Além da Insatisfação com o Status Quo: 4 Novas Forças Alimentando a Extrema Direita no Brasil

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No dia 28 de outubro, o Brasil elegeu seu próximo presidente no segundo e último turno das votações. O fato do nacionalista de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) ter chegado tão longe e ter vencido nas urnas contra o candidato Fernando Haddad (PT) no contexto brasileiro, é algo que será estudado por muitos anos.

Num país de maioria mestiça, um homem que declarou que alguns negros “não servem nem para procriarconseguiu 41% da intenção de voto desta população (contra 47% de Haddad). Um homem que disse para uma deputada, “jamais eu ia estuprar você porque você não merece”, quase não ficou atrás de Haddad entre as mulheres (41% contra 44% de Haddad).

Tais sentimentos com base no ódio podem animar alguns eleitores de Bolsonaro, mas após anos de corrupção, violência, e recessão, grande maioria está simplesmente desesperada, querendo experimentar algo novo. Além do clamor por mudança, Bolsonaro surgiu com o apoio de forças emergentes que o mantiveram a salvo, apesar de incidentes e declarações que normalmente seriam consideradas desqualificantes. Novas tecnologias possibilitaram campanhas fora da estrutura altamente regulamentada para campanhas no Brasil. Surgiram coalizões novas ou cada vez mais poderosas dispostas a olhar para além das cusparadas de fogo de Bolsonaro, desde que ele cumpra suas principais prioridades. Nesta matéria, destacamos quatro forças novas e emergentes que moldaram as eleições deste ano: o analfabetismo digital e as “fake news“, o WhatsApp, o antipetismo e as igrejas evangélicas.

Analfabetismo Digital e “Fake News

Soando muito familiar em relação a outras eleições pelo mundo, a proliferação de mentiras e histórias intencionalmente enganosas no Brasil facilitou o crescimento de extremistas e contribuiu para o aumento acentuado da hostilidade política e da polarização. A difamação de inimigos políticos é uma tática mais antiga que a própria democracia, mas a adoção em massa das redes sociais possibilitou que os rumores se espalhassem com rapidez e alcance sem precedentes.

Existe uma realidade indesejável no cerne dessa crise de desinformação: é extremamente difícil discernir entre fato é ficção. Enquanto eleitores bem informados podem apontar exemplos bizarros para fomentar o medo, até os mais espertos no uso das tecnologias têm dificuldade em julgar a legitimidade das fontes de notícia e identificar se a informação é falsa, ou ainda, plausível. Além disso, ser informado e ter conhecimento digital é um obstáculo significativo que o eleitor brasileiro médio geralmente não supera. Mais da metade dos eleitores brasileiros não completou o ensino médio, e a utilização rapidamente crescente da mídia social é um fenômeno recente. Como visto em outras eleições pelo mundo, eleitores estão despreparados para navegar de forma segura nesta fronteira digital. Infelizmente, a demografia do Brasil só o torna mais suscetível a desinformação.

Enquanto alguns grupos tiram vantagem do analfabetismo digital implantando notícias falsas e teorias da conspiração, campanhas de desinformação não conseguem ser efetivas sem seus vetores de transmissão: pessoas bem intencionadas e desavisadas. As redes sociais podem fazer os indivíduos sentirem que estão recebendo informações de fontes confiáveis como amigos e familiares. A disseminação da desinformação nem sempre é feita de forma maliciosa; muitas vezes, simplesmente isto toma a forma porque algumas pessoas transmitem informações que consideram significativas para pessoas próximas.

WhatsApp

WhatsApp, a plataforma de mensagem, que pertence ao Facebook, usada por cerca de 60% dos brasileiros, tornou-se o principal canal pelo qual as “fake news” são disseminadas—principalmente depois do Facebook introduzir ferramentas e medidas de segurança contra fake news. O aplicativo é um solo fértil para semear o engano: praticamente todo brasileiro que possui um smartphone usa. Fiscalizar o aplicativo sem violar a privacidade do usuário é extremamente difícil, e suas funcionalidades de encaminhamento de mensagens e de criação de grupo facilitam que grandes audiências sejam alcançados com apenas alguns toques.

Os brasileiros usam o WhatsApp para compartilhar histórias políticas, vídeos, e memes há anos. Portanto, o aplicativo teve um papel central nessas eleições. “Esse ano [o compartilhamento de fake news no WhatsApp e Facebook] foi muito sinistro… efetivamente uma guerra cibernética”, lamenta Andres Souza, um morador da Rocinha de 29 anos. “Em 2014, na eleição de Dilma [Rousseff] e Aécio Neves, a gente já debatia política no Facebook, já enviávamos coisas pelo WhatsApp… Só que de 2014 para cá cresceu mais e mais. Especificamente no WhatsApp, eu não levava sério”.

As fake news e seus perpetradores existem de ambos os lados, da esquerda e direita, mas Bolsonaro, cujo perfil nacional explodiu apesar de ter estado quase que completamente fora da TV e das rádios no primeiro turno, foi quem mais se beneficiou da (des)informação espalhada pelo WhatsApp. Além dos cidadãos desavisados, Bolsonaro recebeu apoio de fontes poderosas e ricas que deliberadamente plantaram desinformação para ajudá-lo. Uma reportagem explosiva da Folha de São Paulo expôs uma operação multimilionária que espalhava fake news anti-Haddad no WhatsApp. Adicionalmente, um encontro entre o filho de Bolsonaro e Steve Bannon, que trabalhou como estrategista na campanha de Donald Trump, levou à especulação de que ele estaria aconselhando sobre o uso da manipulação de mídia e das mídias sociais na campanha de Bolsonaro.

