Na quarta-feira 2 de maio, sete projetos de Marielle Franco foram para votação na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Com as galerias lotadas e sob muito apoio popular, cinco projetos de lei foram aprovados em primeira votação, um projeto de lei foi adiado e um será votado após reparações técnicas.
A sessão que estava marcada para começar às 14:30h foi iniciada apenas às 16h, após muitos gritos de protesto vindos das galerias contra a ausência de vereadores. A sessão, que partiu da iniciativa dos membros do mandato coletivo de Marielle Franco e da bancada do PSOL, foi iniciada por Tarcísio Motta (PSOL). Tarcísio abriu a sessão com uma fala emotiva, indicando a importância daquele momento para uma resposta política ao assassinato brutal da vereadora e para a composição de políticas públicas no Rio de Janeiro.
“Ela é uma resposta política porque [Marielle] foi assassinada para que não mais pudesse falar, para que não mais pudesse legislar, para que não mais pudesse representar uma parcela da sociedade carioca. E nós estaremos aqui hoje, colocando em votação alguns dos projetos da Marielle, o que significa repercutir a sua voz em políticas públicas concretas para a cidade do Rio de Janeiro“, diz o vereador Tarcísio.
Os projetos que estavam na pauta para votação eram o PL 17/2017 Espaço Coruja, PL 72/2017 Dia da Luta Contra a Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia, PL 103/2017 Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, PL 417/2017 Assédio não é passageiro, PL 515/2017 Efetivação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, PL 555/2017 Dossiê Mulher Carioca e PL 642/2017 Assistência Técnica Pública e Gratuita para habitações de interesse social. Dentre eles, o PL 642/2017 Assistência Técnica Pública e Gratuita para habitações de interesse social não entrou em votação por questões burocráticas e, provavelmente, irá à votação na próxima semana.
A primeira votação foi referente ao PL 17/2017 Espaço Coruja, de autoria de Marielle Franco e Tarcísio Motta, que institui um espaço noturno de caráter gratuito para o acolhimento de crianças de mães que trabalham em horários noturnos. O objetivo do projeto é permitir que os responsáveis possam exercer suas atividades de trabalho ou estudo no período noturno. Esse projeto é especialmente importante para as mulheres, que realizam dupla jornada, e que não têm como dar continuidade aos estudos ou permanecer em seus empregos por não terem com quem deixar seus filhos. Sob aplausos, o projeto foi aprovado e seguirá com prazo de duas semanas para que seja aprimorado a partir de sugestões de outros vereadores.
Logo depois, foi colocado em pauta o PL 72/2017 Dia da Luta contra a Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia, com o objetivo de criar uma data representativa no combate às opressões da população LGBT, no país com o maior número de assassinatos da população LGBT. O vereador Cláudio Castro (PSC) pediu ao microfone que “conforme acordo feito, gostaria de solicitar o adiamento por uma sessão”. A maioria do plenário decidiu pelo adiamento, então, sob muitas vaias vindas das galerias, foi anunciado que o projeto não iria à votação. Diante da dificuldade de avançar no debate sobre a questão, David Miranda (PSOL), vereador LGBT do Rio de Janeiro, se pronunciou:
“Bom, eu sou o único LGBT nessa casa então eu tenho que me pronunciar sobre isso. Marielle era LGBT, dentro dessa casa aqui. Era uma companheira de luta, e esse projeto sendo adiado nessa sessão, para a gente não poder votar aqui com todo mundo esperando–e eu tenho certeza que essas galerias estão cheias de LGBTs–é difícil, mas a gente fez acordo e a gente precisa manter esse acordo. Eu faço a promessa com vocês que eu vou sentar com todos os vereadores e vou conversar, porque a gente vai colocar esse projeto um outro dia aqui e eu vou levar esse projeto para ser aprovado aqui nessa casa. É inadmissível, ano passado Marielle colocou O Dia da Visibilidade Lésbica aqui, e não passou nessa casa.”
O terceiro projeto colocado em votação foi o PL 103/2017 Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no calendário, como forma de reconhecimento do histórico e cultural de Tereza Benguela para a memória da mulher negra. Tereza Benguela, ícone da resistência negra no Brasil, liderou o Quilombo de Quariterê na resistência contra a escravidão até ser capturada por soldados. O projeto foi aprovado em plenário e representa uma importante conquista do movimento feminista negro para resgate de sua memória como transformação política.
“Eu queria, ao invés de usar as minhas palavras, usar as palavras da Vereadora Marielle Franco na justificativa do projeto. A história da cidade do Rio de Janeiro, é permeada e transpassada pela história do africano e negro escravizado no Brasil. No berço da Pequena África, hoje compreendida como toda área do Porto, negros e africanos vindos dos navios negreiros desembarcaram para serem vendidos… A importância em existir um dia para celebrarmos as mulheres negras, está nos escritos históricos e nos atuais dados do IBGE. Segundo o instituto, 71% das mulheres negras estão em ocupações precárias e informais, contra 54% das mulheres brancas e 48% dos homens brancos. O salário médio da trabalhadora negra continua sendo a metade do salário da trabalhadora branca. Mesmo quando sua escolaridade é similar à escolaridade de uma mulher branca, a diferença salarial gira em trono de 40% a mais para esta”, comenta Renato Cinco (PSOL) sobre o projeto de lei.
O PL 417/2017 Assédio não é passageiro, que cria uma campanha publicitária nos transportes públicos do Rio de Janeiro como uma das formas de conscientização da violência contra a mulher, foi o quarto projeto a ser votado. Na proposta, serão colocados três tipos de cartazes nos transportes com os dizeres: “O transporte é público. O corpo das mulheres não! Em caso de assédio sexual, denuncie. Ligue 180”, “Ir e vir é um direito. Me respeitar é seu dever! Assédio sexual é crime. Denuncie. Ligue 180 ” e “Sem consentimento é violência. Respeite as mulheres. Violência contra a mulher é crime. Denuncie. Ligue 180”. O projeto foi o terceiro aprovado na sessão, com maioria absoluta.
O projeto seguinte, o PL 515/2017 Efetivação das Medidas Socioediucativas em Meio Aberto, de autoria de Marielle Franco (PSOL), Tarcísio Motta (PSOL), Leonel Brizola (PSOL) e Célio Lupparelli (DEM), foi levado à votação nominal no plenário. A proposta prevê a responsabilização legal do município para que haja efetivação das medidas socioeducativas para adolescentes em meio aberto (Liberdade Assistida e a Prestação de Serviço Comunitário), impostas pelo Poder Judiciário. Com isso, o projeto tem por objetivo estimular a inserção ou a reinserção dos adolescentes no sistema educacional e no mercado de trabalho.
Durante a votação nominal, quatro vereadores votaram inicialmente contra: Rosa Fernandes (PMDB), Jones Moura (PSD), Carlos Bolsonaro (PSC) e Leandro Lyra (NOVO). Após muitas vaias e pressão popular, os vereadores Rosa Fernandes (PMDB) e Jones Moura (PSD) mudaram seus votos para favorável. Dessa forma, o projeto foi aprovado pela maioria, enfrentando apenas dois votos finais contra.
A seguir, o PL 555/2017 Dossiê Mulher Carioca, que propõe a elaboração de estatísticas periódicas a respeito do atendimento de mulheres nas áreas da saúde, assistência social e direitos humanos, como forma de auxílio para formulação de políticas públicas que busquem a proteção das mulheres, foi levado à votação. O projeto foi aprovado sem votação nominal.
Por último, foi votado o projeto de autoria das seis vereadoras do Rio de Janeiro, que dá nome de Marille Franco à tribuna da Câmara Municipal. As seis vereadoras são as únicas mulheres dentre o total de 51 vereadores no Rio de Janeiro, expondo a desigualdade de gênero no plenário e o domínio das decisões políticas nas mãos de uma maioria de homens brancos. Marielle seria a sétima vereadora, mas foi brutalmente assassinada no dia 14 de março de 2018.
O projeto sofreu contestação do vereador Otoni de Paula (PSC), único da casa que votou contrário durante a votação nominal. Apesar de maioria garantida, o momento da votação foi de muito conflito. Sob muitas vaias e gritos de protesto, Otoni de Paula sugeriu que “é temerário a votação desse projeto agora” já que as investigações ainda não estão finalizadas, sugerindo uma dúvida a respeito do posicionamento de assassinato político, apesar de todas as características do acontecimento. Todos que estavam nas galerias se levantaram e ficaram de costas para o plenário, como forma de contestação e manifestação às palavras proferidas por Otoni de Paula.