No dia 26 de novembro, finalizando a semana da Consciência Negra, foi realizada a 16ª edição da tradicional feijoada em homenagem a Dandara e Zumbi dos Palmares pela Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUCA), em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, sendo a primeira no próprio território quilombola, o que tornou esse dia ainda mais especial.
O presidente e fundador da ACUCA , Adilson Almeida, inaugurou a tarde com alegria dizendo: “Esse evento cultural e histórico já é uma grande vitória”. A realização do evento dentro do quilombo não seria possível se o quilombo não fosse dono do seu espaço, conquista resultante de uma luta de mais de uma década. O Quilombo do Camorim está certificado há 3 anos pela Fundação Cultural Palmares (FPC) que reconheceu a auto-identificação da comunidade como quilombo em 2014, e recentemente o Sítio Arqueológico do Engenho do Camorim foi tombado pelo IPHAN.
A certificação do FPC é exigida, por decreto presidencial, para a obtenção do título coletivo das terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O processo junto ao INCRA está em andamento.
O processo de reconhecimento do Sítio Arqueológico do Engenho do Camorim contou com o apoio técnico da arqueóloga e doutoranda Silvia Peixoto, que abriu o evento ao lado do Adilson. Para ela também, este primeiro evento realizado dentro do espaço é “de uma importância sem tamanho, porque é uma apropriação cultural e política do espaço, importantíssima. Um sítio arqueológico é patrimônio de todos, e mais do que de ninguém esse espaço é do Quilombo do Camorim”. O trabalho de levantamento histórico da arqueóloga dentro do quilombo confirmou a existência de um sítio arqueológico com a presença de mais de 7000 fragmentos dos meados do século XVI. Um circuito guiado no quilombo foi criado para mostrar e valorizar esse legado.
Adilson e Silvia lamentaram a destruição de vários desses artefatos, como também de uma área imensa de árvores nativas da Mata Atlântica, depois que a Living, uma subsidiária do grupo de construção Cyrela, iniciou construções nas terras quilombolas, para abrigar a Vila da Mídia dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e depois entregar o empreendimento ao mercado imobiliário. Hoje, enquanto espaço arqueológico, não poderá mais haver qualquer tipo de construção, explicou Silvia. Agora Adilson tem como objetivo que esses novos moradores, do condomínio, venham conhecer o território quilombola dentro do qual eles vieram morar. O presidente da Acuca lançou um convite para que esses novos moradores, e as outras pessoas de fora, venham conhecer o quilombo e desfazer a imagem pejorativa que elas podem ter: “nós aqui vivemos e respiramos história, então que as pessoas venham para se agregarem”. Várias atividades já estão sendo organizadas dentro do espaço como caminhadas ecológicas, visitas da área arqueológica e visitas para escolas.
Eventos como a feijoada do Quilombo do Camorim ajudam a desconstruir a imagem pejorativa dos quilombos, junto com os preconceitos e o racismo. Adilson, com a Acuca Camorim, quer resgatar a história e mostrar a imagem positiva do lugar com sua cultura, tradições, história e festividade. Os eventos organizados são laicos e procuram receber a todos, independentemente da religião de cada pessoa. Essa questão é central nas reflexões da Acuca, que realiza anualmente um espaço de debate sobre intolerância religiosa.
Para a militante Sandra Helena Lobato presente no evento, uma iniciativa como a feijoada do Quilombo do Camorim é essencial para poder unificar e desmistificar a imagem em torno dos quilombos. Segundo ela, como membro da Igreja Batista e militante negra, é importante poder separar a arte e a cultura da parte religiosa para permitir a união das pessoas. Dentro de um contexto de ataques contra pessoas de religiões afrodescendentes, “é mais do que importante mostrar que a gente deve e pode se unir, cada um respeitando a religião do outro”. Porém, Sandra também expressou sua tristeza frente a sensação que o povo carioca ainda não entende e enxerga bem essa luta, e a necessidade de estar junto dela. Para ela, esse tipo de evento é fundamental para que os negros apareçam de forma positiva e se posicionem dentro de uma sociedade de racismo velado.
Eventos como a feijoada em homenagem a Dandara e Zumbi dos Palmares são vivências necessárias para continuar fortalecendo a identidade negra e dos descendentes quilombolas, para que “os jovens tenham consciência que eles são quilombolas, e não tenham que baixar a cabeça para ninguém”, disse Adilson.
Além de uma feijoada maravilhosa, a festa e a cultura não faltaram. A tarde inteira foi animada com atividades variadas: uma oficina de jongo com a presença das crianças do projeto de capoeira, um grupo de pagode de Mesquita cantando músicas de resistência negra, o desfile AfroFashion de roupas inspiradas em diversos países da África e uma batalha de poesia do grupo de jovens, Slam Nós da Rua. Dessa forma, “cada um fez parte dessa construção, de todo esse ambiente, parte da história, que é de todos”, se emocionou Adilson.
A ACUCA agradece e atribui a qualidade e o sucesso do evento a presença dos expositores Anderson Awvas da Ilustração e design, Nega Rosa, Bijucaliente Moda e Cia, Dith biju, Silvia Helena da Claridanda Artesanato, Lucimar Trancista da Dream Hair, Fátima Balbi da Mary key, Eliane Ribeiro da Oficina de Abayomis , Maria Rivanilda da Odara Mania de Ser, Amaury e Tadeu do By Soares, Daniel Farias do Elo e Urucum, Universo Submerso e também a Clínica da Família de Curicica, ao INEA e a todos que vieram prestigiar o evento.
Para agendar uma visita ligue para Adilson Almeida no 21 98320 2634 ou entre em contato através da página do Facebook ou do site da ACUCA.