No dia 14 de julho, o público lotou o auditório da Casa Pública em Botafogo, Zona Sul do Rio, para ouvir três mulheres negras falarem sobre o tema da representação política negra no Brasil. Moderado pela jornalista da Agência Pública, Gabriele Roza, o painel contou com Jurema Batista, ex-deputada estadual do Rio de Janeiro, três vezes vereadora e participante da criação do PT na década de 1980; Nilcemar Nogueira, secretária municipal de cultura do Rio e ativista cultural de longa data; e Talíria Petrone, vereadora de 31 anos de idade, de Niterói, onde foi a candidata com maior votação em 2016. Os temas discutidos foram desde o acesso à educação e cultura até a violência policial na cidade do Rio.
A conversa começou com uma discussão sobre a dramática sub-representação de mulheres negras em posições de poder político no Brasil. Gabriele lembrou ao público que as mulheres negras compõem o maior grupo demográfico da população em geral (27%); no entanto, elas representam menos de 0,5% do Congresso Nacional. Jurema, que foi a primeira mulher negra a atuar como membro da ALERJ e a segunda a atuar como vereadora, descreveu os desafios para obter um cargo. Ela explicou que mesmo nos raros casos em que uma mulher negra ocupa uma posição de poder–como no caso das três oradoras–há sempre uma história de luta: “Não tem como uma pessoa da população negra chegar ao poder sem ter uma história de luta social. Nós não temos sobrenome de colonizadores, nós não temos poder econômico e não temos trajetória de poder político na família”.
Um tema emergiu rapidamente: apesar da falta de acesso ao poder econômico ou político, vozes e cultura de comunidades sub-representadas são–e sempre foram–presentes e fortes. O que falta é a atenção e simpatia dos legisladores e de outros no poder. Nilcemar, que lutou pelo reconhecimento do samba como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO e fundou o Museu do Samba em 2015, discutiu a importância dos espaços criados por pessoas tradicionalmente excluídas da política–não só para a celebração da cultura, mas também em termos de re-ocupação desses espaços, dos quais foram excluídos.
Talíria aprofundou a discussão sobre desigualdade e acesso à educação ao falar sobre sua decisão de se tornar educadora. “Quando decidi ser educadora, foi porque achava–e continuo achando, embora tentem calar a escola com a suposta ideia de Escola Sem Partido—na verdade, que as escolas mantêm desigualdades históricas… Mas eu entendi que a escola é [também] um instrumento de transformação“. Talíria associou a desigualdade persistente nas salas de aula à desenfreada violência do Estado contra comunidades marginalizadas, destacando as altas taxas de homicídio LGBT e feminicídio do Brasil.
Após as menções aos protestos que marcaram quatro meses desde a morte de Marielle Franco, Gabriele fez uma pergunta sobre segurança pública e as experiências pessoais das mulheres diante da violência em espaços políticos. Cada um tinha uma infinidade de experiências para compartilhar. Jurema, que é do Morro do Andaraí na Zona Norte, compartilhou experiências como testemunha da violência policial no início de sua carreira, incluindo uma experiência como professora em uma comunidade que perdeu um trabalhador para violência policial, o que a inspirou a ser politicamente ativa. Talíria, que está concorrendo ao Congresso para continuar o legado de Marielle–sua amiga, e também do PSOL–falou sobre a reação que enfrentou durante sua campanha para a Câmara Municipal devido a sua plataforma abertamente feminista e anti-racista. Ela também falou do racismo e do machismo que enfrenta advindo de políticos estabelecidos. Seu ponto de vista claramente ressoou com o das outras oradoras, que concordaram que também enfrentaram lutas semelhantes.
Finalmente, o debate fechou com uma pergunta do público sobre a garantia da existência da cultura–especialmente da cultura negra–na Cidade do Rio.
No geral, o fórum apresentou uma noite de discussões e trocas poderosas. Reafirmou o poder político da narrativa pessoal e o amplo impacto das lutas políticas e sociais em curso. Em um ano eleitoral importante, é improvável que as questões de representação e cultura, bem como gênero e raça, desapareçam–especialmente quando um candidato que regularmente adota o discurso sexista e racista lidera as pesquisas para a presidência. Enquanto isso, o legado da vida de Marielle como ativista anti-racista e feminista dos direitos humanos só cresce.