Na noite de 19 de maio, a Igreja Católica da Vila Autódromo–um prédio pequeno, pitoresco de cor amarelo canário–abriu suas portas para celebrar o segundo aniversário do Museu das Remoções. Apesar das fortes chuvas que antecederam o evento, mais de 35 pessoas de diversas comunidades e organizações da sociedade civil estiveram presentes para celebrar a luta da Vila Autódromo contra as remoções no período que antecedeu os Jogos Olímpicos de 2016.
Ao entrar na igreja, os participantes podiam ver uma série de fotos cuidadosamente colocadas em duas grandes estruturas metálicas. A exposição de fotos, intitulada “Imagens de Memória e Luta”, retrata a difícil, mas vitoriosa, mobilização da comunidade contra os empreendimentos urbanos relacionados aos megaeventos na última década.
A noite começou com a apresentação e lançamento do site oficial do Museu das Remoções. No site, os visitantes podem encontrar uma coleção de fotos, histórias, documentos, planos estratégicos e matérias online relacionados à história de resistência da Vila Autódromo. Capturando o espírito do Museu das Remoções, o site constitui um importante espaço através do qual a resistência pode ser lembrada e, mais importante, replicada por comunidades semelhantes no Rio e em todo o mundo.
Após o lançamento, a noite se concentrou em seu evento-chave, uma mesa redonda intitulada “Redes Humanas – A hiperconectividade do afeto”. Três representantes de diferentes comunidades, duas defensoras públicas e uma representante da Comunidades Catalisadoras* (ComCat) foram convidadas a falar sobre suas experiências e o que significa lutar contra a remoção.
A primeira palestrante, Maraci Soares, do Quilombo do Camorim na Zona Oeste do Rio, abriu a mesa redonda descrevendo como a crescente especulação imobiliária e a ameaça constante de remoção em toda a região de Jacarepaguá tem sido uma constante fonte de estresse para sua comunidade há anos. Somado à longa história de opressão e negligência do Estado aos quilombos, as ameaças de remoção são apenas um elemento nas lutas prolongadas que muitas comunidades como Camorim enfrentam.
A líder comunitária Jaqueline Andrade Costa, falou sobre a luta contínua contra a remoção na Barrinha, à medida que os condomínios e outros empreendimentos privados continuam a crescer nos arredores. Ela observou que, embora a experiência tenha sido difícil e traumatizante, a luta se tornou mais palatável, porque muitos que foram removidos ou ameaçados no passado em outros cantos da cidade, continuam apoiando aqueles que estão enfrentando ameaças atualmente. Ela afirmou: “As pessoas não vão sair da luta. Por que? Porque as pessoas que não são removidas hoje podem ser amanhã, ninguém sabe. Nós precisamos ficar juntos na luta porque a vida é difícil. Este é o nosso movimento, um movimento de apoio“. Ela continuou dizendo que a solidariedade é a chave para garantir o direito de permanecer. “É difícil resistir, mas é possível. É por isso que precisamos ter ajuda, estar aqui [na mesa redonda] e falar sobre o movimento. Todos nós precisamos”.
Representando as comunidades Rádio Sonda e Maracajás, Di Cunha explicou como aprendeu e se engajar na luta contra a remoção. Rumores de remoção não são novidade para as duas comunidades, ambas localizadas em terras federais sob o controle da Aeronáutica na Ilha do Governador. Mas em 2017, quando as comunidades receberam mais um aviso de remoção, Di se inspirou nas estratégias da Vila Autódromo contra a remoção e procurou outras comunidades para aprender mais sobre como sua comunidade poderia resistir. Ela refletiu: “A Vila Autódromo me inspira, nos conhecemos na luta e vamos lutar a cada dia. Nós aprendemos muito com a Vila Autódromo”.
Maria Lucia de Pontes e Adriana Bevilaqua, duas defensoras públicas, também contribuíram com suas perspectivas. Maria Lucia criticou os fatores sistêmicos que continuam a perpetuar a negligência das favelas em todo o Rio. Ela argumentou que a resistência contra a remoção é muito maior do que apenas uma luta para permanecer, já que “é uma luta por uma outra sociedade, por uma outra cidade”. As palavras de Adriana foram encorajadoras e críticas. Embora ela tenha elogiado a resiliência da comunidade, ela também reconheceu disputas internas no Gabinete da Defensoria Pública que ocasionalmente afetaram a representação legal das comunidades para manterem suas lutas.
Por último, Roseli Franco, da Comunidades Catalisadoras, apresentou um capítulo de um livro sobre a luta contra as remoções na Vila Autódromo, escrita pela Diretora Executiva da ComCat Theresa Williamson, para o livro Rio 2016: Olympic Myths, Hard Realities (Rio 2016: Mitos Olímpicos, Duras Realidades) e destacou sete chaves da resistência bem-sucedida delineadas no capítulo: “união… acesso à informação, defesa jurídica, liderança diversificada e resoluta, amplas redes de apoio… respostas criativas… e documentação e visibilidade precoces e contínuas”. Roseli também compartilhou alguns achados do relatório e do mapa da Rede Favela Sustentável–um projeto da ComCat–enfatizando que as favelas sempre foram e continuam a ser importantes fontes de sustentabilidade ambiental e social em uma cidade cada vez mais desigual. Assim como surgiram redes de resistência em um esforço coletivo contra remoções, Roseli sugere que as favelas também podem fortalecer as iniciativas locais de sustentabilidade por meio de aprendizagem e intercâmbio em rede.
No final da mesa-redonda, Natália Macena, moradora da Vila Autódromo, encerrou a noite agradecendo aos participantes, reafirmando e respondendo a cada uma de suas palavras. Natália reconheceu as duras realidades do ativismo das favelas, mas enfatizou que as favelas são mais fortes juntas. Ela observou: “A resistência não pode ser feita por nós mesmos, tem que ser coletiva. Se eu estou nessa luta sozinha, não posso conseguir nada. Mas, se lutarmos juntos vamos conseguir. A mudança pode ser pequena, mas a gente consegue”.
Mais do que uma comemoração do passado, o segundo aniversário do Museu das Remoções celebrou e inspirou tendências emergentes de ativismo entre as favelas. À medida que as ameaças de especulação imobiliária e gentrificação continuam a aparecer no Rio pós-Olímpico, a luta e o legado de resistência da Vila Autódromo funcionam como apoio, exemplo e encorajamento para os esforços contínuos de resistência.
*Comunidades Catalisadoras (ComCat) é a ONG que publica o RioOnWatch.