Por volta das 11:00hs do dia 15 de maio, uma quarta-feira, Maria de Conceição, de 57 anos, estava tomando banho em sua casa de madeira na favela Bandeira 1 em Del Castilho, Zona Norte, quando ouviu seus netos gritarem “fogo!”
“Eu achei que era brincadeira deles, mas quando vi minha neta cheia de pastas de documentos… pensei pronto. Me desesperei, coloquei a roupa e sai”, lembra ela, de pé em frente aos restos chamuscados das 180 casas afetadas. “Foi muito rápido o fogo, muito rápido. A única coisa que deu para tirar foram os documentos”.
Ninguém sabe como o fogo começou, mas desde então as chamas varreram a comunidade destruindo 180 de 250 casas da comunidade. Na ausência de apoio do governo, os moradores se uniram em torno de todos aqueles que ficaram desabrigados e que tiveram que dormir no chão das casas dos vizinhos, dependendo de doações de roupas e alimentos, depois de perderem tudo.
Neste estado de emergência em uma comunidade já muito pobre, nesta quinta-feira 24 de maio, agentes do escritório do sub-prefeito da Zona Norte chegaram com a polícia e autoridades da prefeitura com um caminhão de lixo ameaçando demolir as estruturas remanescentes, deixando toda a comunidade sem-teto. A tensa manhã com confusão, desespero e protesto terminou com as autoridades prometendo que iriam verificar se alugueis sociais seriam pagos, e um tempo foi concedido para os moradores arranjarem alojamento antes que eles retornem para demolir as casas restantes. A polícia e as autoridades locais foram embora na hora do almoço, e logo após a Defesa Civil distribuiu 50 colchões como auxílio temporário para a situação urgente da comunidade.
Fundada em 2000, a favela Bandeira 1 está situada sob o viaduto Engenheiro Alvarino José da Fonseca que fica ao lado da Supervia, próximo ao Norte Shopping, em Del Castilho. Diferente de comunidades mais consolidadas, as casas em Bandeira 1 são feitas dos materiais disponíveis e as condições são precárias. Enquanto vizinhos não atingidos pelo incêndio acolhem os atingidos, compartilhando o pouco que eles têm, a comunidade está pedindo ajuda do governo neste momento de crise, em que muitas crianças foram afetadas e moradores estão incapacitados para trabalhar, agravando a situação deles.
Carlos Eduardo, um trabalhador e morador da Bandeira 1 ha dois anos, perdeu sua casa no incêndio e não pode ir trabalhar já que ele está em busca por um lugar para sua família. “Eles querem derrubar de qualquer jeito e sem querer dar nada para a gente. E a gente vai morar onde, a gente vai viver onde?” Ele continuou: Ninguém quer viver assim. Ta difícil. Não tem mais lágrima para chorar, nem palavra para falar. Aqui é fogo”.
Maria da Conceição, uma das fundadoras da comunidade, ecoa as palavras de Carlos. Como a guardiã de seus seis netos após a morte de sua filha em novembro de 2011, ela também precisa urgentemente de alojamento. Ela diz: “Todo mundo fica triste porque as pessoas moram aqui tanto tempo esperando uma coisa melhor, uma solução para os problemas da gente e a gente não tá vendo solução nenhuma”.
As únicas soluções oferecidas pelas autoridades até agora têm sido acomodações em abrigos, o que os moradores recusaram por medo de não ser seguro para suas crianças, e que eles serão esquecidos, assim como o aluguel social de R$400. Agentes e autoridades da prefeitura chegaram, na tarde do incêndio, para registrar os moradores para o aluguel social, no entanto, em vez de realizar o cadastro na comunidade, conforme solicitado pelos líderes da Associação de Moradores, os agentes foram fazer os cadastros em cima do viaduto. O que levou a uma confusão em relação a quem era morador da comunidade, pois ali estavam misturadas com pessoas que desciam dos ônibus ou transeuntes, que conforme relatos, se inscreveram como moradores da Bandeira 1, deixando sem recursos moradores com a real necessidade.
Desde então, apenas 21 das 250 famílias receberam a quantia de R$400. No entanto, como os moradores repetidamente exclamam, é impossível alugar um lugar com essa quantia, já que os proprietários exigem dois ou três meses de alugueis como depósito. Para o vice-presidente da Associação de Moradores, Marcos Rodrigues Gomes de Santos, esta é uma grande preocupação: “Estou mais preocupado com a moradia para o povo. Não adianta dar um cheque de R$400 que não dá para morar”.
Habitação alternativa não está sendo oferecida, mesmo estando a prefeitura construindo milhares de unidades do programa Minha Casa Minha Vida. Na verdade, alguns moradores de Bandeira 1 já tentaram se inscrever no programa, que é projetado para fornecer habitação acessível para as famílias mais pobres do Brasil.
A cabeleireira Maria Claudia Alves, 27 anos, perdeu tudo, exceto seus documentos no incêndio da semana passada e está hospedada, junto com sua filha, no tapete do barraco de um amigo. Ela conta a história de quando ela foi se registrar no programa Minha Casa Minha Vida, quando chegou ao Rio de Janeiro vinda do estado do Ceará, há quatro anos, dizendo: “Tem muitas pessoas que trabalham que querem fazer acordo com o projeto MCMV, mas como? Cheguei à Caixa faz um ano para saber como poderia entrar no projeto. Eles me pediram R$10.000 para entrar no projeto MCMV… É brincadeira. Não faz sentido”.
Enquanto grupos da comunidade, a igreja, a creche local e o shopping center têm sido rápidos para organizar doações e apoio para a Bandeira 1, a resposta das autoridades tem sido, até agora, inconsistente e totalmente inadequada. A Secretaria Municipal de Habitação (SMH) não fez nenhuma aparição. Alguns moradores relatam que, em vez de prestar ajuda alguns agentes ameaçaram a comunidade com a demolição imediata. Maria Claudia também fala da presença da polícia armada: “Todo mundo cansado e estressado e eles vem ficar com essas armas ali. Para mim isso é intimidar os moradores”.
Após intensos esforços para aumentar a conscientização por parte dos jornalistas comunitários, incluindo os fotógrafos cujos trabalhos acompanham este artigo, na noite passada um representante da Secretaria de Assistência Social do governo do Estado afirmou que os órgãos do governo estão cientes da situação e estarão visitando a comunidade. Enquanto isso, os moradores esperam com medo das autoridades que até agora mostraram pouco interesse em seu bem-estar. Com tristeza em seus olhos, Maria da Conceição diz: “A gente fica com medo que eles vão vir derrubar tudo. A gente fica com medo de repente acontecer alguma coisa com a gente aqui, a gente não sabe”.
Fotos por Léo Lima, Ratão Diniz e João Lima.
As doações estão sendo aceitas na Favela Bandeira 1 – Rua Domingos Magalhães, 750, Del Castilho / Maria da Graça, sob o viaduto Nova América. Fale com Kelly, Isaac, Cristiane, ou Marcos (moradores). Ou ligue para Léo Lima (9247-5067) ou Ivana Baiana (9605-0937).