Esta é a primeira parte de uma matéria de duas partes que visa monitorar as realizações do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, até o momento, com foco em suas políticas e ações de segurança pública, governança, desenvolvimento social e desenvolvimento econômico. Witzel foi eleito em outubro passado com base em uma campanha focada na promoção da segurança pública. Ao mesmo tempo, ele prometia o “resguardo do policial de uma eventual condenação jurídica“, provocando o questionamento de quem seria o beneficiário dessa segurança. Nesta matéria analisamos suas realizações até hoje, além dessa e outras discrepâncias entre sua retórica e sua prática. Para a parte 2, clique aqui.
Ao assumir o mandato em janeiro, Witzel distribuiu aos seus secretários um “Plano de Diretrizes e Iniciativas Prioritárias do Governo do Estado do Rio de Janeiro” com 104 metas para serem alcançadas nos 100 primeiros dias de governo e outras 99 até o fim dos seis primeiros meses. Esse plano foi disponibilizado no site do governo do Estado, mas posteriormente retirado do ar. Em abril, na marca dos 100 dias, o governador divulgou o documento “Um Começo de Um Novo Futuro: 100 Dias, Resultados do Governo”. Nesse documento, o governador diz: “Do total de 121 iniciativas, concluímos 95 dentro do prazo”. A dúvida que se coloca é quais são essas 121 metas, se o Plano de Diretrizes trazia o número claro de 104 metas. No intervalo, Witzel havia feito inúmeras mudanças nas metas originais, inclusive na redação, dividindo metas, criando novas, sumindo com outras, deixando uma inconsistência que torna difícil o monitoramento.
Dentre as 104 metas originais, diversas não constam no documento “Um Começo de Um Novo Futuro” e outras são apresentadas com a redação significativamente modificada, tornando difícil para o cidadão acompanhá-las, especialmente diante da retirada do Plano de Diretrizes do site. Além disso, não são fornecidas fontes de verificação ou a lógica do cálculo do percentual das metas em andamento. O documento traz ainda uma extensa seção de resultados que não necessariamente dialogam com as metas estabelecidas. Nessa seção, são ressaltados os resultados, em sua maioria percentuais, considerados positivos pelo governo—por exemplo, o documento ostenta três estatísticas diferentes acerca de número de prisões, colocando que aumentaram em 5% os presos provisórios e em 63% os presos temporários, estatística que diversos especialistas discordariam quanto a ser positiva. Além disso, o documento lançado aos 100 dias de governo não traz o progresso das metas estabelecidas para 180 dias (seis meses), tampouco foi lançado um novo documento que faça o balanço desses 180 dias, tornando impossível até então medir o progresso dessas metas.
Apesar da transparência ser listada como uma das prioridades do governo, o estabelecimento do programa Rio de Janeiro Transparente por exemplo, que visa disponibilizar acesso às informações de utilização do dinheiro público, é uma das metas para os 180 dias cujo progresso não se conhece. Outro exemplo celebrado pelo governo em termos de transparência é a resposta a 17 pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação dentro do prazo estabelecido, mas não somos informados o total de pedidos feitos nem se isso representa um avanço ou um retrocesso em relação à gestão anterior.
Tudo isso aponta que ainda há um longo caminho pela frente quanto à transparência das ações do governo e da participação da sociedade, que não foi escutada na elaboração das metas e tampouco convidada a debater seus resultados.
Segue-se abaixo uma análise das principais metas e ações do governo nos seis primeiros meses, focada nos eixos “Segurança Cidadã e Jurídica” e “Modernização da Gestão da Governança”, como propostos pelo governador, concentrando-se nas metas e ações que afetam mais diretamente moradores de favelas e periferias:
1. Segurança Cidadã e Jurídica
Diferente do plano de governo lançado durante a sua campanha, nas metas da seção, chama-se “segurança cidadã e jurídica” em vez de “pública”. O que poderia ser uma guinada positiva em direção à proteção dos direitos das pessoas sob uma perspectiva mais humana—para longe do aval dado à matança por parte da política—centrou-se em metas relacionadas à segurança contra desastres naturais, à redução do roubo de cargas e aumento da elucidação de crimes e ao combate à corrupção.
As primeiras incluem a capacitação de agentes para reduzir riscos de desastres e melhorar a capacidade das Defesas Civis e dos Bombeiros, a realização da manutenção das sirenes em áreas de risco, uma avaliação de vulnerabilidades dos municípios e a ampliação de números cadastrados para receberem SMS acerca de desastres. Dessas, o governo alega ter capacitado 125 agentes da Defesa Civil em redução de riscos e respostas a desastres e ter feito a manutenção das sirenes, além de ter desenvolvido um Plano Estadual de Enfrentamento às Calamidades. O documento não fala se a avaliação de vulnerabilidades foi feita, mas afirma que hoje há um milhão de cadastrados para o recebimento de SMS—mas não sabemos se esse número representou um acréscimo ou não em relação à gestão anterior.
