Ligando a Barra da Tijuca e o Parque Olímpico ao Aeroporto Internacional, a auto estrada e rota de BRT (Bus Rapid Transit) Transcarioca é o mais visível projeto de infraestrutura de transporte que a cidade está realizando em preparação para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. As autoridades estimam que os 39km da via expressa e suas 45 estações de ônibus servirão 400.000 passageiros diariamente, aliviando em 60% o tempo de viagem entre a Barra e o aeroporto. Entretanto, dentre os três projetos de transporte de BRT atualmente em construção – os outros dois sendo a TransOeste ligando Santa Cruz à Barra, e a TransOlímpica entre a Barra e Deodoro, onde também estarão sendo realizadas atividades olímpicas – a responsável pela maior parte das remoções de moradias é a própria Transcarioca, com uma estimativa de 3630 famílias deslocadas no ano passado.
Irregularidades e remoções podem ser constatadas nas execuções das obras ao longo da Transcarioca, que passa pelas principais áreas da movimentada Zona Norte. Em 2011, a comunidade do Largo do Campinho foi removida com relatos de uma chegada repentina de equipes de demolição, que, sem qualquer anúncio prévio, intimidou e ameaçou moradores com “manobras” e tentativas ilegítimas de recompensa. Atualmente, na Penha, podemos observar ilegalidades semelhantes nas novas áreas de construção.
Quando a antiga moradora da Penha Márcia Cristina Santos Costa, de 49 anos, foi à apresentação oficial do projeto, organizada em junho de 2010 para a comunidade local, foi-lhe dito que sua casa não seria removida na construção da Transcarioca. Márcia foi garantida que sua casa de família, construída pela própria atrás da propriedade da família do marido há trinta anos, permaneceria intacta. Pediram que ela apresentasse seus documentos e resolvesse quaisquer irregularidades caso algum existisse para garantir seu direito. Porém, apesar da Márcia ter respeitado esses pedidos e sua casa não se encontrar dentro da faixa de 12 metros necessária para as obras, funcionários chegaram a sua porta na sexta-feira, 5 de outubro, com uma ordem de despejo, dando a família uma semana para desocupar o imóvel, sem oferecer qualquer acomodação alternativa, aluguel social ou outro tipo de compensação, dado que a propriedade se encontra em processo de julgamento por causa de uma disputa familiar. Desesperada, Márcia arranjou locais temporários para cada membro da família e seus pertences, e na semana seguinte sua casa foi demolida.
Descrevendo o processo de pé em meio aos escombros da sua ex-casa, Márcia desabafou: “Um tempo mínimo é necessário para que você possa se organizar. Eles não me deram esse tempo. Os representantes do governo vieram cheios de marretas, sem o mínimo de sensibilidade. Eles acham que não é um problema psicológico, mas é. Como alguém pode desconstruir a vida das pessoas, forçando-as a sair de suas casas sem que elas saibam para onde ir?”
Márcia disse: “Fiz tudo que as autoridades pediram de mim. Procurei um arquiteto e um engenheiro que pudessem provar que a minha casa não precisava vir abaixo. As autoridades disseram que, só porque a casa do vizinho está sendo demolida, isso não significa que a sua também corre risco. O tempo todo ouvimos uma representante afirmando que “A Prefeitura não quer colocar ninguém na rua”. Essa mesma representante disse que mesmo aqueles que tivessem que sair iriam receber uma dada quantia para poder organizar uma outra opção. Isso não aconteceu comigo.”
Enquanto isso, seu marido e seus dois filhos estão ficando em casas separadas de amigos e parentes, sem qualquer notícia de compensação. Márcia nos fala de como sua vida desmoronou desde a remoção, sem que ela consiga dormir com preocupações e sem saber o que fazer. Ela permanece indignada com a forma como foi tratada devido aos avanços das obras, se expressando com as seguintes palavras: “O que está acontecendo com a Transcarioca é que as autoridades municipais podem fazer o que quiserem, dizendo ser “para o bem maior da comunidade e da sociedade”, mas é uma mentira que eles não estejam colocando pessoas na rua. Eu fui posta na rua”.
A visão de que as autoridades estão agindo sem regulamentação ou restrição pode ser confirmada em relatórios técnicos avaliando as obras da Transcarioca, que estão sendo conduzidos por um consórcio de empresas privadas. Relatórios do Tribunal de Contas do ano passado mostram que os trabalhos começam muitas vezes sem planos finalizados, ou que o Plano Diretor é alterado durante o processo. Em junho desse ano, organizações da sociedade civil entraram com uma ação solicitando o cancelamento da licença ambiental das obras e suspensão de financiamento à Transcarioca, alegando que a obra está cheia de irregularidades omitindo o real dano social e ambiental que está sendo causado. A ação propõe alterações de planejamento que acabam por resultar em mais e não menos desapropriações, em relação ao número inicialmente estimado. Um especialista que acompanha o projeto da Transcarioca diz ser “uma bagunça total. O objetivo não é, necessariamente, remover mais casas, mas eles tomam medidas livremente, sem justificar ou consultar a sociedade e os órgãos responsáveis”.