Leia a matéria original por Oliver Stuenkel em inglês na Americas Quarterly aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Temendo a erosão democrática, jornalistas, políticos da oposição, acadêmicos e ONGs brasileiras buscam aprender com seus colegas nos Estados Unidos.
Como prometido, Jair Bolsonaro fez da imitação e da aproximação junto à administração Trump o princípio orientador da nova política externa do Brasil. Quando o filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, um poderoso político com carreira própria, visitou Washington no mês passado (novembro de 2018), ele orgulhosamente ostentava um boné com os dizeres “Trump 2020”. Internamente, também, os estrategistas de Bolsonaro estudam de perto a retórica e as políticas adotadas por Donald Trump, John Bolton e Steve Bannon, e já agem de acordo—por exemplo, contornando a mídia tradicional, abraçando o nacionalismo, atacando o judiciário ou prometendo um retorno à glória do passado.
Ainda assim, Bolsonaro e seus apoiadores não são os únicos que buscam inspiração nos Estados Unidos. Muitos de seus críticos também começaram a estudar intensamente a política dos EUA para descobrir o que podem aprender com seus colegas norte-americanos quando se trata de proteger a democracia e resistir a um líder populista com instintos autoritários.
Jornalistas brasileiros frequentemente discutem como jornais tradicionais, como o New York Times, conseguiram prosperar no governo de um presidente que ataca sistematicamente a mídia. No Brasil, ao contrário, alguns jornalistas já se queixam, nos bastidores, sobre editores que os desencorajam a criticar o novo governo. Acadêmicos brasileiros que assistem conferências nos Estados Unidos retornam maravilhados dos debates nas universidades norte-americanas, pois estão mais vibrantes do que nunca, e sem qualquer indício de que a liberdade de expressão possa estar em risco. Em Comparação, de volta ao Brasil, um vídeo, em que Bolsonaro lê os nomes de oito acadêmicos e os acusa de promover as ideologias de países como a Coréia do Norte e Cuba, causou arrepios na comunidade acadêmica. Um número crescente de funcionários do governo brasileiro decidiu deletar suas contas nas redes sociais por medo de serem punidos, com base em comentários críticos feitos anteriormente ao presidente eleito.
Também na política e no ativismo político, muitos observadores no Brasil analisaram as eleições intermediárias dos EUA, em detalhes, de um modo sem precedentes—por exemplo, discutindo maneiras pelas quais as estratégias de Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar e Ayanna Pressley, todos candidatos recém-eleitos representando minorias, poderiam ser aplicadas no Brasil. Da mesma forma, iniciativas como Black Lives Matter, Indivisible e a Marcha das Mulheres de 2017 (e sequelas) inspiram muitos ativistas brasileiros.
Tudo isso mostra que, ao contrário do que muitos (inclusive eu) esperávamos em 2016, o soft power (poder pela influência ao invés das armas) dos Estados Unidos—por exemplo, sua atratividade para observadores externos—permanece, sob muitos aspectos, inalterado por Trump. De fato, em alguns aspectos, o presidente dos EUA tornou o país ainda mais atraente. Um ativista político brasileiro, que frequentemente critica a política externa dos EUA, recentemente me disse que estava “impressionado com a forma como a sociedade civil dos EUA respondeu a Trump—definitivamente um modelo para nós”.
Estudar a cartilha anti-Trump é sem dúvida interessante em um momento em que a democracia brasileira enfrenta seu maior desafio em décadas. No entanto, existem ressalvas importantes, limitando o quanto esse manual pode ser reproduzido no Brasil.
Em primeiro lugar, a retórica anti-democrática de Bolsonaro tem sido muito mais radical desde o início. Em seu último discurso de campanha na Avenida Paulista, ele disse a uma multidão frenética que iriam “varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil“, prometendo “uma limpeza nunca vista na história desse Brasil“.
Além disso, permanece duvidoso que as instituições brasileiras, a mídia e a sociedade civil possam restringir os instintos autoritários de Bolsonaro. Em um ato sem precedentes, o presidente do Supremo Tribunal Federal foi ao ar na televisão no dia da eleição para afirmar que o presidente eleito tinha a obrigação de jurar a Carta Magna, enfatizando a importância de respeitar “o Poder Judiciário, o Congresso Nacional e o Poder Legislativo… a pluralidade política como está na Constituição, respeitando também a oposição que se formará”.
No entanto, Bolsonaro conseguiu minar a democracia antes mesmo de assumir o cargo. Suas declarações autoritárias antes de seu triunfo eleitoral foram úteis para enviar uma mensagem ao Judiciário, ao Congresso, à mídia e à sociedade civil de que ele tem o apoio público—ou pelo menos a aceitação pública—para agir de acordo com suas ameaças. Isso fará com que juízes, congressistas, jornalistas e ativistas pensem duas vezes antes de falar. Apenas dias antes da votação, Eduardo Bolsonaro disse duvidar que muitas pessoas fossem às ruas se o governo se intrometer no Supremo Tribunal Federal—uma declaração extrema, mesmo quando comparada à retórica de Trump. Diante dessa situação muito mais séria, pode ser importante para os brasileiros também estudar casos como Hungria, Turquia, Polônia e Filipinas, onde a democracia está mais em risco do que nos Estados Unidos.
Ainda assim, tanto Bolsonaro quanto seus oponentes acompanharão de perto a política dos EUA nos próximos anos. Afinal, ambos os lados estão bem conscientes de que o resultado das eleições presidenciais americanas em 2020 pode ter um impacto significativo na política brasileira. Tendo em vista o quanto Bolsonaro associou seu governo a Trump, a vitória de um democrata seria um desastre para o novo presidente do Brasil.