Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas e também da série LIVES Covid-19 nas Favelas.
Na esteira da campanha #ApoieUmCatador, que busca oferecer apoio a catadores e catadoras invisibilizados durante a pandemia da Covid-19, e que está promovendo o desafio de vídeos caseiros #MostreSeuLixo, o Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos da Rede Favela Sustentável (RFS)* organizou uma aula pública no dia 30 de junho. Na LIVE Interativa: Como a Pandemia Impacta os Catadores? seis apresentadores dividiram suas experiências e análises sobre a atual conjuntura e também discutiram os principais empecilhos que ainda dificultam o trabalho de cooperativas e catadores. Outros membros do grupo também contribuíram ao compartilharem suas experiências nas favelas com a reciclagem e o reaproveitamento de materiais.
Participaram do debate: Luiz Carlos Santiago, presidente da cooperativa Cootrabom e diretor da Rede Recicla Rio, além de integrante do Fórum Municipal dos Catadores e Catadoras do Rio De Janeiro; Gilberto Batista, fundador do projeto Comunidade Limpa Só Lazer no Morro do Salgueiro; Edson Freitas, fundador da ONG EccoVida, uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis com sede em Honório Gurgel e que atua em diversos bairros na região metropolitana fluminense; Tânia Ramos, assistente social e agente da Pastoral do Povo da Rua na Arquidiocese do Rio de Janeiro; Ilaci Oliveira, fundadora da Cooperativa Transvida na Vila Cruzeiro; e Claudete Costa, presidenta e primeira mulher representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) no Rio de Janeiro.
Clara Ferraz, da Comunidade Catalisadoras*, mediou o debate. Ela iniciou a programação da noite lembrando a missão da RFS em “conectar e apoiar as diversas iniciativas de sustentabilidade ambiental e resiliência social nas favelas da região metropolitana do Rio de Janeiro”. Após a abertura, ela passou a palavra para Luiz Santiago, que enfatizou as diversas maneiras pelas quais os catadores são essenciais para a sociedade, sendo a economia um dos fatores. “A ação do catador de rua e das cooperativas gera uma redução de gastos enorme para os municípios. O material chega na ponta da balança com economia e ainda volta para a indústria pelas mãos do catador, diminuindo a extração de matéria prima da natureza”, disse Luiz.
Economia e Emancipação
Luiz ainda alertou para a percepção, da maior parte da sociedade, de que catadores são necessariamente pessoas em situação de vulnerabilidade, o que não é a regra geral da categoria. “Somos agentes econômicos, cobra-se eficiência e gestão da gente, mas não temos acesso à capital de giro e crédito. A enfermeira é herói, mas com o catador é sempre a história do trabalho bonito, eu quero ser remunerado como qualquer trabalhador”, reivindicou ele.
Já Edson Freitas, da EccoVida, expôs o panorama econômico durante a pandemia. De acordo com ele, “estimávamos que 320.000 pessoas estivessem catando lixo no estado do Rio de Janeiro, mas com essa situação de desemprego, este número pode passar de 400.000 em um futuro próximo. Temos cooperativas e pequenos depósitos que geram empregos para um exército. 90% do material reciclável vem de catadores e cooperativas e por isso esse ele precisa ser incentivado no estado. Estamos com dificuldades de escoar todo o material”, revelou Edson.
Claudete Costa, que começou a coletar materiais recicláveis aos 10 anos, tem lutado pelo reconhecimento do trabalho de catadores e catadoras com apoio socioeconômico. Representante do MNCR, ela contextualizou a atual situação dos trabalhadores: “Começamos a entender a importância de nos organizarmos para prestar serviço dentro da sociedade. Seria importante uma lei que obrigue prefeituras a contratarem cooperativas de catadores de material reciclável, mas isso não acontece, muitas portas não estão abertas para nós. A lei nacional de resíduos foi feita com a inclusão de catadores e vemos que deu certo na ponta”. Ela também destacou a importância da dignidade dos trabalhadores através do respeito e reconhecimento. “A gente precisa de investimento e estrutura para estar de igual para igual no mercado. As empresas conseguem bilhões em investimento e para nós vem muito pouco. Fazemos um trabalho social e profissional, movimentamos mais de 7% da economia do nosso país. Dentro do Ministério do Trabalho somos reconhecidos como profissionais, é uma profissão!” disparou Claudete.
Trabalhando como assistente social há 20 anos junto à Arquidiocese do Rio de Janeiro, Tânia Ramos realiza o trabalho de base com um grupo específico que não se encaixa no contexto organizado das cooperativas e organizações. “Temos que reconhecer e celebrar a dignidade de cada pessoa. Trabalhamos com o povo que está fora dos meios organizados, aqueles que estão na rua, [que] catam no dia a dia e vendem para conseguir alimentação. É uma outra característica e está presente principalmente nos centros urbanos”, relatou ela.
