Leia a matéria original por Dennis Pauschinger e John Lauermann em inglês no Play the Game aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Essa matéria é a introdução a uma série de ensaios, em inglês, que discutem a sociedade civil, protestos e os megaeventos esportivos, veja toda a série aqui. Nesta primeira matéria introdutória, Dennis Pauschinger, da Universidade de Neuchâtel e John Lauermann, da Universidade da Cidade de Nova York, discutem as semelhanças e as diferenças entre os vários movimentos de resistência aos megaeventos que surgiram, e discutem se isto é um movimento global ou se é um “modo globalizado de protestar contra Copas do Mundo e Olimpíadas”, mas com base local.
Os megaeventos esportivos têm enfrentado uma onda de contestações nos últimos anos, conforme os cidadãos e a sociedade civil buscam maior representatividade no planejamento e na gestão dos eventos. Os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo são exemplos de grande expressão. Desde 2013, pelo menos 13 cidades cancelaram suas candidaturas para sediar as Olimpíadas em resposta à referendos populares ou à pressão de ativistas da sociedade civil (ver tabela abaixo).
Da mesma forma, anfitriões recentes da Copa do Mundo e das Olimpíadas vivenciaram movimentos de protesto, principalmente no Brasil, em relação à Copa de 2014 e aos Jogos de 2016. A FIFA também sofreu significativa pressão política para reformar tanto sua governança interna quanto a forma como concede os contratos aos anfitriões dos eventos. Preocupações nesses incidentes recentes incluem a forma com que as organizações esportivas e os governos locais organizam os eventos, os grandes investimentos de dinheiro público em estruturas que depois são privatizadas e as promessas de legados urbanos normalmente não cumpridas pelos organizadores.
Tabela: Algumas candidaturas canceladas entre 2013 e 2018:
Candidatura | Campanha de protesto | Teve referendo? |
Boston 2024 | No Boston Olympics, No Boston 2024 | Não |
Budapeste 2024 | Momentum Movement, Együtt (um partido de oposição) | Candidatura cancelada antes da realização do referendo |
Grisões (Suíça) 2022 e 2026 | Kommittee Olympiakritisches Graubünden | Março de 2013: 47,3% a favor, 52,7% contra
Fevereiro de 2017: 39,9% a favor, 60,1% contra |
Innsbruck 2026 | Iniciativa popular | Outubro de 2017: 46,6% a favor, 53,3% contra |
Graz/Schladming 2026 | Oposição política pressionou por um referendo | Candidatura cancelada antes da realização do referendo |
Hamburgo 2024 | NOlympia Hamburg | Novembro de 2017: 48,4% a favor, 51,6% contra |
Cracóvia 2022 | Krakow Against the Games, campanha de assinaturas por um referendo | Não |
Munique 2022 | NOlympia Munich | Novembro de 2013: 48,4% a favor, 51,6% contra (Resultado do Garmisch-Partenkirchen)
Três outros distritos, incluindo Munique, também votaram contra |
Oslo 2022 | Coalização minoritária no parlamento | Setembro de 2013: 55% a favor, 45% contra.
Candidatura retirada em 2014 |
Roma 2020 & 2024 | Against the 2024 bid: Five Star Movement; Radicali Italiani; campanha da candidata à prefeitura Virginia Raggi | Não |
Sião 2026 | Verein Nein zu Sion 2026 | Junho de 2018: 46,0% a favor, 53,9% contra |
Estocolmo 2022 | Oposição pouco organizada, mas apoio popular às Olimpíadas fraco nas pesquisas de opinião | Não |
Viena 2028 | Março de 2013: 28% a favor, 72% contra |
Essas reformas e cancelamentos são motivados pelo aumento no número de campanhas de protesto, conforme as comunidades locais debatem se devem ou não sediar os megaeventos e os movimentos sociais internacionais clamam por reformas na governança esportiva. Esses protestos também promoveram o empenho por reformas nos megaeventos.
Enquanto as críticas podem vir a questionar a profundidade dessas reformas, essas organizações estão, entretanto, repensando seus relacionamentos com os governos anfitriões e os cidadãos que eles representam. O Comitê Olímpico Internacional respondeu a isso por meio de grandes concessões às cidades-sede—como subsídios para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 e Los Angeles 2028—e com documentos de reforma, como a Agenda Olímpica 2020.
A FIFA respondeu com diversas iniciativas de reforma organizacional interna e de aumento da transparência no sorteio e durante a realização da Copa do Mundo. Mesmo assim, as organizações de governança esportiva acabam provocando protestos contra suas organizações por conta das suas próprias ações. Nos últimos tempos, a FIFA apareceu nos noticiários por ter eliminado a palavra “corrupção” de seu código de ética atualizado, e introduziu no estatuto um prazo de prescrição de 10 anos para a manipulação de jogos e subornos, além de punições por difamação (por exemplo, por delatores).
