Veja a matéria original em inglês aqui. Matéria de Dave Zirin, editor de Esportes do The Nation, autor do livro “A People’s History of Sports in the United States” e apresentador do programa de rádio “Edge of Sports”, Dave foi chamado de “o melhor escritor de esportes dos Estados Unidos” por Robert Lipsyte.
Você não pode entender o que as Olimpíadas de 2016 estão sendo para o Rio de Janeiro, a menos que você entenda o que está se passando com a casa de Armando. Armando é um mecânico de diesel que vive na comunidade conhecida como Vila Autódromo, assim chamada porque ela fica bem ao lado da famosa pista de corridas de Fórmula 1 da Cidade do Rio. Armando construiu a sua casa a partir do zero ao longo de 15 anos. Agora é uma construção de dois andares, com canalização, eletricidade, construídos com seu próprio suor e trabalho manual impresso em cada centímetro quadrado. As luminárias, o azulejo, um fio sai de uma lâmpada bem esticada para que fique atrás de uma foto emoldurada de seu filho e dos lindos netos gêmeos, são as marcas da labuta e do amor.
Sua casa também é alvo para demolição pela prefeitura do Rio para os próximos Jogos Olímpicos de verão.
Enquanto seus seis netos brincam ao seu redor, Armando expressa sua frustração: “Estamos lutando pelo nosso direito de sobreviver aqui. Nosso direito de viver. Sabe quantos anos eu trabalhei para construir esta casa? Eu fiz isso para meus filhos e para os meus netos para que pudéssemos ter um lugar para viver e ser uma família, para que em dias como hoje todos nós pudéssemos ter espaço para estarmos juntos”.
A situação de Armando não é única. Todos os 3.000 moradores da Vila Autódromo estão enfrentando a ameaça da remoção forçada.
Vila Autódromo é um alvo por várias razões. Em primeiro lugar, é uma favela. “Favela” é comumente traduzido como “slum”, apesar de lugares como Vila Autódromo, realmente, não fazer jus a essa tradução.
Todas as favelas têm uma história comum como bairros fundados por posseiros e desenvolvidos autonomamente por trabalhadores pobres ou desempregados com o mínimo apoio do governo brasileiro. Hoje, muitas delas são bastante grandes, às vezes com 100 mil pessoas ou mais e contêm em si uma grande variedade de níveis de renda e status de emprego, bem como igrejas, escolas e empresas de pequeno porte. Muitas das casas da favela, se não a maioria, são solidamente construídas com materiais que não são comumente associados às ‘slums’, e geralmente têm eletricidade, água corrente, bem como acesso à Internet.
Os preparativos olímpicos têm colocado esses ‘slums’ na mira das autoridades municipais, da presidente Dilma Rousseff e do Comitê Olímpico Internacional. Porém, entrar numa favela como a Vila Autódromo é ver um lugar que poderia ensinar aos poderosos algo sobre a civilização. Eu não quero romantizar a pobreza e a luta muito real do dia a dia para sobreviver nos muitos rostos da Vila Autódromo. Mas eu vi uma comunidade onde as pessoas mantêm suas portas abertas e as crianças brincam alegremente umas com as outras nas ruas. É um lugar onde as pessoas como Armando constroem e desenvolvem suas casas ao longo de décadas para se adequar as mudanças das suas famílias.
É uma comunidade pacífica e bonita, e aqui reside outro obstáculo para Armando manter sua casa. É muito bonito. De um lado da Vila Autódromo está a pista de F1, mas do outro lado repousa a grande e pitoresca Lagoa de Jacarepaguá, que parece ter sido tirada de um cartão postal. Isso significa que os construtores e os especuladores imobiliários, de acordo com muitos moradores, salivam com a ideia de removê-los. Os Jogos Olímpicos fornecem o pretexto. Na outra margem da lagoa estão os condomínios de luxo.
O bairro que margeia a lagoa, assim como a Vila Autódromo, é a Barra da Tijuca, uma das partes da cidade que mais cresce com populações de média e alta renda. Pense em partes da Virgínia do Norte: shoppings e uma cultura de carro tão intensa que você precisa de carro para ir de um lado da rua para o outro. Theresa Williamson, fundadora da organização sem fins lucrativos Comunidades Catalisadoras que visa aumentar a visibilidade das favelas, me disse: “As pessoas do outro lado da lagoa ao ver a Vila Autódromo veem uma coisa desagradável. Mas as pessoas daqui, bem como seus simpatizantes, ao olhar para a poluição, o desenvolvimento, os arranha-céus, veem o mesmo.”
Os planos para a Vila Autódromo estão sempre mudando. Em um plano mestre, ele vai se tornar um estacionamento. Em outro, uma auto estrada bizarramente serpentina. As metas de mudança é uma forma de obscurecer o verdadeiro objetivo: tomar e assumir as terras da Vila Autódromo.
Jane Nascimento, diretora da Associação do Moradores, me disse: “Você não pode ter um legado olímpico que fere as próprias pessoas que construíram a cidade. Para eles, é como se fosse lixo coberto com um tapete vermelho. Eles querem andar em cima do tapete e não olhar para o que está por baixo”.
Se olhar por baixo, eles vão ver algo digno de preservação. Não é tarde demais. Nós estamos indo para salvar a casa de Armando. Perguntei-lhe se havia alguma coisa que alguém pudesse fazer para ajudar e ele disse: “Apenas façam com que as pessoas saibam que estamos aqui… e que não queremos sair”.
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