Por 12 anos D. Rita Maria Barbosa, 56, mantinha uma horta orgânica suprindo sua comunidade na Colônia Juliano Moreira (em Jacarepaguá, Zona Oeste) com frutas frescas e verduras, e ensinando crianças sobre agroecologia. Mês passado ela foi despejada de sua casa e a horta destruída para dar lugar a um ponto de coleta de lixo. Tomando um café em sua casa atual, onde as paredes são instáveis e não tem lugar para ela plantar, ela conta a sua história:
Por quanto tempo a senhora morou na Colônia?
Eu morei na Colônia desde de 1º de novembro de 1990. Eu vim de um morro na Praça Seca que era muito violento. Meus primos já viviam aqui. Quando cheguei aqui não se podia construir mais nada então fiquei morando na casa do meu primo e depois com minha filha.
Quando a senhora começou a cultivar frutas e legumes orgânicos?
Em 2000 a Secretaria de Meio Ambiente realizou o Projeto Guardião que chamou as pessoas para trabalharem limpando rios na cidade. Eu estava desempregada e fui trabalhar nesse projeto. Toda comunidade onde tinha o projeto deveria ter uma horta comunitária, mas depois que tudo foi plantado o projeto foi abandonado (pelo estado). Eu fiquei com a horta e o diretor de Colônia passou para mim, dizendo que eu poderia construir uma casa e viver lá cuidando da horta. Eu mesma construí uma casa de dois quartos.
Como você cuidou da horta depois disso?
Eu comecei a plantar e vender na estrada e de carrinho pela comunidade. Todo dinheiro que eu recebia eu investia na horta, fazendo rotação de cultura para a manutenção do solo. Eu vendi verduras, temperos, conservas, óleo de pimenta, caldas caseiras, mudas, ganhando entre R$150-300 por semana. Eu fiz vários cursos de plantas medicinais, como cultivar plantas, pesquisar sementes. Tudo o que aprendi eu apliquei na horta. Eu plantei manga, limão, colorau, inhame, canela e todos os tipos de banana. As escolas traziam as crianças para aprenderem como plantar.
As autoridades da Prefeitura sabiam da horta da senhora?
Quando as autoridades vieram a Colônia, em 2009 (para melhoramento e trabalhos de infraestrutura como parte do Plano de Aceleração do Crescimento) eles sabiam da horta. Os engenheiros disseram: “Uau, que lugar bonito!” e compraram verduras, pimentas e caldas. Todas as autoridades sabiam que eu vivia por lá.
Quando você descobriu que as autoridades planejavam usar a terra e que você teria que sair?
Uma semana antes do Rio +20, eu estava em casa fazendo mudas quando eu recebi a notícia de que a Prefeitura usaria a terra e que eu seria convocada. Eu fui direto para a Secretaria de Habitação, onde me disseram que eu teria direito a adquirir uma casa com compra assistida ou aluguel social, e que eles precisavam da terra pra fazer um ponto de coleta de lixo. Eu perguntei: “Por quê? Tem tanta terra lá sem nada. Por que eles queriam aquela terra que eu precisava para viver?” Eles disseram que eles sabiam, mas que o projeto era lá e não podia ser mudado e que eu tinha que encontrar uma casa por R$32.000,00.
Você conseguiu encontrar algo?
Eu fui a todo lugar e não consegui encontrar uma casa por R$32.000,00. Eu andei por toda Jacarepaguá, Vargem Grande e mais longe. Eu só encontrei casas por R$95.000, e R$130.000, Eu voltei e disse a eles que eu não consegui encontrar nada naquele valor, mas eles me disseram que eu tinha que encontrar algo. Não existem mais propriedades em Colônia por esse valor desde que as autoridades vieram. Tudo subiu.
O que aconteceu depois?
No início de julho, dois engenheiros vieram e me disseram que não usariam mais a terra e que eu poderia relaxar. Eu fiquei e parei de buscar. Então eu vi uma casa por R $ 70.000 nas proximidades e disse a senhora junto às autoridades sobre isso, mas já que todo mundo estava me dizendo que eles não usariam mais a terra e eu não teria que sair, eu continuei. Ninguém veio até o fim de julho, quando um representante da prefeitura veio me dizer que o proprietário havia baixado sua cotação para venda e ela levaria a proposta ao seu chefe. Eu não entendi nada. Um momento, eu tinha que sair, o seguinte, não, o próximo, eu tinha que sair de novo.
Eles me convocaram à Prefeitura em 31 de julho. O proprietário da casa estava lá e a compra tinha sido preparada. A venda foi realizada com sucesso e eles disseram que eu ia ficar (na horta) até que tivessem feito o trabalho necessário na nova casa.
Você pode me dizer sobre o dia da demolição? Que aconteceu?
Na sexta-feira, 10 de agosto às 22h eu cheguei em casa da igreja e encontrei o dono da casa comprada lá. Ela me deu as chaves e disse que eu deveria dá-las para as autoridades da prefeitura na segunda-feira, para que eles pudessem fazer o trabalho.
Na manhã seguinte, às 8h acordei com uma máquina no jardim. Havia muitas pessoas, engenheiros da Prefeitura. Eles não bateram pedindo para entrar. Eles começaram a puxar tudo e jogaram na estrada. Eu entrei em choque. Havia muitas plantas que eu planejava pegar e me mudar devagar, mas não houve tempo para pegar nada. Eles arrastaram minhas coisas para fora. Vizinhos vieram e discutiram com os engenheiros exigindo saber por que eles estavam fazendo aquilo. Era como uma Choque de Ordem (programa agressivo do Rio para combater a desordem pública e pequenos delitos).
Eles começaram a quebrar todas as plantas. Eles levaram cocos, removeram e comeram o palmito e as frutas. Eles disseram que o prazo já tinha passado e que eu tinha que sair em seguida. Eu estava tão tonta que eu não podia ficar de pé.
Eu vim para esta casa e ela estava suja, cheia de lixo, roupas e fios pendurados, um enorme buraco no banheiro. Eu não podia fazer nada. Tomei um grande golpe. Eu tinha sementes que não consegui recuperar, uma barraca, um galinheiro. Eles quebraram tudo. Eu nunca esperava passar por isso.
O que aconteceu desde então?
Eu fui para a Prefeitura duas vezes. A Secretaria de Meio Ambiente viu o vídeo e me chamou para me dizer que havia um erro, mas que eles não discutiriam com a Secretaria de Habitação. Eu perguntei a eles: “Quem vai comprar o meu pão e arroz?” Ele saiu da sala e depois veio e me disse que não há nada que poderia fazer. Eu chorei o tempo inteiro.
Como é que eu vou recomeçar a minha vida? O que eles estão fazendo é terminar com a vida das pessoas, sem assumir a responsabilidade e deixando as coisas de qualquer maneira. Eles me deixaram aqui e tomaram posse da terra, enquanto eu sai para encontrar comida. Como eles podem entrar em uma horta com todos os tipos de espécies plantadas e derrubar tudo? Não tem nenhum valor? É muito difícil. Estou batendo nas portas das pessoas pedindo por arroz.
(Neste ponto, ela não pode aguentar.) “Eu sempre vivia com dignidade com meu sustento. E agora …”