Esta é a matéria final cobrindo os eventos do 3° Grande Encontro Anual da Rede Favela Sustentável, que aconteceu remotamente no dia 7 de novembro de 2020.
A Rede Favela Sustentável (RFS) é um projeto da Comunidades Catalisadoras (ComCat)* desenhado para construir redes de solidariedade, dar visibilidade e desenvolver ações conjuntas que apoiem a expansão de iniciativas comunitárias que fortalecem a sustentabilidade ambiental e a resiliência social em favelas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto começou em 2012 com a produção do filme Favela como Modelo Sustentável, tendo continuidade em 2017 com o mapeamento de iniciativas de sustentabilidade. Em 2018, o projeto organizou intercâmbios locais, especificamente, entre oito iniciativas mais duradouras e estabelecidas, e em seguida foi realizado o 1° Grande Encontro que lançou a RFS em 10 de novembro de 2018. Em 2019, o projeto realizou uma segunda rodada de intercâmbios—dessa vez abertos a todos os membros da RFS e ao público em geral—em projetos baseados em cinco favelas cariocas. As atividades de 2019 culminaram com o 2º Grande Encontro Anual de toda a Rede Favela Sustentável. Já em 2020, os Grupos de Trabalho seguiram se reunindo—remotamente devido à pandemia do novo coronavírus—realizando atividades variadas como rondas afetivas, aulas públicas, seminários, campanhas de captação, carta-compromisso com candidatos e um debate com os prefeitáveis. Para fechar o ano, a Rede Favela Sustentável realizou seu 3º Grande Encontro Anual, relatado abaixo e nesta série, com o objetivo de se encontrar como um todo, promover o fortalecimento mútuo entre mobilizadores socioambientais, avaliar as atividades da RFS em 2020 e mapear propostas conjuntas para 2021.
GT Hortas e Reflorestamento
Na tarde do 3º Grande Encontro Anual da Rede Favela Sustentável, o GT Hortas e Reflorestamento divulgou e apresentou os resultados da pesquisa realizada pelo grupo, durante o ano de 2020, sobre a chegada de alimentos de agricultura familiar, frescos e sem veneno—desde o início da pandemia—às favelas. A pesquisa surgiu a partir da necessidade do grupo de se reinventar durante a pandemia, junto com a campanha #TerçaComAutonomia que divulgava, nas redes sociais da RFS, vídeos sobre plantios, hortas e espaços de cultivo dos integrantes do grupo.
Os participantes também discutiram como a pandemia mudou a estrutura das reuniões e outras atividades do grupo. Lorena Portela, do projeto Horta Inteligente—facilitadora da roda de conversa e integrante do GT—disse que o fato de tudo ser online durante a pandemia trouxe ao grupo de trabalho “a vantagem de aumentar muito o número de encontros”.
A partir dos encontros do GT e da maior adesão surgiram as discussões para compreender a chegada de alimentos sem veneno nas favelas e quais eram os desafios da soberania alimentar no contexto das periferias e favelas no Rio de Janeiro, e essa discussão resultou na ‘LIVE: Comida sem Veneno: Privilégio ou Direito?‘ A repercussão da live gerou o debate no grupo acerca de como facilitar a chegada e criar pontes entre produtores e projetos que fazem a distribuição de alimentos frescos e orgânicos nas favelas.
A pesquisa surgiu então para ouvir as lideranças comunitárias sobre quais são os desafios e perspectivas para continuidade da distribuição dos alimentos. Com um mês de pesquisa o GT conseguiu levantar 60 respostas.
Durante a Roda de Conversa proposta pelo GT Hortas e Reflorestamento no Grande Encontro da RFS, Luiza Melgaço foi convidada a falar sobre o mapeamento realizado pela “Ação Coletiva Comida de Verdade”, conduzida pela plataforma Agroecologia em Rede.org. Este mapeamento tinha como objetivos entender como organizações sociais e mobilizações estavam levando comida para a população e garantindo que não houvesse momentos de fome, e compreender quais eram as respostas que os movimentos populares estavam dando para garantir acesso à alimentação para as pessoas a nível nacional em tempos de pandemia.
“A gente quer comida de verdade, a gente quer comida sem agrotóxicos, sem transgênicos, a gente quer que todo mundo possa acessar essa comida de qualidade e a gente acha que a resposta está sendo construída coletivamente pela sociedade”, explicou Luiza Melgaço da Ação Coletiva Comida de Verdade. A pesquisa realizada pela Ação Coletiva, ocorreu durante os meses de agosto a outubro, e levantou 23 experiências no Rio de Janeiro, tendo sido usada como base na construção e na articulação do questionário do GT Hortas.