Educação
O tema da educação foi considerado um dos mais importantes pelos convidados, principalmente quando relacionado à consciência ambiental e à formação dos mais jovens para a valorização do meio ambiente. Vânia Nascimento, da Associação Cultural Lata Doida em Realengo, membro do Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos da RFS, apontou como “organizações têm inserção em escolas municipais através de parcerias com professores. Os projetos chegam às escolas com gincanas que estimulam a reciclagem de plásticos, metal, papelão e óleo de cozinha, o que acaba engajando moradores e estimulando as favelas que ainda não têm coleta seletiva”.
Ilaci Oliveria da Cooperativa Transvida na Vila Cruzeiro também enfocou na educação como forma de transformar a sociedade: “Muitos achavam que tudo era lixo, mas o olhar mudou quando comecei a mostrar a importância da reciclagem, mostrei o artesanato, o papelão, o valor agregado no material. A mentalidade sobre o resíduo que era jogado fora mudou, começaram até a mandar os materiais já limpos”. Ela concluiu que “os catadores e catadoras limpam e tratam o meio ambiente, eles também atuam como educadores ambientais, são anos nesse trabalho que precisa ser transformado em política pública”.
Sobre educação e a invisibilidade dos profissionais, Luiz ponderou: “O catador é um elo importante na questão de educação ambiental. Muita gente de bem fala sobre educação ambiental, mas não sabe para onde vai seu lixo, nunca foi num lixão, numa cooperativa. Quem faz o trabalho de educador é o catador, que recolhe e leva o material”. Ele também notou que “a Política Nacional de Resíduos Sólidos tem que ser implementada de verdade. Dizem que o Brasil é o maior catador de latinhas do mundo, mas é a troco de quê? Hoje nem catam mais porque o alumínio não é mais valorizado. Tudo acaba sendo em cima da miséria do catador, temos que nos rever como país, estamos cansados da invisibilidade”.
Coronavírus
Sobre as dificuldades encontradas por catadoras e catadores durante a pandemia da COVID-19, Gilberto admitiu que o trabalho fica ainda mais difícil. “Agora temos que aguardar para pegar o material. Em alguns caso eu recomendo esperar o gari, para não acumular nas lixeiras. Alguns já estão com a doença, por isso paramos de ir a alguns lugares”. Já Tânia reiterou: “Nesse momento de pandemia é importante começar a ouvir catadores e moradores de rua. Pergunte para o seu catador o que ele precisa, escutem o que cada grupo e o que cada pessoa necessita, ajude nas campanhas”, pediu ela.
Na mesma linha, Claudete expressou sua preocupação: “Estamos impossibilitados de estar nas ruas fazendo nosso trabalho, por isso a importância da solidariedade com os catadores. Estou em casa desde março e agora estou começando a me organizar com outros catadores que estão voltando às atividades”. Ela também mencionou as dificuldades dos trabalhadores: “Estamos precisando de ajuda com cestas básicas. Somos profissionais, somos trabalhadoras e trabalhadores e as contas estão acumuladas. Infelizmente temos um governo completamente alheio a essa situação”.
E como ajudar? Clara destacou a todos, ao fim das falas iniciais, a origem da live, que é a campanha #ApoieUmCatador. “Catadores e catadoras prestam um apoio essencial à preservação do meio ambiente e, hoje, eles e elas correm muitos riscos durante a pandemia, incluindo o contato com material contaminado e o impacto no pagamento reduzido. Você também pode apoiar diretamente os catadores na sua rua, fazer a higienização dos materiais recicláveis e tomar cuidado com luvas e máscaras que não devem ir junto aos materiais recicláveis.” Todas essas informações e mais orientações podem ser vistas na página da campanha onde há também um link para doações.
Clara também convidou todos os participantes a compartilharem os vídeos do desafio #MostreSeuLixo (também disponíveis no Facebook da Rede Favela Sustentável) e, principalmente, postarem os seus próprios. Para mostrar apoio aos catadores, pode-se fazer um vídeo simples, caseiro, retratando os resíduos de sua casa: “Esses vídeos vão fomentar um debate público sobre como lidamos com nossos resíduos e trazer atenção para a Campanha #ApoieUmCatador,” explicou Clara, orientando que todos que postem vídeos incluam menção à hashtag da campanha e convidem seus seguidores a acessarem a página para terem mais informações sobre como apoiar catadoras e catadores durante a pandemia. “A ideia é que cada pessoa que faça o vídeo desafie três outras pessoas a postarem vídeos também, assim nós criaremos uma onda de engajamento e apoio”.
Cris dos Prazeres, do projeto ReciclAção e membro do GT, concluiu: “Cada vez que vejo autônomos e anônimos vindo buscar informações sobre EPIs (Equipamento de Proteção Individual) fico muito feliz, estamos passando por uma transformação pessoal e profissional. Essa luta inspira e fortalece a construção compartilhada, valorizando a ação ambiental. Parabéns à Rede!”
Assista à Live interativa aqui:
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras. A RFS tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil