Câmara Municipal Lança CPI das Enchentes para Fazer Valer Resposta a Desastres

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No rescaldo dos fortes ventos, chuvas torrenciais, enchentes e deslizamentos de terra que mataram sete pessoas e deixaram rastros de destruição e danos em favelas como Rocinha, Vidigal, Complexo do Alemão e Barra de Guaratiba na noite de 6 de fevereiro, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro lançou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Enchentes.

Liderado pelo Vereador Tarcísio Motta, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a CPI “tem como objetivo apurar as circunstâncias e as consequências causadas pelos temporais que recorrentemente atingem a cidade” e delinear as responsabilidades das autoridades municipais na prevenção e mitigação de futuras enchentes e deslizamentos de terra. Renato Cinco do PSOL é o relator oficial da CPI e Marcelo Arar do Partido dos Trabalhista Brasileiro (PTB), Rosa Fernandes, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e Tiãozinho do Jacaré, do Partido Republicano Brasileiro (PRB) também atuam como membros da comissão.


A sessão pública inaugural da CPI ocorreu na última quinta-feira, 28 de março, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia, no Centro do Rio. Tarcísio Motta iniciou os trabalhos do dia com breves observações sobre a importância de responsabilizar as autoridades públicas pela melhoria da preparação para enchentes no Rio de Janeiro. Tarcísio Motta lamentou que muitos dos mortos pelas enchentes e deslizamentos de terra, de fevereiro, fossem moradores de favelas e insistiu que a CPI deve melhorar os serviços públicos em comunidades vulneráveis, onde as enchentes são particularmente mortais.

Após os comentários introdutórios, Motta cedeu a palavra a dois professores da UFRJ, a Dra. Ana Luiza Coelho Netto—coordenadora do Laboratório de Geo-Hidroecologia e Gestão de Riscos (GEOHECO) do Instituto de Geociências da UFRJ—e o Dr. Leonardo Esteves de Freitas. Ambos são especializados em geografia, geociências e biologia ambiental.

A professora Ana Luiza fez sua apresentação primeiro, explicando aos participantes que o aumento do desmatamento em florestas e parques nacionais fora do Rio de Janeiro nas últimas décadas tem causado um aumento correspondente de enchentes e deslizamentos de terra dentro da própria cidade. Ela usou mapas e imagens de enchentes passadas e padrões de precipitações para demonstrar que “as florestas são funcionais”, pois podem mitigar o impacto das chuvas fortes no Rio de Janeiro. No entanto, à medida que a cidade se expandiu e a vegetação foi derrubada em lugares como o Parque Nacional da Tijuca, a água da chuva começou a fluir livremente pelas encostas das montanhas indo para assentamentos humanos. Ana Luiza argumentou que a melhor maneira de proteger toda a cidade do Rio de Janeiro das inundações é o reflorestamento periférico dos parques e das montanhas.

Ela elaborou dizendo que na perspectiva dos direitos humanos, os sistemas de saneamento nas favelas deveriam receber mais financiamento público, mas que apenas os sistemas de drenagem não protegem as favelas ou outros assentamentos nos morros de inundações desproporcionais que recebem. A análise de Ana Luiza proporciona uma explicação para os danos ocorridos não apenas nas favelas, mas também nas comunidades mais nobres nas encostas, como na região de São Conrado, onde as enchentes afetaram bairros ricos com sistemas de drenagem desenvolvidos também. “A vegetação importa”, Ana Luiza enfatizou, e os formuladores de políticas devem ser responsáveis pela proteção das florestas para garantir a saúde, segurança e dignidade dos seus cidadãos.

As observações de Ana Luiza contrastam diretamente com a retórica adotada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, e pelo Governador Wilson Witzel. Após grandes enchentes em 2018, Crivella culpou erroneamente as regulamentações ambientais e a cobertura de árvores na cidade por aumentar os danos causados pelas enchentes. De acordo com os estudos apresentados por Ana Luiza, Witzel está defendendo políticas de “prevenção de enchentes” que realmente aumentarão as enchentes e os deslizamentos de terra no futuro.

O professor Leonardo Freitas falou em seguida, focando a sua apresentação na justiça ambiental no Rio de Janeiro. Leonardo falou longamente sobre como “vulnerabilidade é uma condição social” e que a vulnerabilidade aos riscos ambientais como enchentes e deslizamentos está diretamente ligada a outras formas de vulnerabilidade socioeconômica. “É tão fácil para as pessoas atribuir os desastres à natureza”, Leonardo argumentou, enfatizando que os impactos desastrosos de eventos extremos do clima no Rio de Janeiro são diretamente causados pela marginalização política e econômica das favelas. Leonardo condenou o deslocamento e remoção de moradores de favelas devido ao risco de enchentes, enfatizando que a transferência dessas comunidades para locais sem escolas, bancos, hospitais ou instalações apenas “continua o desastre” e aumenta a vulnerabilidade global dessas comunidades.

