Lançado em 2009, antes dos Jogos Olímpicos de 2016, o Porto Maravilha é o maior projeto carioca de revitalização urbana das última décadas. Descrito como uma oportunidade de transformar a antiga Região Portuária da cidade em um polo comercial próspero e um ponto turístico importante, o projeto foi firmado para “garantir que a população se beneficie da requalificação para melhorar sua qualidade de vida sem sair da área”, de acordo com o site oficial do Porto Maravilha. A lei complementar que instituiu o projeto (Lei Municipal 101/2009) requeria que o governo implementasse ações que promovessem desenvolvimento social e econômico para a população local. O projeto foi marcado, porém, por tentativas de remoções, falta de transparência, mau uso das verbas públicas, e ficou incompleto.
Uma das críticas foi que o projeto nunca buscou garantir o direito à cidade para os moradores existentes na região. “O Porto não era um projeto que queria inserir habitação de interesse social. Ele tinha, muito objetivamente, interesse de proporcionar habitação para uma outra faixa de renda acima de dois, três salários mínimos”, explica Tainá de Paula, arquiteta, urbanista e especialista em patrimônio cultural.
O projeto é uma amostra emblemática do embranquecimento da história do negro no Brasil e das ações para tornar invisível a população de baixa renda do Rio. Outrora o maior porto de tráfico negreiro do mundo, a região portuária é o local que abriga a primeira favela do Rio, o Morro da Providência, e a Pequena África, um centro cultural para a comunidade afro-brasileira e local de origem de diversos quilombos urbanos. Hoje a área abriga cerca de 30.000 moradores, a maior parte deles da classe trabalhadora que vive em prédios, cortiços e favelas como o Morro da Providência e sua micro área Pedra Lisa, ou Morro do Pinto. O projeto do Porto Maravilha constitui uma das maiores parcerias público-privadas do Brasil. Até o momento, o Porto Maravilha custou mais de R$8 bilhões.
Nos primeiros anos do projeto, empreiteiras compraram terrenos baratos pois a Região Portuária era caracterizada como estando em ruínas e sendo violenta. Apesar da legislação que obriga as autoridades a priorizar o uso de terrenos públicos para habitação social, a maioria dos novos empreendimentos em terrenos da região que antes eram públicos é de natureza comercial. O desenvolvimento da região é atualmente supervisionado pelas gigantes da construção OAS, Odebrecht Infraestrutura e Carioca Engenharia. Em entrevista para o Brasil de Fato, o Vereador Tarcísio Motta explicou: “O Porto Maravilha é um símbolo dessa cidade privatizada, que está preocupada em gerar lucros e não garantir os direitos das pessoas”.
O empreendimento foi criticado repetidamente por urbanistas e moradores da região por não incluir moradias populares, apesar das expectativas anteriores. Em 2015, o então Ministro das Cidades Giberto Kassab, pressionado, obrigou a Prefeitura do Rio a criar um plano de moradias populares para o Porto para receber um fundo contínuo. Embora reuniões públicas tenham ocorrido e o texto para o plano de moradias populares tenha sido rascunhado, o plano nunca foi implementado. “Todo o processo de tentativa, tanto de participação quanto de construção, e uma agenda de habitação de interesse social no Porto não era de fato realidade”, disse Tainá.
Recursos originalmente destinados para obras em favelas do local durante a administração de Eduardo Paes (2010-2016), tais como os R$112,3 milhões inicialmente reservados para o Morro do Pinto, foram redirecionados para a construção do Museu do Amanhã. Sob o governo do atual prefeito, Marcello Crivella, 75% dos recursos totais investidos em cultura na região foi destinado somente a duas iniciativas focadas no turismo, o Museu do Amanhã e o Museu de Arte do Rio que, combinados, custaram R$686 milhões aos cofres públicos.
Sob o Plano Estratégico 2017-2020 para a cidade do Rio, Crivella listou duas ações planejadas para a revitalização de habitações populares na região do Porto. Em primeiro lugar, a aquisição de 20.000 unidades de habitação social até 2020 e, em segundo, um aumento geral na habitação da região, pela implementação do Plano de Habitação de Interesse Social do Porto, que inclui a construção de casas, pagamento de aluguel social e regularização de propriedades. Faltando menos de um ano para cumprir seu primeiro mandato, parece pouco provável que Crivella conseguirá cumprir esses compromissos.
Em meio a tudo isso, as vozes dos moradores locais raramente são ouvidas. Em 2012, a construção de um teleférico de R$75 milhões na Providência causou a demolição de dezenas de casas e a principal praça pública da comunidade, tendo sido desativado apenas dois anos depois. “Mesmo a gente dizendo que a nossa prioridade não era o teleférico, [que] a nossa prioridade era saneamento básico, vagas nas creches para as crianças, saúde, educação… [eles] construíram esse teleférico”, explicou Cosme Felippsen, guia de turismo e morador da Providência. Mais acima na comunidade, depois da estação do teleférico, outras dezenas de casas foram demolidas e seus moradores removidos para que, supostamente, fossem feitas melhorias que os beneficiariam—embora a comunidade tenha, com sucesso, impedido outras remoções por meio de uma batalha judicial que mostrou que os moradores não estavam de fato de acordo com tais melhorias.
Em um seminário feito em outubro para marcar os 10 anos do lançamento do Porto Maravilha, os painéis de debate incluíram “Lutas espaciais e antirraciais na Pequena África” e “Estigmatização territorial e as políticas de repovoamento da Região Central do Rio”. Tais análises ainda não exerceram influência aparente sobre os tomadores de decisões que influenciam a região.
O desenvolvimento da Região Portuária tem causado gentrificação. Um fluxo de negócios foi atraído para a área pelo preço barato dos imóveis e pelas construções históricas espaçosas, ideais para serem reformadas e transformadas em espaços de trabalho modernos—o YouTube abriu até um escritório em um armazém no cais da Gamboa. Em outubro, Crivella lançou o programa de inovação labGov.Rio em Santo Cristo. Com um custo de R$2,5 milhões para a prefeitura do Rio, o espaço terá capacidade para até 144 start-ups. Enquanto tais incentivos são bem-vindos para a economia do Rio, eles também sinalizam um golpe contra a população de baixa renda da região, que compõe a maioria, por levarem a um aumento no valor da terra e das propriedades.
Enquanto isso, o futuro da habitação social e acessível na região parece sombrio. Recentemente, em outubro, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP) começou a leiloar grandes lotes de terra. Essas terras foram compradas por empresas como a Unimed, que se destaca no ramo dos planos de saúde. Além disso, enquanto o Prefeito Crivella assinou no ano passado um acordo em parceria com o setor de habitação da Caixa Econômica Federal prometendo a construção de 5.000 unidades habitacionais por meio do programa Minha Casa Minha Vida, na última semana Gustavo Canuto, Ministro de Desenvolvimento Regional, anunciou que o programa Minha casa Minha vida será descontinuado em breve.