Parem de Nos Matar! Jacarezinho Sofre a Maior Chacina da Cidade do Rio #OQueDizemAsRedes

Quarto da criança de 8 anos que assistiu à execução de uma das vítimas mortas. Foto: Pedro Padro
Quarto da criança de 8 anos que assistiu à execução de uma das vítimas mortas. Foto: Pedro Padro

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Esta matéria faz parte da série #OQueDizemAsRedes que traz pontos de vista publicados nas redes sociais, de moradores e ativistas de favela, sobre eventos e temas urgentes. 

À luz do dia, televisionada por canais de mídia, a Polícia Civil do Rio de Janeiro mata 24 pessoas no Jacarezinho, a favela mais negra da capital.

Rio de Janeiro, 6 de maio de 2021—Equipes da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais da Polícia Civil (CORE) iniciam uma operação policial na favela do Jacarezinho, Zona Norte. Eram nove horas da manhã quando o coletivo Laboratório de Dados e Narrativas, LabJaca, informou: “Hoje o Jacarezinho acordou debaixo de tiros, como não se via há muito tempo. São três baleados até o momento, um policial civil e dois trabalhadores que estavam no metrô”. O coletivo pede: “Fica ligado morador! Nossa proteção em primeiro lugar!” Pelas redes sociais, moradores da comunidade, relataram: “Estamos presos dentro de casa sufocando com a bomba de pimenta e não tem como sair”, enquanto um helicóptero blindado—conhecido como caveirão aéreo—sobrevoava um mar de casas de tijolos. Tratava-se da Operação Exceptis.

Segundo a Polícia Civil, a Operação Exceptis se deu devido a investigações que apontam que crianças e adolescentes da região estavam sendo aliciados por traficantes para integrar a facção que domina o território.


Era só o começo da barbárie e de um dia de terror para 37.000 moradores do Jacarezinho—população estimada pela Prefeitura do Rio. Ao longo do dia, o número de feridos e mortos foi aumentando assustadoramente. Até o meio dia, a polícia já confirmava 15 mortos. Às 13h04, já com organizações de direitos humanos no local, em nova atualização, o número da carnificina seria novamente atualizado.

Foram 29 pessoas baleadas durante a operação policial no Jacarezinho, entre elas três policiais civis, com 25 pessoas mortas: 24 civis e um policial na incursão de agentes de segurança do Estado mais letal da história do Rio de Janeiro, de acordo com levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da UFF e da plataforma Fogo Cruzado. A operação durou mais de sete horas.

O policial civil André Farias, de 45 anos, alvejado na operação, chegou a ser levado para o Hospital Salgado Filho, no Méier, mas veio a óbito. Foi o único encaminhado para receber atendimento médico entre as pessoas baleadas dentro da favela do Jacarezinho durante a intervenção policial.

A violência da ação alcançou dois passageiros que estavam no trem da linha 2 do metrô, sentido Zona Norte, que corta a favela do Jacarezinho entre as estações de Maria da Graça e Triagem. Rafael Silva, de 33 anos, e Humberto Gomes Duarte, de 20, foram alvejados por balas perdidas durante a operação policial. Segundo as informações da Secretaria Municipal de Saúde, Rafael foi levado para o Hospital Salgado Filho e deixou a unidade à revelia. Humberto foi levado para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, e está com o estado de saúde estável.

A Operação Exceptis aconteceu três semanas após a audiência pública do STF, sobre a ADPF 635, com objetivo de produzir estratégias para redução da letalidade nas favelas em operações policiais no Rio de Janeiro. Na audiência, realizada em 19 de abril, mais de 100 organizações foram ouvidas, incluindo moradores que pertencem a movimentos sociais das favelas e mães vítimas de violência de Estado—que foram ouvidos como amigos da corte—além de entidades de direitos humanos e especialistas em segurança pública, dentre elas, o Instituto Fogo Cruzado.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

“Monitoramos ações no Jacarezinho há cinco anos. Infelizmente, existe um histórico de ações muito violentas registrado lá, principalmente quando há morte de policiais, o que é classificado como operações de vingança. Desde que o Fogo Cruzado começou a monitorar os dados, registramos 269 tiroteios no Jacarezinho, com 68 mortos e 67 feridos”, afirma Maria Isabel Couto, Diretora de Programas do Instituto Fogo Cruzado.

