Depois de dois anos, a marcha do Dia Internacional da Mulher voltou a ocupar as ruas de todo o país no 8M. Houve manifestações em pelo menos 40 cidades. No Rio, a concentração aconteceu na Praça da Candelária, no Centro da cidade, e percorreu a Avenida Rio Branco até chegar à Cinelândia. O lema “Basta de Fome e Violência: Bolsonaro Nunca Mais!” foi defendido através de cartazes, cantos e discursos do alto do carro de som.
Por causa do contexto pandêmico, nos últimos dois anos, as mobilizações do 8 de março foram apenas virtuais. Nesse reencontro com as ruas, as mulheres trouxeram uma ampla agenda de reinvindicações, desde a descriminalização ou a legalização do aborto—pauta tradicional do movimento—às consequências da pandemia, que atingiram de forma distinta homens e mulheres, mulheres brancas e mulheres negras. Estiveram reunidas mulheres do campo e da cidade, mulheres indígenas, mulheres trans e travestis, além de muitas crianças.
O 8M, como é conhecida a data, é um momento de celebração, mas sobretudo de luta. A violência, o desemprego e a fome atingem de forma desigual as mulheres—especialmente as mulheres negras, indígenas e LGBTQIA+. Não por acaso, o primeiro item na agenda de luta, listado na convocatória do ato, é a defesa da vida das mulheres.
A violência contra a mulher no Brasil acontece, principalmente, dentro de casa. A chegada da pandemia deixou as mulheres mais expostas à violência doméstica. Houve uma intensificação da permanência das mulheres no ambiente familiar junto a seus agressores e isoladas o bastante para não denunciar, o que teve duras consequências.
A edição de 2021 do relatório Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, levantou que quase 6 milhões de brasileiras relataram ter sofrido ameaças de violência física como tapas, empurrões ou chutes. Ainda de acordo com a pesquisa, oito mulheres foram agredidas fisicamente por minuto no país no ano de 2020. Segundo o Anuário de Segurança Pública (2021), no mesmo ano, quase 4.000 mulheres foram assassinadas. Isto é, o Brasil mata, em média, uma mulher a cada duas horas. O cenário agrava-se ainda mais para as mulheres trans e travestis: o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo.
A Política no Cotidiano das Mulheres
Houve, ainda, cartazes em protesto à militarização da vida, expressos em faixas contrárias aos conflitos entre Rússia e Ucrânia e lembrando a problemática fala de Arthur do Val, deputado estadual de São Paulo, que era até então pré-candidato ao governo do Estado de São Paulo. Após uma viagem à Ucrânia para suposta ajuda humanitária, ele teve um áudio vazado em que afirmava que as mulheres ucranianas eram “fáceis porque eram pobres“.
Arthur do Val não foi o único parlamentar alvo de críticas. O Presidente Jair Bolsonaro e o governador do Rio de Janeiro Cláudio Castro também foram lembrados nas faixas e nas falas do carro de som. Mulheres indígenas levaram cartazes contra o chamado marco temporal, uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que, se aprovada, delimita as reservas indígenas aos territórios ocupados pelos povos originários na época da promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. Para as representações indígenas, a ação impede a demarcação de novas terras e ignora violações ocorridas naquele período, como expulsões, contaminação e morte de aldeias inteiras, avanço do agronegócio e desmatamento, por exemplo.
Do alto do carro de som, uma liderança indígena lembrou a árdua batalha que os povos têm travado contra o Governo Federal, que vem fragilizando as legislações que protegem as aldeias e asseguram direitos e serviços básicos aos indígenas, expondo-os à fome, doenças, invasões e violências. O enfraquecimento da Funai, principal órgão de proteção e assistência aos indígenas no país, também foi lembrado.
Marielle Viva e Presente!
Na próxima semana, dia 14 de março de 2022, completam quatro anos desde o assassinato da Vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes. Até hoje, a investigação, cercada por idas e vindas e já em seu quinto delegado, ainda não conseguiu desvendar quem foram os mandantes do assassinato da vereadora. A parlamentar, uma mulher negra, cria do Complexo da Maré e LGTBQIA+, mantinha uma agenda política de atuação próxima aos movimentos negro, feminista e de favela. Marielle foi lembrada em discursos, estandartes, faixas e cartazes.
Ativistas da Casa Nem, organização que acolhe e abriga pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social no Rio, também levaram faixas em homenagem à vereadora.
Desemprego e Vulnerabilidade Social
Historicamente, o desemprego sempre atingiu mais às mulheres, mas a pandemia da Covid-19 agravou esse cenário, alargando ainda mais o abismo entre elas e os homens. Considerando apenas a população com idade para trabalhar, 55% dos homens estão ocupados, enquanto entre as mulheres esse índice é de 40%. No pior período da pandemia, no terceiro trimestre de 2021, o índice chegou a 39%. Os dados são do último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A renda dos brasileiros encolheu durante a pandemia. Com menos oferta de trabalho e produtos básicos com preços mais altos, a vida nas cidades ficou mais cara. Apesar desse contexto atingir a todos, as mulheres foram mais fragilizadas do que os homens. Mulheres pretas e pardas foram mais atingidas do que as brancas, isso porque a pandemia acentuou problemas sociais e raciais estruturais da sociedade brasileira. As obrigações domésticas e o cuidado com as crianças afastadas das escolas e creches por conta da pandemia fizeram crescer a carga de trabalho das mulheres, afastando-as ainda mais do mercado de trabalho formal e informal e afetando sua renda.
A Luta É pela Vida das Mulheres
A mobilização do Dia Internacional das Mulheres é um dos momentos mais importantes no calendário da luta feminista. Ainda que o contexto limite os motivos para comemorações, a marcha é um momento de celebração do poder de auto-organização, da mobilização e do empoderamento feminino, um espaço no qual todas as mulheres são bem-vindas: “É pela vida de todas as mulheres, hoje e sempre!”