Os anúncios de Vereadores para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro enchem de detritos as ruas do Rio durante o período de campanha, com a eleição deste ano ostentando mais candidatos do que até mesmo o eleitor mais politicamente informado seria capaz de acompanhar. Há 51 assentos na Câmara Municipal para as eleições simultaneamente a cada quatro anos. Não há limites de mandatos, de modo concebível os Vereadores podem se reeleger e ocupar o cargo ao longo da vida. Comum em toda a política brasileira, uma gama diversificada de partidos estão presentes na Câmara Municipal. Há 20 partidos atualmente representados, mas a maioria está mantida por parte do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que detém 12 assentos. Esta eleição tem 1.741 candidatos, e nesta metrópole enorme, não há eleições distrital para Vereadores. Cada eleitor vota em apenas um candidato para a Câmara Municipal. Com 1.741 candidatos disputando todos os 51 assentos, as oportunidades para práticas clientelistas e corrupção emergem neste “vale tudo” do sistema.
O Rio é o lar de mais de 6 milhões de pessoas e abrange mais de 1200 km2. A Câmara Municipal do Rio tem uma história famosa de corrupção, alguns membros da Câmara também são membros de milícias que detêm o controle e aterrorizam certas comunidades por toda a cidade. Esses criminosos são capazes de se infiltrarem na Câmara Municipal por zonas de um em um, geralmente em áreas de baixa renda, usando métodos de campanha questionáveis, como suborno e manipulação. Ações “eleitoreiras” de políticas públicas ou privadas realizadas exclusivamente para influenciar o voto, são também frequentes. Portanto, interesses criminosos não estão apenas representadas na Câmara Municipal, eles também podem estar representados para além da conta também dentro do governo municipal.
Um complicador para a compreensão da Câmara Municipal é o uso de um sistema proporcional para contar votos e determinar quem ganha assentos na Câmara. Em vez de simplesmente selecionar os 51 candidatos que receberam a maioria dos votos, o número de assentos na Câmara Municipal, que será ocupado por membros dos partidos é proporcional ao número de votos que os candidatos do partido receberam ao todo. Normalmente, um partido terá vários candidatos atuando na Câmara Municipal. O número de votos para cada candidato do mesmo partido é somados e os lugares são distribuídos proporcionalmente de acordo com esses números. Então, a fim de determinar quais candidatos vão realmente ocupar o lugar na Câmera Municipal, os candidatos com a maior votação do partido ocuparão os lugares atribuídos a seu partido.
A fim de entender melhor o funcionamento interno da Câmara Municipal e de seus pontos fortes e fracos, poderes e influências, entrevistamos Jorge Borges, geógrafo e assessor técnico do Vereador Eliomar Coelho, do Partido da Liberdade e Socialismo (PSOL).
Quais são algumas das funções mais importantes de um Vereador?
O Vereador é parte do Poder Legislativo Municipal. Pela constituição federal, o Poder Legislativo tem a função da elaboração das leis, fiscalização do seu cumprimento por parte do Poder Executivo e representar as demandas da população junto aos órgãos do governo.
Qual é o maior ou mais importante poder que os Vereadores detêm?
Na nossa opinião, a mais importante função do Vereador tem sido a fiscalização das ações do Poder Executivo Municipal. Através dos nossos requerimentos de informação e ações investigativas temos contribuído decisivamente com a resistência ao atual projeto em curso na Cidade.
Qual é a relação e a diferença entre o poder de um Vereador e do poder do Prefeito?
O Prefeito exerce o Poder Executivo, logo, ele tem em suas mãos o poder de executar as políticas públicas diretamente, definindo padrões operacionais para serviços e obras, além de prioridades quanto aos gastos públicos e projetos sociais para a população. O Vereador deveria ser um elo entre a Prefeitura e a população, mas no Rio, infelizmente as pessoas que exercem esses mandatos possuem interesses outros. No nosso mandato, a prioridade é acompanhar as lutas sociais rompendo barreiras como a falta de transparência, de participação qualificada na execução das políticas públicas, na denúncia de irregularidades e no apoio à organização comunitária.
Quais são as formas de abuso de poder na Câmara Municipal?
Como a maioria dos Vereadores não possui qualquer interesse com o bem estar geral da população, os Vereadores adotam uma postura assistencialista e obscura na sua atuação parlamentar. Isso significa que, em vez de trabalhar para que a Prefeitura leve os serviços essenciais para os bairros mais pobres, eles criam seus próprios centros sociais (espaços privados para assistência social, de saúde e, em alguns casos, de educação). Esses centros sociais, apesar de serem espaços privados, são mantidos com recursos e profissionais da Prefeitura, mas carregam nos seus nomes, nas suas peças publicitárias, o nome do Vereador que os criou e administra. Essa prática tem servido para criar os famosos “currais eleitorais” – territórios dominados por esses Vereadores onde até mesmo o controle sobre o voto das pessoas é realizado, muitas vezes sob ameaças violentas ou a disseminação do medo (Exemplo: “Se o Vereador não se eleger, a comunidade vai perder os serviços”).