De acordo com dados analisados por Maria Isabel, em cinco anos, apesar das operações policiais representarem 35% do total de tiroteios na localidade, das 68 mortes, oficialmente, 60 ocorreram por ação de agentes de segurança do Estado, o que equivale a 88% das pessoas mortas por perfuração por armas de fogo (PAF). No total de feridos, a polícia foi a responsável por 85% dos casos.

“A população do Jacarezinho tem um histórico de sofrer com incursões policiais muito violentas, que deixam marcas indefensáveis no número de mortos e feridos. Mas, não é só para feridos e mortos que a gente precisa olhar. Toda uma população está sob a violência destas operações. Hoje uma moradora não conseguia sair de casa para se casar, outra, grávida, estava com cesárea marcada e não conseguia [ir]. Temos um bebê já na ponta sofrendo essa violência”, ressalta Maria Isabel Couto.

De acordo com a pesquisadora Terine Husek Coelho, que analisou dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015—se o número de mortes de agentes de segurança aumentam em uma localidade, de imediato aumenta a probabilidade de homicídios contra cidadãos no mesmo local em 1150% no mesmo dia, e de 350% no dia seguinte e, em 125% entre cinco e setes dias após óbito de um policial.

Em uma matéria publicada pelo LabJaca, Pedro Paulo, pesquisador do Centro de Estudos de Segurança Pública (CESeC) e do LabJaca reflete que “os dados ilustram um conhecimento que o morador do Jacarezinho e de outras favelas já tem. Em 2017 e 2018, respectivamente, quando um policial da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) da Polícia Civil morreu em outra operação como a de hoje e um delegado foi encontrado morto nas proximidades do morro, a Polícia Civil realizou duas semanas de operações-vingança na favela do Jacarezinho”.

Para Maria Isabel, do Fogo Cruzado, independentemente da Polícia Civil ter comunicado ou não ao STF sobre a operação—como é previsto na ADFP 635, que proíbe intervenção da polícia nas favelas, autorizando somente em casos de excepcionalidade, a operação desta última quinta-feira no Jacarezinho, é um exemplo claro do que agentes do Estado não devem fazer.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

“Não tem como chamar de sucesso uma operação com 25 mortos. É muito importante que a decisão da ADFP não seja enxergada como uma barreira meramente de tecnicalidade. O objetivo não é só impedir as operações, mas repensar o modelo de segurança pública não só no Rio de janeiro, mas em todo o Brasil. Há uma concepção errônea do que é segurança pública. O Estado de Direito está atrelado ao uso da força, mas não se pode fazer justiça com as próprias mãos. O legado da polícia é proteger e não matar”, pondera.

“As forças de segurança das polícias existem para garantir a nossa vida, nossa segurança é um direito constitucional. A partir do momento em que ações desses agentes causam ainda mais mortes e violência, fica claro que o modelo está errado”, analisa. No ano passado, de acordo com dados do Fogo Cruzado, 25% das mortes no Rio de Janeiro foram ocasionadas por intervenção policial.

A decisão do STF em suspender as operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus não impede as intervenções dos agentes nas comunidades. O número de pessoas vitimadas em ação viola a ADPF das Favelas. Segundo a Polícia Civil, a comunicação ao MP foi feita com a operação em curso.

O Que Dizem As Redes: #ChacinaDoJacarezinho

Ao longo de todo o dia, os relatos dos moradores nas redes sociais evidenciavam o estado de vulnerabilidade, de pânico e medo dentro do Jacarezinho. Maria* informou ao RioOnWatch: “Eles estão tudo dentro de uma casa. Eles querem se entregar, mas a polícia tá matando”. João*, denunciava a invasão de casas e que os policiais “estavam matando a facadas”.

Com a entrada, na favela, de integrantes da Comissão de Direitos e Cidadania da Alerj e da Ordem dos Advogados do Brasil, além de jornais comunitários, imagens e mais relatos de violações de direitos humanos chegaram as redes sociais. O Voz das Comunidades publicou imagens com rastros de sangue deixados em diversas partes do Jacarezinho.

A médica Nayara Rocha, fez um post criticando a ação e, assim como ela, moradores ressaltaram como a população da favela, em meio à pandemia, convive com uma política de gestão da morte—daqueles considerados matáveis—pelo Estado.

O Instituto Marielle Franco fez um post denunciando a parcialidade da mídia, no qual uma notícia publicada pelo G1, teve o título corrigido.