Apesar de importantes, essas metas não contemplam iniciativas de prevenção, como obras de contenção de encostas. Apenas medidas para a redução dos danos após um desastre são consideradas. Na prática, sabemos que, diante das chuvas que castigaram o Rio de Janeiro em fevereiro como em todo verão, essas ações não impediram que pelo menos seis pessoas fossem vitimadas e que centenas ficassem desabrigadas. A resposta do governador foi culpar a prefeitura e a ocupação desordenada de encostas e insistir na necessidade de “retirar as pessoas de áreas de alto risco“, prioridade equivocada, ainda que recorrente—é preciso retirar o risco da área onde vivem pessoas, e não removê-las. Em abril foram mais dez vítimas também feitas pelas chuvas.
Witzel disse que irá criar o programa Comunidade Cidade, que é promessa de campanha, para atender as favelas mais atingidas pelas chuvas, mas até agora não deu início a ele. Na Rocinha, o governador disse que o programa estaria associado à UPP—ainda que ele tenha chamado durante a sua campanha as UPPs de “fracasso” e que esteja em tramitação na Alerj um projeto de lei pela extinção das UPPs.
Em suas metas para as polícias militar e civil, por sua vez, Witzel incluiu e declarou ter cumprido as metas de realocação de 400 policiais para atividades de policiamento ostensivo e de redução de roubo de cargas e de corrupção. Também colocou metas de implementar um Programa de Redução da Vitimização Policial e de estabelecer as atividades do Conselho Deliberativo de Segurança, que não apareceram no documento de alcance das metas. Já no campo da administração penitenciária, o governador alegou ter cumprido a meta de estabelecer um modelo de parceria público-privada (PPP) para a construção de um presídio vertical e de uso de drones para captação de imagens para a inteligência da Polícia Civil.
O que tem sido de fato feito em termos de política de segurança tem apontado para uma necropolítica, uma política de exercer controle sobre quem vive e quem morre, isto é, uma política de matar e deixar morrer. Seguindo a linha de sua campanha, quando declarou que PMs deveriam “mirar na cabecinha” de traficantes e ter segurança jurídica para não serem julgados por essas mortes, desde que assumiu Witzel defendeu o uso de snipers, de helicópteros e drones atirando para baixo. Ele inclusive já apareceu em uma foto com o uniforme do BOPE dando tiros de sniper e em um vídeo dentro de um helicóptero atirando, nova modalidade de violência de Estado contra moradores de favela. Além disso, Witzel sugeriu explodir a Cidade de Deus com um míssil para combater traficantes, defendeu que a polícia entre em casas na favela sem mandado e prometeu expandir o sistema prisional com dez novos presídios. Também prometeu combater os defensores e desmoralizar a “pseudocultura” de direitos humanos—dizendo que o único direito de bandido é ao velório.
O resultado dessa política foram 881 assassinatos pela polícia nos seis primeiros meses de governo, a maior taxa de mortes pela polícia desde que a estatística começou a ser contabilizada em 1998—estatística essa que Witzel disse equivocadamente não ser seu trabalho monitorar e que ele não apresenta no documento. “A segurança hoje tem demonstrado resultados que são os melhores do país”, ele declarou no evento que marcou o balanço dos 180 dias de governo.
Além disso, uma de suas primeiras medidas foi extinguir a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Seseg), por criar burocracias desnecessárias a seu ver. Ele também redistribuiu as tarefas para duas secretarias, a da Polícia Civil e a da Polícia Militar, indo na contramão das tendências de integração entre as diferentes instâncias do campo da segurança e centralizando nas mãos (e sob as lógicas) militares decisões que antes eram tomadas por instâncias civis. Também reestruturou o Conselho Estadual de Segurança Pública (CONSPERJ), o que acabou com o poder de voto da sociedade civil e restringiu sua participação, assim como dos conselhos comunitários de segurança, nas reuniões. Witzel também propôs o emprego de policiais aposentados em escolas públicas e aprovou uma lei que determina que os alunos tenham aulas de “resistência às drogas” ministradas por PMs, além de prometer formar 15.000 novos policiais militares e civis até o fim do seu mandato.
2. Modernização da Gestão e Governança
Chamado no Plano de Diretrizes de “Modernização da gestão e eficiência da gestão pública”, essa seção foca em ações de reestruturação organizacional visando corte de gastos e ganho de eficiência. Um exemplo já mencionado foi a extinção da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Seseg).
Também possui metas acerca da expansão da operação “Segurança Presente” para a Tijuca, o que o governador alegou ter sido alcançado, juntamente com Leblon e Ipanema, e anunciou ainda a expansão futura para Laranjeiras, Botafogo, Barra da Tijuca, Vila Isabel e Bangu e também para Duque de Caxias e Nova Iguaçu, na Baixada. O programa Presente é criticado por sobrepor-se às tarefas das forças de segurança já existentes, por ter participação da iniciativa privada em uma função de interesse público (o programa foi parcialmente pago pela Fecomércio, em contrato firmado pela prefeitura em parceria com o Sesc, e gerido pelo governo do estado), pela escolha das áreas de operação que não correspondem necessariamente às áreas de maior criminalidade, entre outros.
Também constam nessa seção, no documento dos 100 dias, a criação de Grupos de Trabalho (GTs), dentre eles: o GT “Resgate da cidadania”, para “retirar jovens do tráfico de drogas”; e o GT “Moradias temporárias”, que visa “recadastrar beneficiários para remover de áreas de risco”, o que pode corroborar futuras remoções.
Esta é a primeira parte de uma matéria de duas partes focada no monitoramento das realizações do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, até o momento. Para a parte 2, clique aqui.