O obscurantismo no processo legislativo se revela quando projetos de lei que são levados à votação na Câmara de Vereadores, por mais perniciosos que sejam para a população, conseguem ser aprovados pela ampla maioria dos Vereadores, com um debate muito rebaixado e totalmente desvinculado de quaisquer anseios ou mobilizações sociais. Isso acontece, particularmente, nas legislações urbanísticas, que constam como uma das principais funções constitucionais dos municípios. Os projetos de interesse da especulação imobiliária, ou dos grandes cartéis dos transportes conseguem uma tramitação rápida e fácil, a despeito da oposição e da forte atuação dos poucos mandatos que não tem vínculo com essa estrutura.
Em todos esses casos, fica clara a conivência do Prefeito, pois o Poder Executivo além de ajudar manter os centros sociais como forma de garantir apoio político para suas ações, também participa do processo legislativo, sancionando as leis aprovadas pela Câmara dos Vereadores.
Quais são os aspectos negativos do sistema da Câmara Municipal do Rio? Como você acha que essas coisas poderiam ser melhoradas?
Há quem diga que as Câmaras de Vereadores são instituições dispensáveis no Brasil. Além de consumir uma quantidade enorme de recursos públicos, o Legislativo Municipal carece muito de uma melhor qualificação da política e não reflete as necessidades da população. A estrutura de conselhos de políticas públicas, por exemplo, nunca se consolidou exatamente pelo fato de suas ações, debates e deliberações não encontrarem eco ou respaldo nas Câmaras Municipais.
Mas como esse debate sobre a evolução da democracia representativa para a democracia participativa não avança, a principal tarefa no que tange às Câmaras dos Vereadores é a luta por mais transparência, por maior acompanhamento dos trabalhos dos Vereadores por parte da população. Só para se ter uma ideia, a simples existência de um canal de TV exclusivo para transmissão dos trabalhos já alterou significativamente a relação desse espaço com a população. Seria fundamental aumentar o escopo desse canal de TV e disseminar cada vez mais aquilo que se passa no plenário e nos bastidores da Câmara Municipal.
Quais são alguns dos aspectos positivos da Câmara Municipal? Alguns exemplos de coisas produtivas e boas que vieram da Câmara Municipal?
Apesar de todos os problemas, a Câmara Municipal ainda consegue ser um espaço institucional para o fortalecimento das resistências a projetos autoritários e promoção do debate com vistas à construção de uma cidade mais justa e democrática. Nosso mandato já conta com mais de 20 anos de atuação na Câmara do Rio e sempre esteve ao lado dos movimentos sociais e das associações de moradores organizadas em torno de questões cruciais para os diferentes bairros e regiões da cidade. Além disso, com a possibilidade de organizar debates e audiências públicas sobre as principais questões, é possível organizar a população para enfrentar os principais desafios da cidade no que tange às políticas públicas.
Como afeta a cidade o fato de não haver representação distrital? Isso é bom ou ruim? O que deve mudar?
Nas eleições para Vereador, a base territorial da eleição é o município. E pela legislação brasileira, cada município é uma cidade. Formalmente, não existe eleição para representantes de bairros ou regiões internas a cada município. Entretanto, na prática, a maioria dos candidatos se apresentam e se auto intitulam como representantes dos bairros, comunidades e regiões onde atuam com seus centros sociais e suas políticas clientelistas. Poucos são os Vereadores que se apresentam como representantes institucionais da população e atuam em todo o território da cidade.
A princípio, a vinculação da atuação de um Vereador com determinado compartimento do território não seria algo ruim. O que é ruim é que esta suposta representatividade geralmente vem acompanhada das práticas já descritas aqui, do assistencialismo clientelista e do obscurantismo no processo legislativo. O debate sobre voto distrital no Brasil geralmente é defendido por esse segmento da classe política, pois para esses partidos e grupos, que detém a máquina os recursos dos governos ficaria muito mais fácil usar essas estruturas clientelistas para dominar os distritos mais distantes e ampliar sempre suas maiorias. Com todos os problemas e limitações, a legislação eleitoral brasileira para o poder legislativo ainda se pauta pela proporcionalidade entre os diferentes partidos, o que permite mesmo às pequenas legendas e grupos da resistência (que geralmente não conseguem muitos votos) obter cadeiras nos parlamentos. O voto distrital, no Brasil, com a atual estrutura política que temos, seria certamente o fim das minorias na política institucional.
Que coisas você acha que alguém que quer entender a Câmara Municipal do Rio deve saber?
O principal debate sobre o poder legislativo hoje, é a sua transparência. Fala-se muito no quanto essas casas legislativas custam caro para a população sem dar o devido retorno em termos de cumprimento de suas funções. Mas ainda se conhece e se explora muito pouco as funções dos Vereadores. As iniciativas recentes que temos visto, de tentar avaliar as iniciativas legislativas dos Vereadores por meio de indicadores quantitativos ou imputando-lhe uma análise qualitativa com critérios discutíveis tem levado muito mais a uma despolitização do debate e, consequentemente, a um rebaixamento da crítica a esses espaços.
Se conseguirmos aumentar a transparência e o nível de conscientização da população sobre as funções dos Vereadores e das suas reais capacidades de trabalho, daremos um passo importante na requalificação desse espaço e no fortalecimento da democracia participativa no Brasil.