Na noite do dia 8 de agosto, centenas de espectadores lotaram o centro comunitário Galpão Bela Maré para a primeira cerimônia de premiação “Mestre das Periferias”. O prêmio é dedicado a “estimular e promover produção de conteúdo sobre o território das periferias, fortalecendo uma perspectiva que as enxerga como espaços plurais e inventivos”. Os quatro homenageados foram o líder indígena Ailton Krenak, o ativista quilombola Antonio Bispo dos Santos (conhecido como Nêgo Bispo), Conceição Evaristo, autora premiada internacionalmente, e a saudosa vereadora Marielle Franco (in memoriam).
Para a equipe organizadora do Instituto Maria e João Aleixo (IMJA), um centro de estudos focado na periferia, baseado nas favelas do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, a cerimônia de premiação de quarta-feira desempenhou um papel central na promoção do que eles chamam Paradigma de Potência. “Toda a periferia–as favelas principalmente–é descrita a partir de um discurso do paradigma da ausência, da carência, da precariedade”, disse o diretor da IMJA, Jailson de Souza e Silva. “O reconhecimento de que a periferia é central para a cidade ainda é pouco discutido no Brasil e no mundo. Construir essa referência para a gente é central, e é isso que a gente tem trabalhado desde 2016”.
Os premiados da noite, incluindo a família de Marielle Franco, receberam o troféu de Mestre das Periferias e um prêmio de R$30.000 para pesquisa e produção de conteúdo. Eles também participarão de um mini-documentário produzido pela IMJA sobre suas trajetórias de vida e contribuições para narrativas positivas sobre as periferias.
Conceição Evaristo, uma das vencedoras do prêmio, é conhecida por ser pioneira de um estilo conhecido como “escrevivência”–escrita baseada em sua experiência de vida como mulher negra. Recentemente, ela formalizou a sua candidatura à Academia Brasileira de Letras, fundada no final do século XIX pelo prolífico romancista Machado de Assis. Se eleita, Evaristo seria a primeira escritora negra da sociedade literária.
No entanto, na sua fala na noite de quarta-feira, Conceição comentou que a periferia tem mais a oferecer, indo além dos espaços de elite. “Enquanto a academia e essa cultura hegemônica conhecem só um lado da cultura, nós que viemos de outros espaços culturais, somos sábios porque nós conhecemos os dois lados”, disse Conceição. “Tenho certeza que em termos humanos, essa deferência, essa possibilidade e esse novo trabalho têm muito mais significado para meu crescimento e para minha inserção no mundo do que os outros títulos que consegui.”
O líder indígena Ailton Krenak–renomado por seu papel na Assembléia Nacional Constituinte, que resultou em vitórias decisivas dos direitos indígenas na Constituição de 1988–ecoou Conceição, saudando a pluralidade das periferias. “Queremos juntos convocar outros pensamentos e outras questões sobre essa diversidade cultural que nós construímos, sobre esses múltiplos lugares onde nossos pobres vivem.”
Cinco meses após o assassinato ainda não solucionado de Marielle Franco, sua mãe e sua irmã fizeram um discurso mais sombrio. No entanto, como Anielle Franco, irmã de Marielle, contou histórias de sua infância na Maré e Dona Marinete Franco descreveu como foi encontrar o Papa Francisco na semana anterior, o tom se tornou esperançoso.
“Não vamos calar. Não vão calar a mãe dela. Não vão calar esse grupo de pessoas como vocês”, disse Marinete Franco ao público. Ela continuou: “Estou vendo cada dia mais pessoas em outros estados, em outros países… Todo o mundo reconhecendo quem Marielle era e quem ela continua sendo”.
Por fim, o líder e autor quilombola, Nêgo Bispo, recitou um poema que ele havia preparado para a cerimônia de premiação. Enquanto falava, suas palavras pareciam chegar muito além da Maré: “Nós somos o começo, o meio, e o começo. E por isso nós existiremos para sempre, porque para nós não existe um fim. Sorrindo nas tristezas para comemorar a vida das alegrias, nós somos a gira da gira na gira. Nós somos a periferia. Salve”.