Esta é a terceira matéria de uma série de quatro partes sobre a Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED).
“Em primeiro lugar, essa praça é diferente porque essa praça é nossa”, declara André Constantine, um forte e poderoso orador e presidente da Associação de Moradores da Babilônia, na Zona Sul do Rio adjacente ao Leme.
André, um autodenominado “militante político”, está usando uma camiseta que diz: “Favela não se cala. Toda favela é um campo de extermínio do povo preto”. Ele está liderando uma comunidade profundamente impactada pela gentrificação e–desde do desmantelamento do programa de segurança pública das UPPs—a volta da violência, e ele é explícito quanto à lente da justiça racial do seu trabalho. Diante do apoio limitado por parte da prefeitura que enfrenta uma crise econômica, disputas territoriais crescentes entre facções rivais, a ocupação contínua pela UPP e muitas outras questões para resolver, André vem respondendo com soluções criativas. E como parte dos seus esforços para reduzir a violência, ele está implementando princípios da CPTED, embora não a chame assim.
“Obviamente, a criação de um espaço compartilhado e público está ligada à segurança pública, como no resto da cidade. As luzes prevenirão a violência. Tudo isto é óbvio”, André explica. Para ele, estes não são conceitos esotéricos; são fatos que foram testados e verificados na sua experiência como morador e líder da favela.
André e a Associação de Moradores estão implementando a Praça Semente Viva, um projeto piloto que ele espera replicar em outras áreas da Babilônia. A ideia é criar praças públicas que, além de proporcionar espaços para lazer e interação com os moradores, criarão áreas mais seguras com mais iluminação e mais visão para as ruas. A Praça Semente Viva servirá como protótipo, e é um exemplo de como um conceito obscuro e frequentemente inacessível como a CPTED está sendo organicamente implementado em projetos comunitários.
A necessidade dos moradores de tratar da segurança pública origina-se da falta de ação apropriada do governo. Ao comparar a guerra às drogas no Brasil e nos Estados Unidos, ele observa: “E aqui também temos um genocídio político contra o povo preto. A política da guerra às drogas é uma política de guerra ao povo preto e aos pobres”. Ele aponta o caso de Rafael Braga, um homem jovem, preto e sem-teto, preso por carregar produtos de limpeza durante as manifestações de 2013, e que muitos acreditam foi incriminado pela polícia. “A UPP não é sobre segurança pública”, ele conclui.
O estabelecimento da Praça Semente Viva irá contar com a tradição do mutirão. André explica, “Não ficamos esperando pelo estado. Nós mesmos fazemos. É apenas uma continuação do que foi feito pelos primeiros moradores”.
Projetos na Babilônia são frequentemente liderados por moradores e fazem parcerias com grupos de fora da comunidade. A Associação de Moradores tem proativamente se aproximado do bairro formal vizinho do Leme para lidar com problemas em conjunto, inclusive a violência e o lixo. “Os problemas que existem na favela afetam as áreas formais da cidade”, diz André. “O lixo produzido aqui não sobe o morro. Ele desce. Todo o lixo, todo o esgoto produzido aqui, desce e afeta as áreas formais da cidade. Precisamos entender que um problema para a favela é um problema para a cidade”. Para lidar com estes problemas em comum, um dos objetivos da Associação é integrar a favela no bairro formal do Leme.
Se for bem-sucedida, a praça Semente Viva será o resultado de múltiplas parcerias com empresas particulares e até com a prefeitura que está sem disponibilidade financeira. A Associação de Moradores está trabalhando com uma firma local de arquitetura e paisagismo, EMBYÁ, para projetar o espaço, e também conseguiu a ajuda de um serviço de limpeza para retirar da área ao redor os eletrodomésticos que foram jogados lá. André considera a produtiva parceria com a EMBYÁ como uma vitória, e aponta que pesquisadores interessados nas favelas frequentemente vêm à Babilônia, mas não proporcionam um retorno concreto aos moradores. “Ficamos aborrecidos porque eles sempre querem pesquisar o povo preto e a favela. E não vemos retornos concretos quanto a essa pesquisa. Somos como ratos de laboratório”.
Fisicamente, a praça será equipada com equipamentos como melhor iluminação; esgoto consertado e balaustrada; um parquinho com piso de borracha, um escorrega, e um trampolim; uma mesa dobrável para churrasco; arquibancadas; e até árvores originárias da África. As árvores representam as raízes ancestrais de muitos moradores, e a sua inclusão pretende aumentar o sentimento de responsabilidade sobre a praça.
“Sem dúvida, quando a praça ficar pronta, iremos diretamente resolver o problema do lixo porque ninguém vai querer uma praça dessa qualidade ao lado do lixo”, André afirma. Mas para isso acontecer, o projeto deve ser liderado pelos moradores. “Isto é muito importante, não é um projeto de cima para baixo. O setor público trouxe muitos projetos de cima para baixo“, ele acrescenta, apontando para o agrupamento de praças construídas pela prefeitura concentrado próximo à entrada da Babilônia. “A participação dos moradores no processo de planejamento deve ser um requisito mínimo quando irão receber alguma intervenção urbanística. É muito ruim para o sentimento de responsabilidade e pertencimento ao espaço, qualquer que seja o projeto, quando os moradores não são consultados… Se eles não participam, não sentirão que o espaço é deles e o espaço ficará degradado”. André sabe que com um sentimento de propriedade haverá melhor manutenção e policiamento do espaço pela comunidade, seguido por mais segurança.
Mas apenas a praça não será suficiente; pois é apenas uma das muitas ferramentas para combater a violência. Devem ser feitos avanços quanto às questões sociais, e para André, a principal questão é o problema do racismo no Brasil. “A violência praticada pelo estado não é apenas a violência policial”, ele diz. “É a violência simbólica. A falta de escolas, de saúde, estas são formas de violência mais letais”. Ele considera o investimento na educação como a questão principal para os brasileiros negros de baixa renda.
Esta é a terceira matéria de uma série de quatro partes sobre CPTED.
Mayu Takeda é mestranda em planejamento urbano na Harvard Graduate School of Design.