sempre.
Inclusive uma das minhas lutas é contribuir para que os jovens entendam isso. A educação é de responsabilidade de todos nós, sociedade, família, escola, mídia, etc. Estamos na era do auto-aprendizado, auto-responsabilização, auto-empregabilidade e tudo isso começa na percepção do que é educação. Nós somos seres humanos integrais e a educação deveria ser assim também, contemplando de forma holística toda a essência humana. A educação hoje–mais do que um agente para transformar–é o caminho que a humanidade tem para transcender!
RioOnWatch: Pensando no movimento Black Lives Matter e Vidas Negras Importam–o movimento correspondente no Brasil–qual é a importância de criar laços de solidariedade entre mulheres negras no Brasil e mulheres negras nos Estados Unidos? Você acha que essa exposição pode contribuir na formação desse solidariedade?
Tati: A importância dessa formação solidária é uma pauta urgente no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo! Um dos objetivos da exposição é modificar nacionalmente e principalmente internacionalmente a forma vulgar, equivocada e machista de como a mulher negra brasileira é divulgada, promovida, propagada e traduzida nas suas ações e atividades. Não há respeito! Vidas Negras Importam sim. E Vidas Negras Femininas Importam tanto quanto as dos homens também.
A exposição já está contribuindo desde a sua concepção, pois está gerando uma discussão saudável e levando as pessoas a refletirem sobre essas questões.
RioOnWatch: Na página da sua vaquinha, você se compromete a compartilhar na sua volta suas experiências com grupos de mulheres e estudantes, para ‘manter a corrente de bem’. Por que você sente essa responsabilidade? O que você espera ao compartilhar essas experiências?
Tati: Eu sinto, verdadeiramente, desde criança que não vim ao mundo a passeio. E perder tempo com ações e coisas que não contribuem para nossa evolução me incomoda muito! Essa responsabilidade que sinto também tem a ver com aquele exemplo da minha mãe desligando o fogão para enxugar uma lágrima e se posicionar como simples ouvinte. A troca de saberes nos fortalece. Acredito que o saber não tem hierarquia, e compartilhar o que se aprende é empoderar-se e contribuir para o empoderamento do próximo. As próximas mulheres, os próximos estudantes…
Pretendo compartilhar todo o aprendizado do processo que estou vivendo. Como e o que elas precisam fazer para que também consigam ir para onde decidirem e quiserem ir.
RioOnWatch: O que está te animando mais nesta experiência em Nova York?
Tati: No momento só penso em conseguir ir! E conhecer pessoalmente a Sandra Coleman, organizadora do evento, para parabenizá-la pela coragem e criatividade! Sou uma pessoa que tiro aprendizado de tudo, desde a jornada até o destino.
RioOnWatch: Você recebeu muito apoio através de sua vaquinha. Tem algo que queria dizer a todos aqueles que contribuíram ou que irão contribuir?
Tati: Recebi apoios significativos que contribuíram para tirar o passaporte e o visto. Consegui estadia gratuita e roupas de frio emprestadas. Falta a passagem e o valor de deslocamento. Pretendo ir dia 4 e retornar dia 8.
RioOnWatch: Algo mais?
Tati: Agradeço imensamente todos os que colaboraram e estão colaborando para a realização deste sonho. Sem eles eu não teria chegado até aqui.