Um modelo efetivo para campanhas locais
Em nossa própria pesquisa, analisamos protestos contra megaeventos, especialmente com relação a candidaturas Olímpicas recentes, incluindo as candidaturas de Boston e de Hamburgo para os Jogos Olímpicos de Verão de 2024 e a candidatura de Sião (Suíça), para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2026. Nós rastreamos as campanhas políticas por trás das candidaturas Olímpicas. Em Boston nós entrevistamos ativistas anti-Olimpíadas e observamos dezenas de audiências públicas e comícios. Em Hamburgo e Sião nós fizemos o mesmo, e começamos a participar de debates públicos acerca dos riscos de sediar megaeventos.
Nossa pesquisa analisou inovações recentes em táticas e estratégias de protestos por parte desses ativistas. Essas inovações são compartilhadas dentre os movimentos de protesto, conforme os ativistas viajam para as outras cidades (exemplo: entre Boston e Hamburgo ou entre Rio e Tóquio), por meio de centros de informação como GamesMonitor e NOlympia, e pela publicação de suas próprias pesquisas.
Nós descobrimos que aqueles que protestaram contra as candidaturas desenvolveram um modelo efetivo para campanhas locais—no sentido de que eles com frequência vencem referendos e são capazes de pressionar os líderes das cidades para retirarem seu apoio.
Essas campanhas são efetivas por dois motivos.
Primeiro, elas são ações políticas temporárias, que são cronometradas estrategicamente (em nossos casos, isso significa protestar antes que uma candidatura Olímpica seja finalizada). Como Jules Boykoff da Universidade do Pacífico (EUA) documenta, tal ativismo não é tanto um movimento social de longo prazo, mas um “momento dos movimentos“, no qual comunidades políticas pré-existentes cooperam.
Segundo, essas campanhas são ideologicamente diversas, reunindo coalizões que incluem alianças ecléticas e até inusitadas, incluindo ativistas contra a gentrificação, defensores de habitação acessível, ativistas ambientais, adeptos do conservadorismo fiscal e uma variedade de atores locais proeminentes, tais como: acadêmicos, empresários e autoridades eleitas. Essa diversidade ideológica permite que os protestos construam uma grande base de apoio, mas também pode se tornar uma fonte de conflito dentro dos movimentos.
Dificuldades na Ampliação
Nossa pesquisa também identifica fatores que limitam o impacto internacional dos protestos contra as candidaturas Olímpicas.
Essas campanhas de protesto são intensamente focadas em problemas locais, o que as torna efetivas no impacto em debates políticos locais, mas o que também faz com que isso seja difícil de ganhar escala para o nível internacional. Os problemas locais variam de uma potencial cidade-sede para a outra e dificilmente podem ser generalizados, embora as campanhas compartilhem algumas temáticas em comum ao debater tópicos como o custo, subsídios públicos e os impactos na qualidade de vida urbana.
Cada campanha (bem sucedida) envolve atores em diferentes lugares, adaptando-se às circunstâncias locais particulares. Apesar das campanhas locais serem bem sucedidas em suas respectivas cidades, os argumentos levantados em Boston, Hamburgo e Sião tiveram focos diferentes e foram adaptados para os tipos específicos de planos de candidaturas. Essa reflexão é destacada por alguns ativistas que entrevistamos e por alguns acadêmicos da literatura de esportes e movimentos sociais.
Portanto, os protestos que observamos não tiveram o poder de provocar reformas mais profundas nas organizações de governança esportiva e não conseguiram—pelo menos por enquanto—moldar um movimento global anti-megaeventos. No entanto, há elementos que atravessam essas campanhas de protesto que as unem e as tornam um fenômeno global: o caráter local, o foco em problemas relacionados ao dia a dia da cidade e uma concentração de questões que continuamente afetam as organizações esportivas (por exemplo, escândalos, segurança, fiscalização, gentrificação e o peso financeiro de sediar os Jogos). Poderíamos argumentar que não há movimento global, mas sim uma forma globalizada de protestar contra a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos que se adapta às condições locais das cidades-sede.
Essa matéria é a introdução a uma série de matérias que discutem a sociedade civil, protestos e os megaeventos esportivos. Nas matérias subsequentes, os autores debatem suas pesquisas sobre o ativismo acerca dos megaeventos recentes e as implicações para a governança esportiva. Veja toda a série, em inglês, aqui.