O Portal da Terra (Land Portal) e a Rede de Jornalismo de Soluções (Solutions Journalism Network) promoveram, virtualmente, em 9 de março o webinário “Comunicação sobre Questões Ambientais e Fundiárias: A Abordagem do Jornalismo de Soluções”. O evento contou com uma audiência internacional, composta por pessoas da Nigéria, Tanzânia, Namíbia, Ruanda, África do Sul, Etiópia, Zimbábue, Quênia, Uganda, República Democrática do Congo, Moçambique, Colômbia, Equador, Brasil, Belize, Canadá, Espanha, Holanda, Suécia, Índia, Filipinas, Bangladesh, Cingapura e Emirados Árabes Unidos.
O objetivo do webinário foi entender melhor o papel do jornalismo no acesso inclusivo à terra e à proteção do meio ambiente. Além disso, compartilharam como o Land Portal pode ser uma ferramenta útil para levantar dados, produzir conhecimento e defender o direito à terra a nível global. Essa parceria, entre o Land Portal e a Rede de Jornalismo de Soluções, tem como objetivo alcançar e publicizar novas soluções para as questões ambientais e fundiárias, além de disputar a percepção, o interesse e o engajamento do público com estes temas.
Participaram do webinário Romy Sato, coordenadora da rede de pesquisadores do Land Portal; Nieves Zúñiga, pesquisadora e consultora de engajamento para a América Latina do Land Portal; Alfredo Casares, jornalista espanhol do Instituto de Jornalismo Construtivo; Swati Sanyal Tarafdar, repórter independente de jornalismo de soluções baseada no sul da Índia; e Mavic Conde, especialista filipina em agroecologia, meio ambiente e em inovações comunitárias sobre sistemas alimentares.
Romy Sato, responsável pela coordenação da rede de pesquisadores do Land Portal, contou que o portal foi fundado em 2014 e é voltado para o compartilhamento de soluções comunitárias ambientais e fundiárias democráticas ao redor do globo. O portal pode ser uma fonte de informações e dados importante para a atuação do jornalismo de soluções. Ele conta com mais de 66.000 publicações relacionadas à questão fundiária e ambiental, com uma série de relatórios temáticos e materiais compilados conforme os temas: Governança Fundiária no Continente Africano, Direitos Indígenas sobre a Terra, Governança Territorial e o Recorte de Gênero e etc. Além disso, é possível filtrar as publicações por conteúdo, local, autor, data, entre outros.
Para Nieves Zúñiga, alguns dos maiores desafios relacionados ao meio ambiente na América Latina são o desmatamento, as mudanças climáticas, a agropecuária, plástico no mar, entre outros. Mas com títulos de notícias fortes e paralisantes, como a manchete de 2019 do The New York Times “As Mudanças Climáticas Estão Acelerando, Levando o Mundo Perto do Ponto de Alterações Inevitáveis” ou a de 2021 do The Guardian “As Maiores Mudanças Climáticas (São) Inevitáveis e Irreversíveis”, o público não é instigado a agir, mas sim a se conformar com o que aparenta, pelo título da matéria, ser inevitável, impossível de mudar. O pessimismo e o foco no problema que dominam a narrativa midiática tradicional com o discurso do inevitável e do irreversível, excessivamente dramático, afetam negativamente as pessoas e é, segundo Nieves e pesquisadores do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, uma das principais razões para que os leitores rejeitem uma notícia.
“Quando lemos essas manchetes, pensamos: ‘o que uma pessoa tão pequena como eu pode fazer para parar essas mudanças irreversíveis?’ E muitas pessoas se desligam do problema e se sentem deprimidas. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Reuters mostra que a principal razão para as pessoas evitarem as notícias é que elas os irrita e os deprime.” — Nieves Zúñiga
Nieves explica que o conhecimento da demanda do público por esperança e soluções, somado ao reconhecimento do papel potencial do jornalismo em ajudar a realizar um mundo como queremos, devem guiar o jornalista a mobilizar sua audiência para lidar com problemas e compartilhar respostas. Jornalismo baseado em soluções não se trata apenas de informar coisas positivas, mas sim de contar a história inteira, com foco não só nos problemas, mas, principalmente, nas formas de responder a eles. Segundo Nieves, uma das formas de atuação do jornalismo de soluções é analisar dados, de forma aprofundada, das possíveis soluções comunitárias.