Antipetismo

Jair Bolsonaro, sem dúvidas, é a história dessas eleições. No entanto, esta é uma história inextricavelmente entrelaçada com a ascensão e queda do PT. A ascendência de Bolsonaro é menos sobre a abrangência do ultra-conservadorismo da sua militância e mais sobre o desprezo venenoso pelo partido que liderou o Brasil durante boa parte do século 21. Este desprezo origina-se do sentimento de traição, pois o PT era visto como representante das massas, no entanto foi o partido mais prejudicado pelo escândalo de corrupção da Lava Jato.

O antipetismo cresceu desde do surgimento do partido em 1980. Originalmente, baseado no conflito de classes o antipetismo cresceu devido à disseminação do medo por seus oponentes, e mais recentemente pela corrupção (apesar de alguns atribuírem isso não ao seu papel central no escândalo, mas pela representação do PT na mídia).

Enquanto o antipetismo era fraco durante o boom econômico dos tempos de Lula, grande parte do legado social e econômico do PT se desintegrou sob o peso do escândalo da Lava Jato, da crise econômica, e da queda humilhante dos símbolos do partido (a prisão do Lula por acusações de corrupção; e o controverso e anti-democrático afastamento de Dilma do cargo). Com a economia queimando e o derramamento de sangue se espalhando pelas ruas, os cidadãos de todas as origens—justa ou injustamente—direcionam sua raiva ao PT. Isso, combinado com as fake news antipetista, levaram ao crescimento do antipetismo.

Antes disso, Bolsonaro foi apontado como um candidato incapaz de formar uma coalizão de votos populares. Entretanto, Haddad—diretamente ligado a Lula e ao PT—estava nas mãos de quem votaria em “qualquer um menos ele”. Apesar da diferença ter diminuído, de acordo com a pesquisa de 23 de outubro do IBOPE, desde o primeiro turno no dia 7 de outubro, 41% do eleitores disseram que não votariam no Haddad sob nenhuma circunstância, rejeição levemente mais alta que os 40% de Bolsonaro. (Dito isso, percebe-se na pesquisa de 23 de outubro que a rejeição a Haddad caiu em 6% e a Bolsonaro aumentou em 5% em relação a pesquisa anterior).

Igrejas Evangélicas

Desde a queda da ditadura militar em 1985, os evangélicos mostraram seu viés político através do suporte aberto a candidatos. Entretanto, como seus seguidores em massa começaram a crescer—de acordo com o censo de 2010, evangélicos compõe 22% da população e ultrapassarão os católicos em 2030—as igrejas demonstraram uma habilidade extraordinária em mobilizar uma massa de eleitores como nunca antes. Numa pesquisa informal feita com diversos mobilizadores de favelas para esta matéria, os respondentes nomearam as igrejas evangélicas como a influência política número um em suas próprias comunidades durante essas eleições—à frente até mesmo do WhatsApp e do antipetismo.

A maioria das igrejas evangélicas no Brasil não são apenas casas de culto, pois também são focos de atividades políticas conservadoras. Antes do primeiro turno no dia 7 de outubro, uma pesquisa entre os frequentadores de igreja revelou que 46% dos evangélicos pentecostais (conhecidos por práticas provocativas e carismáticas como o exorcismo e por falar línguas desconhecidas) e 38% dos evangélicos não-pentecostais sabiam que seus pastores apoiavam certo candidato, contra 29% do católicos. Quase todos os entrevistados disseram que o candidato endossado era Bolsonaro.

Da oposição descarada aos direitos LGBT e do aborto à promessa de “restaurar os valores da família”, a agenda social de Bolsonaro se encaixou com a de muitos evangélicos. Os evangélicos também provaram ser firmes defensores de outros elementos da agenda ultraconservadora de Bolsonaro, não diretamente relacionados à teologia cristã, como as promessas de limpar os criminosos das ruas.

Resumindo, poderia ligar todos os tópicos abordados nesta matéria para dizer que os perpetradores de notícias falsas muitas vezes usam a fé religiosa para alimentar a histeria antipetista. Rumores deliberadamente falsificados, como a alegação de que o governo de Haddad ensinaria sexo na escola e incentivaria a homossexualidade entre os alunos, instigaram muitas pessoas, geralmente, com baixa alfabetização digital e recentemente conectadas a smartphones, onde receberam tais mensagens de amigos e parentes, a votar contra Haddad. Enquanto noticiava sobre a influência das igrejas nessas eleições, a BBC Brasil entrevistou diversos evangélicos—todos citaram esses boatos sobre o Haddad. “Os esquerdistas não defendem os valores da família tradicional”, disse Celso Eranides, um pastor batista de São Paulo. “Não quero que meu filho de 9 anos aprenda sobre sexo na escola.”

Para muitos, a percepção de valores religiosos em comum e o medo da alternativa são decisivos, mesmo que muitos evangélicos façam parte da classe operária que se beneficiou com os programas sociais do PT. “Alguns evangélicos estão sendo contaminados pela lavagem cerebral exercida pelos pastores que pregam e disseminam ódio contra os partidos de esquerda”, disse Emília de Souza, líder da comunidade do Horto. “Conseguiram apagar da memória destas pessoas direitos e avanços adquiridos.”