Na quinta-feira, 7 de junho, Fala Vidigal – Ciclo de Debates organizou a mesa de debate DROGAS: Uma guerra perdida, na Associação dos Moradores do Vidigal. O debate contou com a presença de seis palestrantes. O principal posicionamento defendido no evento foi que a descriminalização das drogas beneficiaria os cidadãos, principalmente aqueles que habitam em favelas, pois reduziria a violência devido ao tráfico de drogas.
A mesa do debate foi composta pelos palestrantes Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto; Jorge Silva, Coronel da PM reformado; Sebastião Aleluia, Presidente da Associação de Moradores da Vila Vidigal; Beatriz Moura, psicóloga social; Felipe da Federação das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ) e Heitor Silva, doutor em planejamento urbano e participante do Movimento Popular de Favelas (MPF).
O palestrante Jorge Silva, Coronel da PM reformado, contou que ele acreditou por muitos anos que o usuário de drogas fosse pior que o traficante. Porém, após refletir sobre o modelo de sociedade criada a partir da proibição das drogas, percebeu que a proibição é o maior problema, pois incita a guerra às drogas, que mata mais pessoas do que o próprio uso de drogas. Ele acredita que a população tem medo da descriminalização pois teme qualquer tipo de mudança. Jorge mencionou três tipos de danos causados pelo tráfico de drogas: danos individuais, danos familiares e danos coletivos.
De acordo com Jorge, os danos individuais são as consequências do uso de drogas para o indivíduo, pois pode torná-lo uma pessoa improdutiva na sociedade. Os danos familiares estão fortemente ligados aos individuais e são as consequências do uso de drogas de um indivíduo para a sua família. Muitas vezes, o usuário causa sérios problemas para seus familiares, como agressão, gastos enormes de dinheiro, etc. O último dano, e mais perceptível para as classes mais baixas, são as mazelas da guerra às drogas. Prosseguindo com sua análise, Jorge refletiu que o Brasil é campeão mundial de homicídios, e muito disso deve-se a constantes trocas de tiros nas favelas, onde o tráfico é articulado. No Brasil, a chance de um indivíduo morrer de bala “perdida” é muito maior do que morrer de overdose.
O coronel reformado também aponta que, apesar dos danos mencionados, o capital gerado pelo tráfico beneficia muitas indústrias, principalmente a de armamentos. “Quando você entra na favela e avista um jovem com uma AK47, você pode ter certeza de que tem alguém bancando isso tudo”, ele disse. Segundo Jorge, os países ricos incentivam a guerra às drogas nos países da periferia, especialmente na América Latina, para poder vender armas para os dois lados, tanto para a polícia quanto para o traficante. Ele concluiu que a violência gera lucro no modelo capitalista selvagem em que vive a sociedade atual. Portanto, a descriminalização das drogas não seria interessante para grupos que se beneficiam do tráfico.
O palestrante Felipe, da FAFERJ, mostrou-se extremamente crítico a guerra às drogas implantada no Rio e criticou a sociedade brasileira chamando-a de hipócrita e moralista. De acordo com ele, “a intervenção militar no Rio de Janeiro não serve para favela, é cara e ineficiente”. Muitas vezes quando alguém se posiciona contra a intervenção militar, muitos acreditam que a pessoa esteja defendendo o tráfico, diz ele. Por exemplo, em debates nas mídias e nas universidades, surgem perguntas maliciosas como por exemplo: “se você não é a favor da intervenção, então é a favor de que?”, disse ele.
Para Felipe, não faz sentido lançar uma intervenção militar voltada para a repressão de favelas no Rio de Janeiro enquanto as fronteiras do país permanecem extremamente abertas. Ele afirmou que o tráfico brasileiro não planta droga, mas importa. Sendo assim, Felipe refletiu que é ilógico tentar combater o tráfico dentro das favelas antes de buscar impedir a entrada das drogas no país, o que deixa claro que os políticos estão mais interessados em expor uma falsa imagem de que estão respondendo, efetivamente, ao problema–exibindo homens armados nas ruas da cidade e reprimindo moradores pobres–do que realmente em cortar as bases do tráfico.
O palestrante também apontou uma forte correlação entre o comércio de drogas e a corrupção. “O tráfico gera capital para muita gente. Um capital político muito grande que gera política de medo”. Ele explicou que muitos políticos utilizam do medo da população–da violência gerada pelo tráfico– para basear suas campanhas políticas. Por exemplo, muitos candidatos prometem aumentar a repressão contra o tráfico para angariar votos. Ademais, esse medo generalizado pode se tornar um problema pois aumenta o estigma contra favelas, criando uma imagem de que as comunidades são lugares apenas de violência, o que incita um discurso de ódio contra o pobre, o famoso “bandido bom é bandido morto”. O medo da violência também faz com que um número reduzido de pessoas participe ativamente de debates, inclusive os sobre a descriminalização das drogas. Felipe contou que muitas vezes a FAFERJ organiza eventos sobre o tema mas muitos não comparecem porque têm medo de não terem como voltar para casa por conta de tiroteios.
Outro palestrante, Heitor Silva, doutor em planejamento urbano e participante do MPF, acredita que um grave problema das associações de moradores é a falta de unidade na hora de discutir os problemas das comunidades. Só no morro do Alemão existem 13 associações, o que descentraliza as decisões.
Heitor se mostrou a favor da descriminalização de todas as drogas, sem distinguir entre drogas pesadas e leves. “Esse debate de droga leve, droga pesada, é papo fiado”. Segundo Heitor, muitos casos de violência vêm do uso de drogas leves, como o álcool (inúmeros casos de violência contra a mulher ou violências no trânsito). Sendo assim, ele concluiu que a descriminalização reduziria a violência proveniente do tráfico nas favelas. “A gente não quer gente envolvida com droga. Mas o que a gente realmente não quer é essa violência. O problema das drogas tem uma cara para classe média e outra para baixa.”
Já Beatriz Moura, psicóloga social, expôs ainda outra visão sobre o tópico, mostrando a utilidade da psicologia social em lidar com jovens vulneráveis aos perigos do tráfico. Ela comentou que, durante seu trabalho em prisões femininas de São Paulo, percebeu que muitas mulheres estavam presas por uso de drogas e muitas vezes por fazerem pequenos trabalhos para ajudar o namorado traficante. Porém, trabalhando em prisões ela notou que o desejo de muitas mulheres era que seus filhos não repetissem seus erros, então a real utilidade da psicologia seria atuando nas próprias comunidades. Ela apontou que hoje a psicologia social tenta adentrar as comunidades e estimular o autoconhecimento como forma de evitar a entrada de mais jovens no tráfico. A psicóloga afirmou que “as pessoas têm que desconstruir a visão de que a psicologia não serve para nada e que é apenas para quem tem dinheiro”, pois a psicologia pode gerar autoconhecimento e criar a esperança de uma possível ascensão e melhora na qualidade de vida do jovem, sem que este precise recorrer para o tráfico.
Sendo assim, todos os palestrantes do debate se mostraram a favor da descriminalização das drogas. E foi consenso que atualmente, os políticos e a sociedade em geral enxergam erroneamente o uso de drogas como uma questão de segurança pública, e não de saúde. Essa visão leva a guerras às drogas, gerando extrema violência. Essa guerra mata mais pessoas do que o próprio uso de drogas. Portanto, é de extrema importância a organização de mais eventos como esse e a participação ativa da população no debate.