“Frequentemente, o jornalismo ambiental [de soluções] é baseado em pesquisa científica. Isso é importante porque dá credibilidade, mas, por outro lado, às vezes, é difícil para muitas pessoas se conectar com a ciência e perdemos a chance de fazer a história ficar mais próxima da realidade do público. O reconhecimento do poder da informação e do jornalismo em criar uma visão de missão no mundo e do nosso papel nele… como melhor informar sobre o meio ambiente para mobilizar a agência do público para lidar efetivamente com problemas e trazer mudanças positivas.” — Nieves Zúñiga
Alfredo Casares, jornalista espanhol do Instituto de Jornalismo Construtivo, trabalha com consultorias em jornalismo de solução e é autor de La Hora del Periodismo Constructivo. O livro fala sobre como aplicar jornalismo de soluções, construtivo, em assuntos ambientais e fundiários. Segundo o autor, “64% dos telespectadores da [TV pública nacional da Inglaterra] BBC, com menos de 35 anos, querem ver notícias positivas, que tratem de soluções aos problemas do cotidiano. De acordo com o Instituto Reuters, jovens europeus querem ter contato com notícias que os inspirem à possibilidade de mudança”.
Para Alfredo, o maior papel dos jornalistas e dos meios de comunicação é apresentar e compartilhar soluções para questões que o público achava insolúveis: noticiar esperança, compartilhar sucessos e ideias novas. O jornalismo pode liderar a sociedade a ter esperança baseada em fatos, levando à mobilização e à ação coletiva. Ele chama atenção para o fato de que, apesar de apontar caminhos, o jornalismo de soluções não é incidência política. De forma distinta, aponta as soluções existentes sem assumir um viés político ou ideológico.
“Nesse cenário de falta de acesso a informações confiáveis, falta de confiança na mídia e polarização social, rejeição de notícias é uma das consequências. As pessoas se sentem sobrecarregadas, eles sentem que focamos muito nos conflitos e nos dramas, que as soluções estão sub representadas na mídia e descrevemos o mundo como um lugar pior do que o que vivemos… Nossa responsabilidade como jornalistas é em duas vias: em uma nós, a mídia, ajudamos a população a formar uma imagem do mundo, mas também os ajudamos a fazer uma imagem deles no mundo, além [da imagem] do papel que podem desempenhar nessa sociedade como cidadãos ativos e não como espectadores passivos… Se compartilharmos os aprendizados e as ideias novas, talvez as pessoas sintam-se inspiradas a tomar ações a realmente se mobilizar.” — Alfredo Casares
Segundo Alfredo, o jornalismo de soluções deve ser rigoroso, baseado em evidências que ofereçam esperança à sociedade através da ciência e também sempre respondendo com ideias inovadoras a um problema real. Este tipo de jornalismo prioriza analisar o problema através das soluções. Apresentam-se as evidências do problema junto às ideias para responder a ele. É fundamental também analisar as limitações das soluções apresentadas, segundo Alfredo. Como ferramenta destes profissionais, plataformas como o Solutions Story Tracker catalogaram mais de 13.000 soluções comunitárias da sociedade global que viraram notícia e podem ajudar pessoas ao redor do mundo.
O mais interessante é que, de acordo com Alfredo, o jornalismo de soluções tem impactos positivos inclusive sobre os jornalistas e profissionais de mídia. Escrevendo matérias e trabalhando em pautas positivas e propositivas, muitos relatam terem se sentido empoderados e encorajados a agir por estarem um passo à frente do restante da sociedade. Sentem-se motivados a impulsionar a mudança de perspectiva de outros e passam a entender seu trabalho como tendo uma função social significativa.
“O jornalismo de soluções também cobre o problema, mas não mais do ponto de vista do problema, mas do ponto de vista da solução… do conhecimento social. No jornalismo de solução você faz um trabalho melhor, pois se explica melhor os problemas de outras perspectivas, onde se ajuda o leitor a entender o problema através da resposta… O jornalismo deve nos dar esperança e não medo.” — Alfredo Casares
Swati Sanyal Tarafdar é repórter independente e cobre justiça social e climática, saúde e meio ambiente no sul da Índia. Essa região, além de fértil e com grandes áreas agrícolas, é industrial e sofre com a poluição. O território apresenta condições que contribuem para as mudanças climáticas: desmatamento, grandes quantidades de gado, extrativismo, poluição das águas, terra e ares, lixo e etc. Mas, segundo ela, as histórias que reporta são contadas do ponto de vista dos recursos naturais, da justiça social e ambiental, de quem sofre e soluciona os problemas.
