A final da Copa do Mundo de 2018 na Rússia está próxima, mas Ana Clara Ferreira da Silva, de 15 anos, e seus colegas da Penha, na Zona Norte do Rio, já venceram a final do campeonato em Moscou em maio deste ano. A Street Child World Cup (Copa do Mundo de Criança de Rua) contou com 24 equipes de todo o mundo que jogaram “para mudar as percepções negativas e o tratamento das crianças de rua”. A equipe de meninas do Complexo da Penha, com idades entre 15 e 17 anos, representaram o Brasil e fazem parte do projeto Família Caracol. O time do Complexo da Penha também foi a campeã da Copa do Mundo de Crianças de Rua de 2014, no Brasil.
O time treina na favela do Caracol, no Complexo da Penha, onde fica a sede do programa Família Caracol. “A Família Caracol oferece a oportunidade de um espaço seguro para que elas [as crianças] possam brincar e ficar longe dos perigos. O projeto foi criado e é gerido pela Associação das Crianças de Rua Unidas – uma organização sem fins lucrativos brasileira que apoia três treinadores locais para trabalhar com meninos e meninas diariamente”.
Abaixo, Ana compartilha suas reflexões sobre a experiência do torneio e da viagem à Rússia com o RioOnWatch.
A minha viagem à Rússia foi fantástica, ainda mais para fazer o que mais gosto nessa vida, e até porque o único lugar “longe” que eu já havia ido foi à Nossa Senhora Aparecida com minha família. A sensação de andar de avião foi marcante, o mais alto que já havia me sentido foi em um brinquedo do parque de diversões próximo da minha casa. Agora sinto-me importante, agora tenho passaporte e já cheguei ao outro lado do mundo. Parece até coisa de novela.
E mais o que dizer da Rússia, é um país lindo e fomos bem recebidos e nos trataram muito bem. Eu particularmente achei diferente a forma de se alimentar dos russos. Achei engraçado quando soube no hotel que de manhã tem macarrão e de tarde é pão. Tudo bem né? Outro país, outra cultura. E nem tudo era tão diferente assim. Na parte da comida, eu gostei muito dos bolos gostosos e das batatas fritas. Quando eram servidas batatas fritas, era uma briga danada. Eu cheguei a pensar que éramos nós brasileiros que mais comíamos batatas fritas. Pois bem, eu estava enganada. Todos os 24 países amam batata também.
Logo que o dia dos jogos se aproximava, eu sentia um frio na minha barriga, começava a ficar tremendo. Era uma sensação diferente, mas eu sabia que não era só por causa do futebol. Era por causa de tudo, fazer novas amizades, e aprender culturas diferentes, e mostrar a nossa. Por conta da língua um dos meus maiores desafios foi dialogar, mas tive um grande amigo que muito me ajudou, o Google Tradutor.
Inicialmente, ao ser selecionada para essa oportunidade, o meu pensamento era aproveitar todos os momentos nessa viagem para mostrar meu futebol. Porém ao chegar percebi também que deveria me divertir e fazer novas amizades, porque estava ali em uma oportunidade única. Conquistei esse espaço com muita dedicação.
Sempre que tínhamos jogos, o momento mais descontraído era quando pegávamos ônibus para ir ao local dos jogos. Com certeza era o mais animado, ainda mais quando a equipe da Bielorrússia e da Bolívia estavam no mesmo ônibus. Cantávamos, brincávamos. Muitas vezes até nas horas que devíamos ficar quietos era só felicidade.
Os dias que tínhamos congressos e artes também foram muito importantes para mim. Ali eu pude conhecer histórias vividas por muitos adolescentes e também falar um pouco de mim. Pude fazer ótimas amizades. Pintávamos, dançávamos, cantávamos shosholoza, pois era a única música que sabíamos cantar. Então fazíamos isso com vontade acompanhada até do nosso passinho que não poderia faltar.
Não posso deixar de registrar que as apresentações dos outros países foram também maravilhosas e incríveis, cada dança e cada música era diferente das nossas, e era cada uma mais linda que a outra.
Teve um momento que fiquei um pouco sentida e anestesiada, ao ouvir algumas histórias de crianças que não tinham pai nem mãe. Porém, elas se divertiam assim mesmo, zoavam, e nem demonstravam dor, nem algo do tipo.
Chegando até aqui, meu melhor momento, meu momento marcante, foi ter conseguido com toda a equipe, sermos campeãs. Ganhamos a Street Child World Cup! Foi incrível. O coração batia rápido, as lágrimas desciam. Era muita, mas muita adrenalina. Eu realmente espero que isso mude minha vida como a das meninas também, que hajam mais oportunidades no nosso futuro e no futebol feminino.
Ana Clara Ferreira da Silva, 15 anos, nasceu e foi criada na Penha, bairro de nascença de sua família tanto por parte de mãe e de pai, na comunidade 4 Bicas. Ana joga bola desde os 5 anos de idade, começou a jogar futebol na rua com os meninos.
Como posso ajudar ao Projeto Caracol?
O piso do campo de futebol comunitário, da comunidade do Caracol, foi danificado pelas fortes chuvas que ocorreram no Rio durante os meses de fevereiro e março. Por isso, o projeto de futebol “Espaço Seguro”—criado e é mantido pela ONG Street Child United Brazil—está fazendo uma campanha de financiamento coletivo para reconstruir o campo.