O evento de encerramento do Festival Internacional do Termo Territorial Coletivo inaugural de 2021 foi a live “Os TTCs e a Mobilização Comunitária“, que aconteceu no dia 07 de dezembro e teve a participação de lideranças de Termos Territoriais Coletivos (TTCs) dos Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica e Porto Rico. O evento foi organizado pelo Center for CLT Innovation, e contou com tradução simultânea para espanhol, inglês e português.
De setembro a dezembro de 2021, houve a primeira edição do Festival Internacional do Termo Territorial Coletivo. O festival foi composto por uma série de eventos que tiveram o objetivo de explorar e debater o TTC e temas relacionados. Assim, foram reunidos representantes de TTCs que compartilharam suas experiências a partir do trabalho com o modelo, dando um panorama sobre como se encontra atualmente o movimento mundial dos TTCs. O ponto alto do festival foi o Dia Mundial do TTC—29 de outubro—quando centenas de moradores e lideranças pelo mundo compartilharam mensagens celebrando o Termo Territorial Coletivo.
O evento que marcou o fim deste ciclo foi o webinário “Os TTCs e a Mobilização Comunitária”. O evento abordou a importância da mobilização comunitária para a criação e manutenção de um Termo Territorial Coletivo. Foram chamadas lideranças de TTCs que começaram atuando como mobilizadores locais e depois se envolveram no próprio TTC.
A discussão online começou com uma breve reflexão sobre como foi o processo de tornar-se um mobilizador comunitário, na qual todos os participantes compartilharam suas experiências. Ashley Allen, diretora executiva do Houston CLT, conta que começou trabalhando com a população de rua da cidade e logo decidiu se dedicar à luta por moradia economicamente acessível, sempre a partir de um trabalho de base junto às comunidades. Dentro desse movimento, o TTC apareceu como ferramenta capaz de responder a muitos de seus anseios:
“Eu sempre quis focar em como criar moradia acessível e como manter um estoque de moradias acessíveis em cidades que estão passando por um rápido processo de gentrificação. Na criação do Houston CLT, a própria comunidade liderou esses esforços por muitos anos.”
Estimular o engajamento dos moradores, entretanto, nem sempre é uma tarefa fácil. Muitas vezes, a desconfiança com algo novo acaba afastando pessoas das instâncias de organização, dificultando o trabalho de base. Segundo Ashley, uma das formas de alcançar as pessoas é participar do dia-a-dia da comunidade, frequentando espaços comuns como mercados e praças e falando com os moradores no seu ambiente:
“Você tem que construir laços… Você tem que ir até onde as pessoas estão. Foi assim que a mobilização começou: na própria comunidade.”
Podemos ver um outro exemplo de como a organização comunitária é essencial para o TTC na cidade de Boston. Nos anos 1980, o bairro de Dudley se encontrava em uma situação trágica: lixo espalhado pelas ruas, casas em condições precárias, terrenos vazios concentrando entulhos. Enfim, toda a paisagem revelava um abandono profundo. Juntos, os moradores se organizaram para lidar com os problemas que afligiam sua comunidade e buscar soluções para possibilitar uma transformação completa do bairro.
Essa história foi contada por Tony Hernandez, diretor do Dudley Neighbors Inc., um dos TTCs mais conhecidos do mundo. O TTC teve um papel central no processo de renovação do bairro de Dudley, garantindo melhorias territoriais e ao mesmo tempo mantendo a moradia a preços acessíveis. Ao mostrar como o bairro se transformou ao longo das décadas, Tony nos alerta que nada disso teria sido possível sem o protagonismo dos moradores:
“É sempre a partir da comunidade, a partir das pessoas. O que vocês viram nas imagens é o resultado de pessoas se unindo e se organizando para obter um impacto sobre a revitalização física de um bairro.”
Saindo dos Estados Unidos e migrando para a Europa, Geert de Paul nos apresentou a história do Brussels CLT, situado na capital da Bélgica, Bruxelas. Ele foi o primeiro TTC instituído na Europa continental, em uma cidade que passava por uma verdadeira crise de moradia acessível, onde boa parte da população não conseguia pagar o preço de mercado por moradia. O movimento em torno do TTC nasceu a partir de um reconhecimento da ausência de políticas existentes para promover o acesso à moradia, e um desejo de procurar uma solução que partisse da população. Segundo Geert, cada vez mais:
“Cresceu a ideia de que talvez nós não devêssemos só exigir que políticos construam moradias acessíveis para os pobres, mas que também precisamos mobilizar pessoas com necessidades habitacionais para se tornarem parte da solução”.
A adoção do Termo Territorial Coletivo como solução habitacional para as cidades não é uma exclusividade de países do Norte Global. Aqui na América Latina temos uma experiência inspiradora de um TTC instituído em um conjunto de favelas, situadas no centro da capital de Porto Rico, a cidade de San Juan. O Fideicomiso de la Tierra Caño Martín Peña é um dos raros casos em que um TTC foi aplicado no contexto de favelas e vem servindo de exemplo mundial, tanto por conta das melhorias obtidas para a comunidade, quanto pelo grau de mobilização alcançado.
Quem narrou essa experiência foi Alejandro Cotte Morales, uma das lideranças envolvidas na criação e manutenção do TTC de Porto Rico, hoje na sua direção. Desde o início, o processo de construção do TTC se deu em um contexto de ameaças de remoção das comunidades centenárias do Caño: “As pessoas tinham medo de desaparecer enquanto comunidade, já que muitas comunidades do entorno haviam desaparecido, como parte de um processo de gentrificação. Dessa forma, esse medo de desaparecer obriga às lideranças comunitárias a identificar alternativas que nos protejam enquanto comunidade”. A alternativa foi encontrada no modelo do TTC. Após muita luta, os moradores conseguiram instituí-lo oficialmente com a Lei 489, de 2004.
Ao falar da sua experiência no Caño Martín Peña, Alejandro não deixa de reforçar o papel imprescindível do trabalho coletivo para o TTC:
“A mobilização comunitária é a coluna vertebral de todo TTC. Não pode haver um TTC se não se trabalha com a mobilização comunitária. As pessoas são o centro: não podem ser objetos, mas sim sujeitos. Devem ser protagonistas de seus processos.”
Todas essas experiências internacionais com o TTC, apesar de existirem em contextos tão diferentes, apontam para caminhos comuns. Sem um envolvimento dos moradores, sem um movimento que parta efetivamente de baixo para cima, não é possível estabelecer verdadeiramente um Termo Territorial Coletivo. Trata-se de um trabalho de longo prazo, com inúmeros desafios pelo caminho, mas é só a partir de um processo de mobilização maduro e permanente que se torna possível alcançar uma solução duradoura.
A partir dos depoimentos dos painelistas, podemos ver como a dimensão da mobilização comunitária é indissociável do TTC, e iniciativas com um grau elevado de engajamento e participação dos moradores têm muito mais potencial de alcançar seus objetivos. Não se trata de um mero detalhe. A mobilização comunitária é um dos pilares do TTC, fundamental para, nas palavras de John Davis (presidente do Center for CLT Innovation): “garantir o coletivo em Termo Territorial Coletivo”.