Uma Capital Marcada por Chacinas e Violações de Direitos Humanos

Dezenas de denúncias de moradores do Jacarezinho de violações de direitos humanos foram relatadas na internet. A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB RJ e a Defensoria Pública do Rio, foram ao local no início da tarde desta quinta-feira, dia 6. Uma das denúncias que mais chamou a atenção da Comissão foi uma foto que mostra o corpo de uma pessoa negra colocada em uma cadeira, sentado, com um dos seus dedos na boca, em uma posição de deboche. De acordo com o procurador da Comissão, Rodrigo Mondego, as denúncias são graves e o responsável pode ter sido um agente do Estado.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro informou que está acompanhando com muita atenção por meio da Ouvidoria e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos. Eles ouviram moradores sobre as circunstâncias da operação para avaliar as medidas individuais e coletivas a serem adotadas. “Desde já, manifestamos nosso pesar e solidariedade aos familiares de todas as vítimas de mais essa tragédia a acometer nosso estado”, afirma em nota a Ouvidoria.

Cecília Oliveira, jornalista do The Intercept, publicou que uma criança de oito anos, assistiu a uma execução.

A Deputada Estadual Renata Souza, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, manifestou-se no Plenário da Câmara dos Deputados contra o massacre no Jacarezinho, ressaltando que a Polícia Civil do Rio de Janeiro, não pode aplicar pena de morte.

Ela também ligou para o Governador Claudio Castro para perguntar sobre as circunstâncias em que foi organizada a Operação Exceptis, da Polícia Civil. Castro respondeu à deputada que pedirá à Polícia relatório minucioso sobre a operação. A parlamentar quer saber se a operação respeitou o protocolo que trata de casos de exceção à decisão do STF de proibir operações policiais durante a pandemia. Também vai pedir informações sobre os laudos cadavéricos. O governador informou à deputada que vai requisitar da Polícia Civil um relatório minucioso sobre a operação.

“Em plena pandemia, com todas as dificuldades de miséria que a população da favela enfrenta, não é razoável ainda submeter uma comunidade a toda essa violência, ainda mais diante da decisão do STF em vigor que determinou a suspensão de operações policiais nas favelas”, afirmou Renata Souza. Ela conclui: “Ninguém aqui está questionando a necessidade de investigação e responsabilização de quem promove o crime armado nos territórios, mas a inteligência policial precisa evoluir para métodos, estratégias e ações que não exponham a comunidade ao terror e ao risco de morte numa operação dessas”, disse ainda a deputada.

Sete deputados estaduais do Rio de Janeiro, segundo assessoria parlamentar, irão entrar com uma representação no Ministério Público, no Supremo Tribunal Federal, na ONU e na OEA contra as violações de direitos humanos ocorridas na Operação Exceptis, da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Segundo o laboratório de dados de violência Fogo Cruzado, este é o maior registro de chacina (com três ou mais vítimas) desde 2016 no estado, com 24 pessoas mortas, sendo 23 consideradas suspeitas pela polícia e um policial civil morto.

Hoje dia, 7 de maio, foi enviado à ONU e à OEA informe sobre às violações cometidas na favela do Jacarezinho. As entidades solicitam que seja garantida uma investigação independente, conduzida por órgão alheio às forças de segurança envolvidas na operação.

A denúncia feita pelo coletivos Mães de Manguinhos, Redes da Maré, Instituto Marielle Franco e Coletivo Papo Reto, Conectas Direitos Humanos e Justiça Global, apela à ONU e à OEA para que seja cobrado do Estado brasileiro um posicionamento diante do ocorrido, assim como uma investigação dura e independente e uma manifestação clara em defesa dos direitos básicos.

Na manhã de hoje, 7 de maio, movimentos de mães vítimas de violência de Estado e o Movimento Marcha das Favelas fizeram um ato em frente à entrada da comunidade do Jacarezinho.

Coletivos, ONGs e associações do Jacarezinho, no final da tarde de ontem, 6 de maio, lançaram uma nota pública em repúdio a operação deflagrada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), com o apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE). 

“Uma pessoa morta dentro do quarto de uma criança de 8 anos protege quais crianças? Quais direitos estão sendo garantidos? Como se já não bastasse estarmos morrendo por uma doença pela qual já existe vacina, ainda somos submetidos a um cotidiano de brutal violência por parte do Estado. Não há outro nome para o que acontece nas favelas e periferias, o que vivemos é genocídio contra a população negra desse país”, afirma a nota, que também convocou para um ato público, que teve início às 17:00h desta sexta-feira, dia 7, em frente à quadra da G.R.E.S Unidos do Jacarezinho.

Foto: Renato Moura/ Voz das Comunidades

*Nomes fictícios foram utilizados para a segurança dos moradores.


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