Raisa Bessa, integrante do GT Hortas e Reflorestamento apresentou de forma parcial os dados levantados na pesquisa realizada pelo GT. A pesquisa intitulada de “Conexões entre agricultura familiar e favelas no Rio de Janeiro”, além de objetivar compreender como acontecia o abastecimento alimentar das favelas, também visava entender como promover a conexão dos agricultores locais com as iniciativas comunitárias.
A pesquisa, via formulário, levantou dados durante um mês e foi divulgada e respondida pelos integrantes da Rede Favela Sustentável. A partir da pesquisa foi possível levantar 49 iniciativas que trabalham com arrecadação e distribuição de alimentos nas favelas do Rio de Janeiro, sendo aproximadamente 65% dessas iniciativas atuantes com distribuição de alimentos frescos—alimentos provenientes da agricultura convencional, sem veneno e/ou agroecológica. O GT pôde perceber, através deste levantamento, que as iniciativas têm necessidade e o desejo de continuar acontecendo para além do momento de pandemia, e que 65% dos alimentos vêm das cooperativas de agricultores familiares, agricultores convencionais e agricultores urbanos e periurbanos.
Das 49 iniciativas, 19 já atuam com alimentos agroecológicos. A maioria dos projetos atendem de 50 a 200 famílias e a quantidade total de alimentos doados, somando todas as iniciativas, ultrapassaram 12 toneladas de alimentos agroecológicos distribuídos nas favelas da cidade. O principal desafio relatado pelas iniciativas é o transporte e o armazenamento dos alimentos. Os resultados serão lançados, com análise completa em 2021, com materiais digitais e em um boletim que será elaborado pelo próprio GT.
Durante a Roda de Conversa, houve relatos de pessoas que atuavam na distribuição de alimentos nas favelas. Élida Nascimento, integrante do GT Hortas e responsável pelo Projeto Inclusão, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense compartilhou que estimular a alimentação saudável em sua comunidade surgiu da preocupação em relação aos maus hábitos alimentares da população e a importância dos alimentos frescos para o bem-estar e saúde em geral da população, principalmente durante a pandemia: “Ficamos assustadas com a chegada dessa doença aqui. Pensamos em estimular a alimentação saudável e orgânica”, explicou Élida.
Élida também compartilhou que o projeto e a distribuição de alimentos frescos atuou de forma a conscientizar até mesmo os doadores, que geralmente preferem doar alimentos não tão nutritivos e que o projeto incentiva a doação de alimentos naturais, o que perpassa as questões de saúde.
De forma a dialogar com os resultados apresentados, Rosana Mendes, que coordena a Associação Harmonicanto – Música e Cidadania no Pavão Pavãozinho e Cantagalo, e integrante do GT, apesar de não poder estar presente, enviou sua mensagem ao grupo. Rosana também participou da pesquisa e apresentou sua experiência na distribuição de alimentos pela Harmonicanto, que atende aproximadamente 75 crianças e suas famílias. Ela comentou que durante a pandemia o projeto conseguiu fornecer uma cesta básica por mês para cada família. Devido à pandemia ela achou importante oferecer alimentos frescos e através de parcerias passou a fornecer, junto com as cestas básicas, cestas orgânicas e alimentos naturais. A experiência de Rosana exemplificou uma das dificuldades encontradas e mencionadas pelo GT, que é o contato com comunidades de agricultores agroecológicos. Devido a esta dificuldade Rosana comentou que seu projeto passou a adquirir, em alguns momentos, alimentos convencionais de hortifruti.
Nill Santos, da Associação Mulheres de Atitude e Compromisso Social (AMAC) atuante na Baixada Fluminense, compartilhou durante a roda de conversa, que a pandemia, apesar de avassaladora, fez com que as pessoas despertassem para o trabalho coletivo. O atendimento da AMAC passou de 100 famílias para mais de 6000 famílias atendidas com cestas básicas. Ela afirma que este atendimento só foi possível através de uma grande rede de amigos, que possibilitou essas doações. Em parceria com o projeto Crioula houve a distribuição das cestas orgânicas e neste movimento das cestas orgânicas vieram muitos alimentos desconhecidos e isso gerou, também, um movimento de promover a informação para mostrar à comunidade como fazer e preparar os alimentos.
Para os integrantes da roda de conversa do GT Hortas e Reflorestamento foi unânime que, este ano, houve muito engajamento coletivo, criativo e sustentável, para ajudar na superação dessa crise sanitária terrível nas favelas, e que a alimentação saudável é uma estratégia para a diminuição de letalidade do novo coronavírus nas favelas.
