Esta matéria é a segunda de uma série de três que exploram a arquitetura dos bons espaços públicos, e as métricas intangíveis que dão ao espaço público um senso de lugar, com base em entrevistas, em vídeo, com Fred Kent. Este segundo artigo desta série explora o conforto no espaço público. Leia a matéria original em inglês no site Projeto Por Espaços Públicos (PPS) aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
“As pessoas são profundamente nutridas pelo processo de criação da totalidade.” – Christopher Alexander, Uma Linguagem de Padrões
Quando você pensa em todas as maneiras de descrever um bom lar, certas palavras podem vir à mente: caloroso, convidativo, relaxante, alimentador. Mas você descreveria seu parque local da mesma maneira? Um campus como aconchegante? Uma orla como acolhedora?
No seu melhor, um espaço público seria como uma extensão do lar de alguém, e essa sensação profunda de familiaridade decorre de um senso de conforto igualmente profundo. Quando as pessoas estão fisicamente e mentalmente confortáveis em um espaço, elas se abrem, interagem com os outros e quase literalmente, tiram seus sapatos. Nessa atmosfera informal, os espaços públicos podem se tornar “terceiros lugares“, aqueles lugares de encontro informais, entre o trabalho e o lar, onde ocorrem nossas vidas sociais mais amplas.
Existem inúmeros indicadores de que um espaço é realmente confortável, mas aqui estão cinco dos nossos favoritos:
1. Linguagem corporal
Como Fred Kent observa: “Você pode dizer imediatamente quando alguém está confortável”. A postura de uma pessoa se afrouxa. Seu ritmo diminui e até mesmo seus movimentos oculares podem mudar, uma vez que a velocidade deles é alterada para participar desse lugar. Esses comportamentos sutis marcam uma liberação de tensão e os primeiros sinais do aumento de conforto.
2. Todas as pessoas em todos os momentos
Um espaço verdadeiramente confortável é confortável para pessoas de todas as idades, gêneros e habilitações. E se não for, as pessoas mais afetadas simplesmente não estarão presentes. Um bom lugar para sentar pode fazer uma grande diferença para pessoas com mobilidade limitada. Locais bem localizados e com assentos convidativos atraem as pessoas para o espaço de uma maneira que poucas outras coisas podem fazer. Mas, todos os bancos e mesas do mundo são de pouca utilidade se, por exemplo, as mulheres não se sentirem seguras usando-os, ou se eles não são universalmente acessíveis.
Da mesma maneira, se um local não for confortável à noite ou em clima inclemente, muitas pessoas simplesmente não aparecerão. À noite, uma boa iluminação pode ajudar a tornar um espaço mais seguro, mas nada faz com que ele seja mais seguro do que a presença de mais pessoas. Do mesmo modo, a atividade pode acontecer durante todo o ano em um espaço público com as comodidades adequadas. Para evitar quedas sazonais nas atividades nos espaços públicos, eles devem fornecer coisas como sombra, água e bebidas frias nos meses mais quentes, e calor e abrigo nos meses mais frios. Por exemplo, Harvard Plaza ampliou com sucesso sua temporada com fogueiras e jogos ao ar livre para que as pessoas se agrupassem.
3. Afeição
Em sua origem, os tipos de comportamento que exploramos na primeira parte desta série sobre a afeição resultam de um senso de conforto. Quando as pessoas são capazes de relaxar em um espaço público, elas também relaxam ao redor de outras pessoas. É por isso que proximidade, compartilhamento, contato, sorriso, olhar e exibições públicas de afeto não são apenas bons indicadores de afeto, mas também indicadores confiáveis de conforto.
4. Improvisação
O grau de improvisação em um espaço público pode ser um indicador positivo e negativo de quão confortável é um espaço público. Por um lado, mais interações e atividades sociais espontâneas ocorrem quando as pessoas se sentem seguras, bem-vindas e confortáveis. Por outro lado, as improvisações também podem ser um sinal de que falta algo em um espaço. Por exemplo, quando os projetistas não fornecem assentos bons suficientes, os usuários inventarão os seus próprios assentos, sentando precariamente em quase qualquer coisa–postes de amarração, bicicletas, carrinhos de bebê e até mesmo hidrantes.
5. Uso habitual e comportamento doméstico
De acordo com Fred Kent, os pés descalços são um dos melhores indicadores de um espaço confortável. Isso ocorre porque as pessoas tratam grandes espaços públicos como outra sala da sua casa. Elas tiram os sapatos e colocam os pés para cima. Elas relaxam, tiram uma soneca e comem exatamente como fariam em sua própria casa. Muitas vezes leva tempo para construir esse senso de intimidade e familiaridade em público, o que significa que o retorno da visita pode ser um precursor importante desses comportamentos caseiros. Em outras palavras, quanto mais “regulares”, melhor.
Mesmo que um espaço seja bonito, se não for confortável, ele permanecerá inutilizado e não querido. O conforto não é um luxo ou um “extra” para um espaço bem projetado. Na verdade, algumas das comodidades mais efetivas que contribuem para o conforto são informais, baratas e até feias.
Mas, às vezes, essa falta de conforto não é um erro sem querer. Projetistas e administradores muitas vezes tornam os espaços públicos intencionalmente desconfortáveis: arquitetura hostil e securitização tornaram-se comuns nos esforços para deslocar pessoas que vivem sem abrigo. Esses esforços equivocados sempre deixarão de criar lugares onde as pessoas se sintam em casa, e mais importante, eles perdem o foco do espaço público–que é dar boas-vindas e conforto a todos.
Em inglês, o vídeo que acompanha a série original:
Série Completa: Arquitetura dos Bons Espaços Públicos
Parte 1: O Espaço Público É Para O Afeto
Parte 2: Entre em Sua Zona de Conforto: Cinco Indicadores de Conforto em Espaços Públicos
Parte 3: Torne-o Seu: Improvisação no Espaço Público