“Essas pessoas, em suas terras ancestrais, estão nos dizendo há décadas que o ambiente sofre. No meu trabalho, busco ir até as pessoas, conversar com fazendeiros, trabalhadores, mulheres, para capturar sua perspectiva sobre o meio ambiente. São as pessoas menos ouvidas, mas as que mais podem contribuir, porque elas estão na base, recebendo diretamente os impactos do problema. Já temos muitos removidos pelo clima, áreas que costumavam produzir não estão mais produzindo, há seca ou excesso de chuva. Porque continuamos ignorando até mesmo os mais graves avisos sobre as mudanças climáticas?” — Swati Sanyal Tarafdar
Segundo Swati, uma das razões da apatia é que existe uma desconexão entre como entendemos problemas ambientais e como eles são reportados à sociedade pelo jornalismo tradicional. Uma boa solução para fazer a audiência se importar, segundo ela, é através do compartilhamento de informações que motivem e inspirem o leitor, com soluções locais acessíveis. Um jornalismo que engaja se sustenta sobre quatro pilares:
- Oferece resposta (a um problema);
- Contempla evidências científicas;
- Traz ideias inovadoras; e
- Realiza análise das limitações.
O papel do jornalista é mostrar onde se faz essa solução, como se faz, quais os princípios científicos que baseiam essa solução e como reproduzi-la, mostrar como a solução está próxima. É ajudar as pessoas a mudarem seu estilo de vida, apresentar respostas, inspirar, entreter e mobilizar comunidades para criarem suas próprias soluções. Reportar histórias positivas que inspiraram mudanças reais. “Na minha experiência, as histórias mais impactantes foram as que apresentaram soluções para os problemas relatados”, diz Swati.
“As pessoas se importam mais com coisas que as impactam e as inspiram.” — Swati Sanyal Tarafdar
Para Swati, é um valor político do jornalismo de soluções ir às evidências para debater o marasmo político com relação ao problema. Outro valor é entender as limitações das soluções comunitárias justamente para exigir, a partir dos limites delas, soluções sistêmicas, promovidas a nível de Estado, responsabilizando os governantes em última instância.
Uma das críticas ao jornalismo de soluções é exatamente essa, a de que ele desvia a atenção do problema e minimiza a responsabilidade do governo. Contudo, segundo Swati, uma vez que a solução é identificada em algum local, pessoas de regiões similares podem se inspirar e ver que a mudança é possível e está próxima. Isso nos ajuda inclusive a cobrar os governantes, mostrando que soluções existem, que adotá-las é uma escolha política.
A última painelista do webnário foi a jornalista Mavic Conde, das Filipinas, especialista em meio ambiente e em inovações comunitárias em sistemas alimentares. Segundo ela: “agroecologia e direitos fundiários são duas faces da mesma moeda”. Agroecologia deve ser o cerne do desenvolvimento, sobretudo em territórios de populações originárias e do campesinato e, portanto, deve ter cada vez mais presença nas coberturas do jornalismo de solução.
Em contraposição à agricultura industrial global, a agroecologia explora as interações entre as espécies ao adotar a policultura, democratizar a produção de alimentos e o acesso à terra, diminuir a exploração do trabalho no campo, os conflitos fundiários com povos originários, a degradação ambiental, preservar a biodiversidade, impactar menos ambientalmente e climaticamente, priorizar a segurança alimentar ao invés do lucro e o respeito às práticas locais tradicionais de produção sustentável ao invés da implementação intensa de tecnologia intensiva. No entanto, Mavic diz que é preciso afirmar que princípios ecológicos se aplicam a todo tipo de produção de alimentos, não só a sistemas orgânicos.
Na crise climática em que vivemos, a agroecologia pode ser vista como uma solução primorosa. É um processo baseado em quatro pilares principais: equilíbrio ecológico, igualdade social, vitalidade cultural e viabilidade econômica. Agroecologia é a gestão da agricultura como um ecossistema e seus princípios são: cooperação, ajuda mútua, sustentabilidade e diversificação. Ela reduz custos de produção, valorizando o banco de sementes locais, ao invés de produção industrial de alimentos em monocultura de larga escala.
“A agroecologia, sobretudo, dá senso de pertencimento ao agricultor com relação à terra em que ele produz. Ele percebe que ele também faz parte do ecossistema.” — Mavic Conde
Sobre o jornalismo de soluções, Mavic afirmou que, nas Filipinas, eles sofrem muito com os impactos da crise climática: problemas como inundações, contaminação da água, e aumento da temperatura. Para responder às questões ambientais nas Filipinas, o jornalismo de soluções é um caminho potente. Segundo ela, as reportagens focadas em soluções também têm maiores impactos por lá.