Isso contradiz diretamente as políticas públicas propostas pelo Prefeito Crivella, que culpou a “ocupação desordenada” de morros por moradores de favelas pelas mortes durante as enchentes. Após as enchentes de fevereiro, Crivella enfatizou a inviabilidade técnica de melhorar os sistemas de drenagem em favelas como Rio das Pedras (localizado na Zona Oeste), sugerindo que a realocação é a melhor solução para o problema de enchente na comunidade. Em contraste, Leonardo postulou que, na perspectiva da justiça ambiental, as favelas devem permanecer onde estão. Como tal, a construção de resiliência comunitária por meio de programas de educação ambiental, exercícios de preparação para enchentes e diálogo com os formuladores de políticas é fundamental para a mitigação de desastres no futuro.

Depois de agradecer aos professores pelas falas, Tarcísio Motta enfatizou aos participantes: “A gente precisa colocar o poder legislativo do Estado do Rio de Janeiro para pensar em como salvar vidas nos próximos anos. A gente não pode seguir omisso diante dessa situação”. Ele então abriu a sessão para perguntas e enfatizou que os ali presentes, que foram afetados pelas enchentes, estavam especialmente encorajados a expressar suas preocupações. Nenhum outro vereador ou participante quis falar, mas Tarcísio fez uma série de perguntas aos professores sobre políticas para enchentes que foram formuladas com a contribuição de seus eleitores e colegas vereadores.

Tarcísio Motta disse à CPI que “uma das frases mais repetidas logo após os eventos do dia 6 de fevereiro”, especialmente por políticos como o Prefeito Crivella, “foi que tratava-se de uma chuva excepcional, algo extremamente raro“. Ele pediu aos professores para abordar esta declaração e avaliar a preparação atual do Rio de Janeiro para lidar com fortes chuvas similares no futuro. Enchentes extremas como o Rio viu em fevereiro são “pouco frequentes, mas são esperadas”, disse Ana Luiza. “Os eventos extremos [do clima] estão se tornando cada vez mais frequentes em comparação com o passado”, disse ela. Leonardo concordou, acrescentando que a cidade não está equipada para lidar com fortes chuvas e inundações. Como é possível prever que o Rio de Janeiro sofrerá chuvas intensas no futuro, os professores acreditam que também é possível implementar políticas para mitigar e prevenir os efeitos desastrosos desses eventos climáticos extremos na vida humana.

Tarcísio Motta continuou a conversa afirmando que, para evitar mortes por enchentes, a CPI deve levar em conta que os moradores de favelas são os “mais vulneráveis aos impactos da chuva. Essa é uma interpretação correta para a gente [CPI] começar”. Ele acrescentou que quando ele e seus colegas estavam visitando “comunidades atingidas pelas chuvas, a gente constatou através dos moradores que o sistema de sirenes não foi acionado” no dia 7 de fevereiro, para alertar os moradores sobre possíveis enchentes. Os pesquisadores compartilharam as preocupações de Tarcísio sobre falhas no sistema de alarme.


Leonardo acrescentou que há uma dimensão cultural na resposta de emergência. Como moradores de favelas muitas vezes vêem suas casas como espaços seguros, eles são freqüentemente reticentes em abandoná-los. Além disso, podem desconfiar das advertências das autoridades devido aos maus-tratos e negligência que sofreram no passado durante eventos climáticos extremos. Ana Luiza defendeu o aumento da comunicação entre autoridades municipais, acadêmicos e moradores de favelas, bem como “ensinar as pessoas sobre as rotas de fuga em suas comunidades” a fim de melhorar a prontidão do Rio de Janeiro para futuras enchentes e deslizamentos de terra.

Tarcísio Motta concluiu a sessão expressando seu compromisso em facilitar ainda mais o diálogo sobre eventos climáticos extremos e o aumento da capacidade da Câmara dos Vereadores de implementar “medidas concretas para salvar vidas”. Tarcísio e seus colegas vereadores definiram os próximos passos da CPI e convidaram todos os interessados ​​a participarem de futuras reuniões. Hoje, quinta-feira, 4 de abril, os vereadores visitarão o Tribunal de Contas para discutir o que concerne aos fundos relacionadas às enchentes. As próximas sessões da CPI incidirão sobre saneamento e saúde pública e acontecerão na quinta-feira, 11 de abril com a participação da Dra. Ana Lúcia Brito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e Dr. Alexandre Pessoa Dias da Escola Politécnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e na quarta-feira, 17 de abril, com a participação de Sérgio Portella da Fiocruz e Dra. Suzana Kahn Ribeiro do Instituto Alberto Luiz Coimbra da UFRJ de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE). Por fim, a sessão de sábado, 20 de abril, destacará fortemente a contribuição de moradores de favelas impactados pelas enchentes de fevereiro.