Na última quarta-feira, dia 10 de julho, estiveram reunidos no Complexo da Maré moradores e representantes de organizações locais para o ato que celebrou os dois anos da Marcha Basta de Violência! Outra Maré é Possível, organizada pelo Fórum do mesmo nome junto com a Redes da Maré, o Observatório de Favelas e a Luta Pela Paz. O fórum reúne mensalmente lideranças, moradores e organizações locais para debater a segurança pública na Maré.
O local escolhido para o ato, não por acaso, foi o mesmo de dois anos antes: a chamada Divisa, local marcado por confrontos entre grupos civis armados.
Na divisa, dividem espaço uma praça conhecida como Praça da Paz, que conta com equipamentos para brincadeiras das crianças, e um prédio residencial cuja parede é cravada por buracos de balas. Ao longo do tempo, as janelas foram reduzindo de tamanho e as paredes foram revestidas até a grossura de três paredes normais.
Durante o ato foi feita uma intervenção no prédio. Os buracos de bala foram cobertos e as paredes deram então lugar a grafites e stencils pelas mãos de integrantes dos grupos Maré Crew e Nata Família.
Na Praça houve ainda um mutirão de revitalização e plantio de mudas.
O ato também marcou um protesto contra a suspensão da Ação Civil Pública que estabelecia medidas para operações policiais na Maré, no mês passado pela juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa Castro, considerada pelos integrantes do fórum como um grande retrocesso. O argumento da juíza para suspender a ação foi de que “A forma para o seu enfrentamento [do crime organizado] faz parte da competência atribuída ao Governador do Estado, por sua Secretaria de Segurança e das Polícias”. Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em sua fala colocou que a Defensoria está preparando um recurso à decisão.
A ação foi requerida pela Defensoria Pública em 2016 após uma violenta operação. A ação demandava da polícia a apresentação de um plano de redução de danos para operações, o que nunca foi feito, além de demandar a presença de ambulâncias nas operações, a instalação de câmeras e GPS nas viaturas e um protocolo de comunicação entre as autoridades e as unidades de ensino e saúde. Segundo Flavinha Cândido, educadora da Maré, a Ação Civil Pública era um “cobertor furado, mas ainda assim um cobertor, um mínimo de garantia. Quando a juíza suspende isso, ela diz que o Estado pode continuar nos matando, acabando com nossa saúde”. “A gente tá aqui sobrevivendo e não vivendo. Mas a Maré tem um nome e esse nome é resistência”, finalizou ela.
O ato contou ainda com falas emocionantes de Bruna Silva, mãe do menino Marcos Vinícius, morto em junho do ano passado pela polícia quando estava uniformizado a caminho da escola, na Maré, e Irone Santiago, cujo filho ficou paraplégico também devido à violência policial.
A participação da Orquestra Maré do Amanhã, fundada em 2010, trouxe desde o clássico Rap da Felicidade até músicas da Anitta, com quem eles tocaram no último Reveillon em Copacabana.
As crianças do projeto Nenhum a Menos, um projeto da Redes da Maré de complementação pedagógica para melhorar a leitura e a escrita das crianças, também se apresentaram e deram um recado através da música: “já acabou a paciência, basta de violência”.
Houve também apresentações de integrantes da Roda Cultural do P.U., em alusão ao Parque União, uma das 16 favelas que compõem o Complexo da Maré. Um deles, Erickão, disse que sua emoção por estar ali era porque ele foi nascido e criado na divisa. A sua letra dizia “a intervenção que a gente precisa é intervenção cultural”.
Segundo os outros integrantes, a Roda Cultural encontra-se parada por falta de equipamento de som. Nessa mesma semana eles fizeram um mutirão de limpeza e revitalização da praça onde a Roda ocorre e anunciaram um evento beneficente para arrecadar dinheiro para a compra de um novo equipamento.
Outras atividades incluíram uma roda de capoeira, atividades para as crianças e uma exposição de fotos da comunidade.