Na noite do dia 8 deste mês, uma segunda-feira, em Curicica, Jacarepaguá na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Carlos Brandão levantou três círculos azuis de cartolina. “Prefeitura”, ele anunciou para as 30 pessoas sentadas a sua volta, no pátio do restaurante.
Uma mulher disse timidamente, “Médio?”
“Não, grande, grande!” vários outros entraram na conversa.
“Vamos falar sobre isso”, disse Brandão. “Todos vocês, de fato, pagam uma parte do orçamento da Prefeitura.” Embora ele não tenha discutido os detalhes, os moradores da favela de Curicica pagam várias combinações de impostos e taxas sobre os imóveis – assim eles concordaram com Brandão e mudaram para o tópico de quão importante foi a iniciativa da Prefeitura em proporcionar melhorias para a comunidade. Eventualmente, eles decidiram que a Prefeitura tem uma grande obrigação, e assim Brandão escreveu “Prefeitura”, com um marcador, em um grande círculo azul e colou em um gráfico que ele estava criando na parede.
Brandão trabalha para ISER, uma organização não-governamental de direitos humanos, mas o programa de melhoria de infraestrutura da cidade, Morar Carioca, foi quem o trouxe para conduzir a reunião. Desde o seu lançamento em 2010, o Morar Carioca se comprometeu a utilizar um elemento mais participativo para os projetos de construções que vem acontecendo nas favelas do Rio de Janeiro nos últimos 60 anos. É ainda o início do processo aqui em Curicica. A obra não está planejada para começar daqui a poucos meses, e esta é a terceira reunião pública até agora.
Esta reunião não se aprofundou em detalhes. Moradores que vieram se perguntando se sua rua receberia iluminação pública saíram sem uma resposta. Em vez disso, o grupo se envolveu em uma discussão mais teórica sobre suas funções no processo. Seus papéis seriam importantes, Brandão destacou. Ele começou a noite com todos em um círculo, dizendo o seu nome, a sua comunidade, há quantos anos vive lá, e a sua ocupação. As pessoas tinham vindo de Asa Branca, Vila Calmete, Abandiana e Vila Campos de Paz (conhecida pela Prefeitura como Vila União). Eles eram padeiros, motoristas de caminhão, administradores de empresas, um presidente e um vice-presidente de Associações de Moradores comunitárias. O mais longo período de residência na área foi de 33 anos e o mais curto foi 11 anos.
Brandão perguntou sobre a origem das comunidades, e os moradores descreveram a criação da primeira favela em Curicica no início de 1980 por trabalhadores dos canteiros de obras nos primórdios da Barra da Tijuca. O processo de desenvolvimento imobiliário ainda fortemente caracteriza a área, onde novas estradas empoeiradas separam pântanos de condomínios e da arena esportiva monumental.
Em 2009, o presidente da Associação dos Moradores de Asa Branca, Carlos Alberto “Bezerra” Costa escreveu uma carta à Prefeitura solicitando obras públicas em Curicica. Três anos mais tarde, nós nos sentamos em uma discussão aberta sobre a influência da próxima Copa do Mundo e das Olimpíadas nas melhorias. – Todos concordaram que isso não aconteceria se as comunidades não estivessem perto do local da futura Vila Olímpica. “Isso não significa que devemos rejeitar as obras”, disse um morador. Longe disso, o grupo considerou o método de construção um ponto de partida para a noite de sugestões.
Após as apresentações, Brandão distribuiu pedacinhos verdes de papel e canetas para todos. “Pense em sua comunidade ideal, como você a imaginaria em seus sonhos”, disse ele. “Qual é a palavra que a descreve?” Todo mundo escreveu em silêncio e, em seguida, entregaram as pedacinhos de papel para um funcionário uniformizado do Morar Carioca. Brandão tinha fixado uma folha grande de papel no exterior do restaurante que formou uma parede atrás dele. Ele colou os papéis das pessoas em colunas à esquerda, lendo-os em voz alta: “Lazer … Comforto … Limpo … Regularização … Educação … Cultura.” O grupo concordou que uma das melhores coisas sobre comunidades de Curicica era seu forte senso de comunidade.
Em seguida, Brandão repetiu o exercício pedindo às pessoas para anotarem alguns dos desafios enfrentados pelas comunidades e fizessem um círculo no desafio que consideravam o mais importante. Ele colou-os acima à direita. Mais da metade anotou ‘melhor saneamento’ como a coisa mais importante a ser abordada, outros anotaram segurança e acessibilidade. Então, no meio, Brandão pediu aos participantes para escolher o tamanho do círculo azul que correspondesse ao grau de responsabilidade que diversos grupos, tais como os governos nacional, estadual e local, associações de moradores, e os próprios moradores – teriam para abordar estes questões.
A discussão que isso incitou foi longa. Quando os comentários pararam, Brandão sugeriu que o grupo considerasse o papel de alguns atores que eles não pensaram imediatamente. Um deles foi a sistema judicial – Brandão encorajou os moradores a conhecer os seus direitos durante todo o processo, e Bezerra seguiu dizendo que os moradores deveriam monitorar os projetos pessoalmente perto de suas casas. Outro foi as taxas dos serviços das companhias de utilidade pública, como a Light para a eletricidade e CEDAE para água e esgoto. Ocasionalmente, o tom pensativo/formal deu lugar a piadas, na seção de Asa Branca foi pedido para o círculo se acalmar mais de uma vez, e mais tarde, algumas pessoas especulavam sobre o que estavam perdendo no capítulo da Avenida Brasil daquela noite. A conversa tornou-se mais séria quando vários moradores disseram que seu maior medo era de que as pessoas fossem removidas como estava acontecendo na vizinha Vila Autódromo. Na verdade, uma parte da linha do Ônibus de Via Expressa TransOlímpica está definido para passar pela Vila União, uma favela de Curicica.
Brandão não sabia se tais remoções ocorreriam, mas os encorajou, dizendo que as suas opiniões seriam ouvidas se eles continuassem participando no processo de planejamento. Funcionários do Morar Carioca asseguraram ao grupo que iriam informar aos líderes comunitários sobre o próximo fórum. Os funcionários não recolheram quaisquer recomendações formais baseadas na discussão da noite. Desenhos diagnósticos para o projeto já foram anunciados pelo escritório de arquitetura em uma reunião privada anterior, mas a mensagem deles era de que teriam disponibilidade para atendimento geral aos moradores. Brandão lembrou ao grupo que era importante continuar a debater estas questões e permanecer pragmático. “Você tem que trabalhar com as relações e com os recursos que você tem. Você não pode colocar maquiagem sobre eles”, disse ele.
É claro que reuniões de facilitação como estas são fáceis de serem realizadas quando os tópicos permanecem abstratos. Este é o estágio inicial e a primeira reunião participativa que Brandão dirigiu; ele disse que as outras no Caju e em São João correram bem. Ele prevê encontros mais instáveis em comunidades onde ele vai chegar em uma fase posterior ao processo de intervenção urbanística. Ele vai resolver disputas, por exemplo, na Providência, onde tem havido forte protesto da comunidade contra as ações do governo.
Em Curicica, a reunião da noite de segunda terminou com a escolha de um grande círculo azul para representar todos os atores no processo de urbanização. A Prefeitura, o Governo do Estado, a Associação de Moradores – participantes da reunião pensam que todos têm responsabilidade significativa por como as coisas prosseguirão. Assim, eles também concordaram, com os funcionários de Morar Carioca balançando juntos com as cabeças.