Homenagem a Ravengard Veloso
Durante o dia, os participantes prestaram homenagem ao recém-falecido Ravengard Veloso, morador da Vila Kennedy e protagonista do projeto Movimento Urbano de Alimentação – Vila Kennedy (MUDA VK). Ravengard havia sido atuante nos grupos de trabalho de Resíduos Sólidos e Hortas e Reflorestamento da Rede Favela Sustentável e veio a falecer no dia 22 de outubro de 2020, no dia em que participaria do debate com os prefeitáveis realizado pela Rede Favela Sustentável, fazendo uma pergunta aos candidatos.
Ravengard, querido por todos, atuou com a Rede Favela Sustentável na luta por um mundo mais verde e feliz. Seus conhecidos lhe fizeram homenagens extremamente comoventes, as quais ajudarão a manter seu legado vivo para sempre: “Em todas as atividades nossas de educação ambiental [na Vila Kennedy], ele estava presente, ou de forma física ou dando apoio… ele é uma pessoa que vai deixar muita saudade, mas que deixa o seu legado”, disse Geiza de Andrade, que também é moradora da Vila Kennedy e atuante no GTs Geração de Renda e Resíduos Sólidos da RFS.
“Ele foi embora mas ele deixou um legado para as comunidades… isso vai ficar perpetuado para cada um dos moradores, para cada um daqueles que tiveram contato com o Raven, essa pessoa generosa, tranquila”, foram as palavras de Ailton Lopes, integrante GT Educação Ambiental e segundo secretário da Associação de Moradores do Trapicheiros.
E como uma última homenagem, uma nuvem de palavras foi formada pelos membros da Rede Favela Sustentável durante o Grande Encontro da Rede, com o auxílio da tecnologia respondendo a pergunta:
Avaliação das Ações da Rede Favela Sustentável em 2020 e Encerramento do 3º Grande Encontro
A última atividade do dia consistiu na avaliação das atividades da Rede Favela Sustentável durante o ano. Theresa Williamson, diretora executiva da ComCat e moderadora do Grande Encontro, começou apresentando os resultados preliminares da pesquisa da Rede Favela Sustentável para 2020, como base para o planejamento de 2021. Em seguida, os grupos de trabalho tiveram quase uma hora para definir as prioridades para o próximo ano.
A artista Natalia Meléndez Fuentes preparou uma arte para apresentar as propostas no planejamento de 2021 da Rede Favela Sustentável (recomendamos clicar em cima para visualizar bem):
Com focos em “fortalecer os projetos”, “interação”, “conexão”, educação”, “troca de saberes” e temas semelhantes, ficou claro através da nuvem de respostas a pergunta “O que mais quer ver a RFS realizar em 2021?” que a demanda principal é para continuar construindo o que a RFS vem realizando: um pontente e forte movimento comunitário socioambiental nas favelas do Rio.
Para encerrar esse dia especial—que em 2020 precisou ser diferente devido à pandemia—foi possível, mesmo que virtualmente, compartilhar um dia inteiro de aprendizados e de atividades com diferentes temas e abordagens. Theresa também solicitou a todos os participantes que compartilhassem uma palavra de desejo para a rede e para o mundo em 2021 e daí apareceu a nuvem abaixo:
Como última atividade, a Rede Favela Sustentável convidou todos a plantar o amanhã de forma simbólica. Todos que estavam presentes foram convidados a trazerem uma planta e colocá-la próxima, e a articuladora da RFS, Gisele Moura, fez o plantio ao vivo de uma semente.
Para encerrar com chave de ouro o dia e o ano da Rede Favela Sustentável tivemos duas participações artísticas no fim do evento. Maria Consuêlo Pereira dos Santos recitou a música “O progresso“, de Roberto e Erasmo Carlos, e leu uma poesia chamada “Águas Internas”, escrita por Hannah Cavalcanti durante a pandemia, o que trouxe uma mensagem sobre a fertilização através da luta, das lágrimas. Em seguida, Irenaldo Honório da Silva cantou sua música, “Esperança”, com uma linda mensagem para encerrar as atividades de 2020. Com muita esperança, clamaram por um próximo ano de cura, com ainda mais união, de muita luta e realizações sustentáveis para as favelas.
“A esperança depende de nós
Unir nossas forças em uma só voz
Somos todas as raças em um coração
Pulsando no peito com toda emoção.”Irenaldo Honório da Silva
Esta é a matéria final cobrindo os eventos do 3° Grande Encontro Anual da Rede Favela Sustentável, que aconteceu remotamente no dia 7 de novembro de 2020. Leia todas aqui.
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras. A RFS tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil.