De 14 a 16 de maio, a UFF organizou o 7º Seminário Internacional de Pesquisa em Mídia e Cotidiano, com o tema Mediatização e Sociedade Conectada: Espaços e Memórias do Cotidiano. O primeiro dia do evento foi realizado no Museu da Maré, no Complexo da Maré, e focou no uso de mídia por ativistas comunitários para promover a democracia e a inclusão social. Foram reunidos diferentes ativistas praticantes locais, pesquisadores que trabalham no Brasil e no exterior e participantes da e-Voices Network (Rede e-Vozes), que conecta ativistas que usam a mídia para promover direitos no Quênia, na Síria e no Brasil.
O evento foi uma oportunidade para fortalecer iniciativas comunitárias e desenvolver um diálogo de longo prazo entre pesquisadores e ativistas comunitários, uma tendência que vem crescendo em pesquisas acadêmicas em direção a agendas de pesquisa mais colaborativas, inclusivas e éticas, que centralizem as vozes e as habilidades dos atores locais.
O dia começou com uma visita guiada ao Museu da Maré–que recentemente comemorou seu décimo segundo aniversário–e continuou com uma mesa redonda entre ativistas, pesquisadores e estudantes.
Conectando ativistas no Brasil, no Quênia e na Síria
O evento ofereceu uma oportunidade para os ativistas do Rio compartilharem suas habilidades e conhecimentos com pesquisadores e ativistas praticantes de outros contextos. Um dos objetivos da conferência, em particular da e-Voices Network, foi produzir um guia sobre mídia e ativismo que reúne as experiências nos três países, bem como um guia para os praticantes sobre pesquisa ética e o trabalho das mídias comunitárias. Outra produção planejada é um “mapa de histórias” que localizará e narrará a história de cada plataforma ativista participante.
As seguintes iniciativas baseadas no Rio estiveram presentes: a plataforma de mídia comunitária Maré Vive, o Núcleo Audiovisual NA Favela (Maré), o aplicativo de monitoramento de violência armada Defezap, o Museu da Maré, a Rede de Museologia Social, o Favela Cineclube (Providência), o coletivo de mídia-ativista Coletivo Papo Reto (do Alemão) e o jornal comunitário O Cidadão (Maré). As iniciativas internacionais incluíram a Pawa254, com sede no Quênia e a Sparklab, da Telecenter.org Foundation, com sede nos Estados Unidos e que atua na Síria, entre muitos outros países.
Favelas: espaços da democracia
A diretora do Museu da Maré, Cláudia Rose Ribeiro da Silva, abriu o debate, destacando como a grande mídia trabalha em benefício de grupos dominantes ao retratar as favelas como espaços de violência, criminalidade e policiamento. Ela lembrou a todos os presentes que esse discurso sobre a violência é usado como justificativa para desrespeitar os direitos humanos na favela. No entanto, acrescentou, as agendas e discursos hegemônicos não serão vitoriosos se as comunidades discutirem e proporem alternativas. Esse é o poder da mídia e do ativismo nas comunidades cariocas. “Nós somos prova de que o poder não vence, que eles não podem submeter as pessoas indeterminadamente”, ela destacou.
Em seguida, cada grupo ativista falou da história e missão de sua trajetória e iniciativa. Alguns integrantes de plataformas, como Maré Vive, Coletivo Papo Reto e Defezap, falaram sobre como a mídia pode ser usada para denunciar abusos de poder pela polícia e outras violações de direitos humanos. Neste ponto, eles também enfatizaram o desejo de se afastar do foco na segurança e no crime, desejando trazer realidades positivas das favelas para o primeiro plano. Outros, como o Cineclube Revolucionário, que organiza exibições de filmes e debates políticos na Providência, destacam que a favela não é apenas “o alvo da análise”, mas também um espaço no qual análises e debates são produzidos.
Finalmente, representantes do Museu da Maré, do Jornal O Cidadão e da ONG CEASM, destacaram que a mídia comunitária é importante para criar uma memória coletiva da qual os moradores de favelas possam se orgulhar. Através da mídia comunitária, os moradores se veem representados em jornais, filmes, plataformas online e outros espaços. Iniciativas que valorizam a história, o conhecimento, os projetos e as pessoas locais ajudam a criar uma “elite intelectual e artística na comunidade”, como colocou o diretor do CEASM e do Museu da Maré, Lourenço Cezar da Silva. Todos esses esforços se unem para promover o desenvolvimento de comunidades geralmente negligenciadas pelo Estado, tornando as favelas e seus moradores os defensores e agentes da democracia.
Ao longo do debate, participantes sublinharam a importância do acesso ao ensino superior através de ações afirmativas e esquemas de bolsas de estudo. A Dra. Renata Souza, nativa da Maré, pesquisadora de pós-doutorado na UFF e ex-chefe da equipe do gabinete da vereadora, assassinada, Marielle Franco, salientou que, para ela, a universidade é uma “trincheira” da qual ela e outros moradores de favela podem lutar contando suas próprias narrativas. Olhando para o futuro, ela disse: “Nossas experiências vão virar políticas públicas, não dados frios da segurança pública. A palavra prioritária é dos favelados!”
Lições aprendidas
O intercâmbio continuou em oficinas e grupos de trabalho durante os dias seguintes, mas este primeiro dia já articulou coisas em comum entre os grupos participantes e lições a serem aprendidas.
A grande vantagem da mídia comunitária é a flexibilidade de suas metodologias, que não são apenas desenvolvidas organicamente de dentro da comunidade, mas também estão constantemente respondendo a ela. Os debatedores relataram como seus projetos respondem às mudanças e alterações das necessidades locais, especialmente ao lidar com questões de segurança e abusos de direitos humanos.
Ao lidar com denúncias de violência e abuso, suas abordagens dão prioridade à humanização de cada caso, respondendo aos moradores com a devida atenção e adaptando seus métodos caso a caso. Isso é importante para criar um senso de comunidade e apoio em momentos de sofrimento e dor. A pesquisa acadêmica certamente pode aprender muito com essa abordagem.
Ativistas comunitários, repórteres e artistas também têm conhecimento único da comunidade local. Suas bases nas comunidades proporciona-lhes acesso privilegiado a informações, bem como a espaços e locais que pessoas de fora muitas vezes não podem acessar. Por exemplo, ao filmar operações policiais, os membros do Coletivo Papo Reto, às vezes, são autorizados a entrarem nas casas das pessoas para filmar a partir de suas varandas. O conhecimento mais profundo da história da comunidade e a história de cada morador permite que eles produzam materiais que valorizam a comunidade, fortalecem ainda mais os moradores e desafiam estigmas e estereótipos.
A mídia comunitária e ativista é, portanto, uma ferramenta democrática que os moradores usam para aumentar a conscientização sobre questões importantes para os moradores de favelas, denunciar abusos e incomodar discursos dominantes, não apenas dirigidos para o público de fora, mas também de dentro das favelas. Dessa forma, a mídia comunitária mobiliza os moradores, empoderando-os e promove conscientização e engajamento político. Nessas iniciativas, como afirmou Renata, “a teoria e a prática se complementam” e a experiência ocupa o centro do palco. Essas lições são relevantes para todos os pesquisadores, repórteres, ativistas e outros profissionais cujo trabalho envolve favelas e seus moradores.