Entre os dias 24 e 28 de abril o evento Abraço das Favelas, organizado por moradores de favelas estudantes e não-estudantes da UFRJ, promoveu intervenções artísticas e debates na instituição. O projeto cultural teve como objetivo ocupar a universidade pública, ainda inacessível por grande parte de jovens da periferia carioca, para dar visibilidade aos temas relacionados às favelas.
O evento contou com apresentações artísticas diversas de moradores e projetos culturais de favelas, como a Orquestra Maré do Amanhã, Projeto DanceGrafia, Ballet Manguinhos, Dance in Rio, Cia. bUsina Teatral, apresentações de dança e performances de artistas. Essas apresentações mostraram o poder transformador da arte e a importância do seu caráter político para pensar a conjuntura social. Mais do que isso, foi uma importante oportunidade para articular debates atuais sobre o contexto caótico no qual se encontra a cidade do Rio de Janeiro, ampliando a função social do aprendizado dentro da universidade.
Um dos momentos especiais foi a performance “Corpo presente” de Matheus Frazão, estudante de artes cênicas na UNIRIO e morador do Timbau, que apresentou sua performance em simbologia à vida e ao assassinato de Marielle Franco no pátio da Faculdade de Letras da UFRJ na tarde de quinta-feita, 26 de abril. Ele iniciou a sua apresentação deitado no chão e coberto por um saco preto com uma vela ao lado, representando um corpo negro morto. Enquanto seguiu estirado ao chão, uma gravação que misturava notícias da violência pela mídia tradicional, intercalada por ruídos propositais que representam o silenciamento das vozes das favelas, soava ao fundo. Em um momento, o som se transformou em uma música de matriz africana que mesclava sentimentos de tristeza e força, onde, junto com a sua coreografia e gritos de “Marielle”, fazia alusão ao luto que se transforma em luta.
“Como é que eu consigo soltar a minha voz, como é que eu consigo levar essa minha indignação e ao mesmo tempo dizer que quando a gente está em luto, a gente está em luta? (…) eu trabalho com essa simbologia do fogo, desse corpo morto, pegando matérias de jornais. E sempre com os ruídos entre uma e outra porque isso significa o nosso silenciamento. A gente sempre é silenciado e a gente sabe que essa mídia de grande massa não nos representa. Tem muito mais alienação do que passar informação de fato”, explica Matheus sobre a sua performance.
Apesar de muito impactante, Matheus considera que sentiu um distanciamento entre o público da faculdade e o artista, diferente do que ocorreu quando se apresentou para os moradores da Maré.
“Quando eu apresentei pela primeira vez, eu apresentei na Maré. Teve uma proximidade maior e até mesmo uma questão de energia… Que grupo é esse que está assistindo? É um grupo que tá vibrando, que acredita nas mesmas coisas? Não sei, eu senti uma distância aqui. A inteiração é totalmente diferente. Eu acho que isso representa o que é a relação faculdade-favela né, uma omissão. Não tem, a gente sabe muito bem que pra entrar na faculdade é um funil”, declara Matheus.
Dentre os debates promovidos pelo evento estiveram os temas da intervenção militar federal, UPPs, a trajetória de resistência da mulher negra e a mídia alternativa. Os alunos e professores do Colégio Pedro II, dentre eles moradores de favelas, apresentaram o documentário “Pacificação? As UPPs e a violência no RJ” realizado para o projeto Cinema Crítico do CPII, na quinta-feira, 26 de abril. Na mesa de debate estiveram presentes o professor do CPII João Braga, o morador da Providência que participou do documentário, Cosme Filippsen, e o ex-aluno do CPII, Mike Ribeiro. O filme, que entrevistou moradores de favelas, políticos, acadêmicos e representantes da segurança pública entre 2014 e 2017, une relatos e dados para criar um panorama amplo e claro dos impactos das UPPs para as favelas e para a segurança pública do Rio de Janeiro.
Já no debate “O que é mídia alternativa?”, que também aconteceu na quinta-feira 26 de abril, estiveram presentes Rene do Voz das Comunidades, Naldinho do Maré Vive e Carlos do O Cidadão, que criticaram a abordagem da mídia tradicional a respeito das favelas, pois pouco abordam notícias desses espaços, e quando abordam o fazem de forma seletiva. Segundo os debatedores, apesar do grande número de favelas na cidade e de grande parte da população morar nesses espaços, as poucas abordagens nos noticiários que existem estão sempre ligadas à questão da violência e sempre se concentram nas mesmas favelas, gerando um discurso único.
“Aí que entra o papel da mídia comunitária, da mídia cobrindo e mostrando o quê que tá acontecendo de verdade dentro desses lugares”, diz Rene do Voz das Comunidades, apontando que as grandes mídias só procuram as mídias comunitárias quando acontece algum evento relacionado à questão da segurança pública, reforçando todos os estigmas da favela.
Um dos pontos criticados na abordagem convencional foi a falta de interesse em mostrar a favela como uma potencialidade, onde existem projetos culturais, sociais e engajamento dos moradores. Além disso, é constante a apropriação de acontecimentos específicos para validar abordagens opressivas às favelas, principalmente no que diz respeito à segurança pública, como se fosse algo positivo. No entanto, como os debatedores mostraram com relatos de suas experiências, esta é uma luta constante dos moradores: romper com o discurso fácil de que a ocupação policial nas favelas significa combate à violência e política de segurança pública.