“Precisamos fazer uma manifestação. Só assim esses governantes vão prestar atenção em nós”, disse um morador durante a reunião sobre as condições de moradia, que aconteceu no dia 13 de abril, na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, na Rocinha. Organizada pelo coletivo Rocinha Sem Fronteiras, a discussão do tema “As violações dos direitos humanos à moradia na Rocinha”, teve como convidada a coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação [NUTH, da Defensoria Pública do Estado], doutora Maria Júlia Miranda.
Durante a reunião, com cerca de 50 pessoas, foram discutidas questões históricas e atuais sobre a habitação na favela. Principalmente com as fortes chuvas que ocorreram recentemente, o medo e a indignação aumentou. E com a falta de obras de contenção e estabilização de encostas, muitos moradores perderam suas casas seja por interdição ou deslizamento.
A reunião no formato de roda de conversa contou com falas expositivas da doutora Maria Júlia, que explicou como seu trabalho influencia e ajuda na luta popular pela moradia. Após isso, os moradores também puderam tirar dúvidas ou opinar sobre a atual situação da Rocinha. A reunião foi conduzida por José Martins, um dos fundadores do Rocinha Sem Fronteiras.
Durante a conversa a moradora da Rocinha há 30 anos, Simone Rodrigues—que além de ser co-fundadora e coordenadora do Rocinha Sem Fronteiras, é moradora do Laboriaux, no topo da comunidade e com casas em uma área de risco no local—afirmou “que é preciso avanços e a retomada da política de regularização fundiária”.
“A urgência do direito à moradia, sem dúvida, é a regularização através de melhorias urbanísticas, como: obras de contenção para mitigar riscos de deslizamentos, drenagem, saneamento básico e a retomada da política de regularização fundiária—que foi interrompida pelo poder público em 2010—para que os moradores tenham o direito à segurança da posse”, disse Simone que é advogada. Ela ainda fez ressalvas sobre a importância do auxílio jurídico nesse momento.
“O direito é uma construção social e contribui com a luta popular pela efetividade dos direitos humanos e sociais. Também oferece suporte aos moradores para enfrentar as burocracias da administração pública, como o recebimento de aluguel social”, completou Simone.
Após o término da reunião, a coordenadora do NUTH, Maria Júlia, conversou com a repórter presente para o RioOnWatch, acerca do conteúdo transmitido na reunião. Maria Júlia afirmou que o poder público viola direitos quando não respeita uma série de adequações, como infraestrutura e segurança.
“A moradia está prevista como direito fundamental no Art. 6º, da Constituição Federal. Segundo o Comentário geral Nº4 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, uma moradia é adequada quando há segurança da posse, disponibilidade de serviços, infraestrutura, habitabilidade, custo acessível, entre outros. Portanto, o poder público viola o direito à moradia quando não adota como política pública a urbanização das favelas do Rio, eliminando os riscos, a prestação de serviços, a construção de equipamentos públicos e, sobretudo, o reconhecimento da favela como parte da cidade”, afirmou Maria Júlia.
Segundo Maria Júlia, após o temporal de fevereiro, o Núcleo de Terras e Habitação realizou visita técnica na Rocinha para identificar as áreas mais afetadas. Depois propôs ação visando a realização de obras para a retirada de entulhos e para a estabilização dos taludes que deslizaram nas áreas da Macega, Terreirão e 199, além da limpeza da localidade Cachopa e a busca de solução para o prédio que está com as fundações expostas na Rua Dionéia. Nessa ação também está pedido que a Defesa Civil vistorie os imóveis próximos aos taludes e o pagamento de aluguel social para as famílias que precisam deixar suas casas.
“Quando há risco à moradia e à vida das pessoas, o NUTH pode propor ação judicial com o objetivo de obrigar o ente público responsável a eliminar os riscos na favela. Porém diante da demora, a ação judicial acaba sendo o último recurso, após esgotadas todas as outras formas de tentativa de que os responsáveis adotem as medidas as quais, por lei, estão obrigados”, finalizou.
A reunião trouxe muitos esclarecimentos para os moradores presentes e ficou perceptível, no fim da reunião, que quem participou saiu mais confiante, acreditando que a situação pode mudar, com falas do tipo “precisamos nos unir novamente” e “vamos nos organizar”. O público também confraternizou através de abraços e palavras de motivação, levando a esperança de que não terão mais notícias ruins, e que há representantes do poder público que olham para a população da Rocinha.