Um casal da Babilônia que hoje são donos de duas casas na favela da Zona Sul do Rio, podem acabar não possuindo nada. E tudo porque seguiram as normas da Prefeitura que estão sempre mudando.
Em 2003, autoridades da Prefeitura foram à Babilônia e disseram a Rosemeri Silva Santos, 37, e ao então marido Tião de 48 anos, que sua casa estava em uma Área de Proteção Ambiental (APA), e eles e seus quatro filhos seriam removidos, sua casa demolida, e receberiam uma compensação para encontrar uma nova casa. Um ano se passou e nada aconteceu. Com sua pequena casa danificada pelas fortes chuvas e por terem sido avisados que teriam que desocupar a propriedade, eles então procuraram uma alternativa na própria comunidade onde Tião mora desde que nasceu.
A família encontrou um lote a alguns metros abaixo, com as fronteiras formais permitidas pela comunidade. Rosemeri explica o processo: “Para conseguir um terreno na comunidade você chama o Presidente da Associação de Moradores que averigua se é seguro e se pode ser repassado para você. Foi o que eu fiz. O Presidente levou uma semana examinando o terreno. Ele disse que eu poderia ficar na casa no topo e construir abaixo, então tudo foi feito corretamente”.
Dedicados a seguir os procedimentos apropriados, o casal autenticou o documento dado pela Associação de Moradores e informou ao Exército que tem um posto de observação no morro. Após isso foram às autoridades da Prefeitura sobre o seu caso: “Eu fui a eles em 2005 para comunicar que eu já tenho um terreno e que estávamos só esperando a compensação deles para a construção da casa. Sugerimos que nos fosse dado materiais de construção ao invés de dinheiro. Eles nos deram um número de processo, e falaram para não construirmos e aguardarmos até sermos chamados”.
Proibidos de fazer as modificações necessárias na casa condenada, porque seria demolida, e também de construir a nova casa, o casal esperou. E esperou. Anos se passaram. Todo o dinheiro que economizaram, foram gastos em materiais de construção, concreto, tijolos, etc. esperando em sua antiga casa e em outros lugares da comunidade pelo “vá em frente”.
Em 2009, a comunidade recebeu a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Nesse mesmo ano, o casal se divorciou de forma amigável, decidindo dividir a nova casa a ser finalizada na partilha. “Nós decidimos que a casa pertenceria a nós dois: ele ficaria com a parte de baixo e eu com a parte de cima. As crianças poderiam ver o pai quando quisessem. Nós temos diferentes horários de trabalho. Todos ficaríamos juntos. Não há nenhuma razão para ficarmos longe”.
Com o passar do tempo, nenhuma palavra das autoridades, e vendo pessoas construindo ao seu redor, eles decidiram começar a construção da casa. Tião, pedreiro por profissão, e empregado em vários projetos de construção na comunidade, começou a colocar as colunas e construir três paredes antes de ser parado pelos engenheiros da Prefeitura que vieram à comunidade e proibiram todas as construções.
Com uma propriedade praticamente inabitável e outra parcialmente construída e esperando a permissão, em 2010 Rose e seus quatro filhos, hoje com idades entre 12 e 18, se mudaram para uma casa alugada na Pavuna, na Zona Norte. “Eu tive que arrumar um outro emprego nos finais de semana para poder pagar o aluguel”, disse Rose, que sofre de hérnia de disco. “Eu tive que alugar uma casa em algum lugar para colocar meus filhos em uma casa segura. Mas o aluguel que eu estava pagando na Pavuna era de R$600,00, e eu não pude mais suportar essa despesa, pois estava gastando muito em medicamentos. Depois, à partir de abril, tive que ficar com minha mãe em Cabo Frio, para não pagar aluguel. O dinheiro que ganho vai para os remédios, e eu quero usar qualquer extra para construir a casa”.
Em outubro de 2012, depois de nove anos de espera, Tião e Rose foram finalmente chamados pela Prefeitura. Foi dito a eles que tinham duas opções: compensação pela sua casa que por causa do tamanho e por ainda estar inacabada, seria “muito, muito baixa”, ou um apartamento num projeto habitacional em Bangu, três horas de distância da Babilônia. Isto tudo por causa da ampliação de uma calçada em frente de outras cinco casas. “Eu expliquei a ela que não queríamos um apartamento. Ele nasceu e cresceu aqui e mora na comunidade há 48 anos. E nosso terreno é para dividir entre nós (o equivalente a duas casas onde nós moraríamos perto de nossas crianças). Mas essa propriedade não existe para eles, mesmo eu tendo documentos comprovando que fiz tudo certo”. A pequena unidade habitacional em Bangu seria apenas para Rose e suas crianças–Tião não teria nada.
As palavras paternalistas da agente da Prefeitura ecoou nos seus ouvidos: “Nós sabemos o que é melhor para vocês”, ela apenas repetia essa frase sem dar à Rose nenhuma explicação apropriada.
Tendo respeitado todos os requisitos e procedimentos, vivendo na incerteza por anos, a família enfrenta a expulsão de sua comunidade por conta da compensação mínima, sem a possibilidade de comprar uma propriedade na valorizada favela onde as casas custam mais de R$100.000,00. Enquanto apartamentos para assentamento estão sendo construídos dentro da comunidade para assentar 118 famílias, para Rose e Tião e muitos outros não foi dada essa oportunidade.
Rose lamenta que sua determinação de fazer tudo conforme as regras das autoridades trabalharam contra eles: “Se nós tivéssemos desobedecido as normas, teríamos uma casa. Mas sempre procuramos seguir as regras e fizemos o que as autoridades nos requisitaram. Não construa, espere, espere. Eu fiz tudo dentro da lei, então porque perdi?” Tião teria construído sua própria casa, enquanto construía outras tantas na vizinhança, e a família seria autorizada a permanecer ou teria uma compensação melhor.
Ela continua: “Eu fiz tudo corretamente, e isso acabou indo contra mim. Eu fiz tudo certo para evitar as coisas que vemos na TV sobre os moradores de favela que fazem tudo de forma ilegal, que não ouvem e não entendem. Nós fizemos tudo de uma forma organizada e isso se voltou contra nós”.
É muito difícil. Não tem ninguém com quem falar. Eles chamam você e dizem, “é dessa forma”, diz Rose. “Não está certo”, uma frustração desesperada está na sua expressão e voz. “Pessoalmente, eu não estou vendo nada aqui que esteja no caminho da Prefeitura. Pelo contrário, se a Prefeitura quer trabalhar, eles podem resolver as questões das florestas, praças e trabalhar muito em benefício das pessoas ao invés de arrancá-las de suas casas, despejando-as para que vivam em algum lugar por aí”.
“A única coisa que quero é construir minha casa”.