Primeiro Encontro do Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão Discute ‘A Saúde e o Saneamento que Queremos’

Público do Primeiro encontro do Plano de Ação Popular do Complexo, com a discussão 'A Saúde e o Saneamento que Queremos'.

Click Here for English

Sábado, 7 de maio, foi agitado na sede do Instituto Raízes em Movimento, no Complexo do Alemão, onde foi realizado o primeiro encontro do Plano de Ação Popular do Complexo, com a discussão “A Saúde e o Saneamento que Queremos”.

Organizada pelo Raízes, a discussão contou com a participação de Wagner Souza, morador do Complexo e Agente Comunitário de Saúde da Família, e de Stelberto Soares, Engenheiro Civil e Sanitarista da Escola Nacional de Saúde Pública. A mesa teve mediação de Alan Brum Pinheiro, um dos fundadores do Instituto Raízes em Movimento e coordenador do Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão (CEPEDOCA), além de profissionais das áreas de saúde, limpeza, conservação e ativistas locais.

Primeiro encontro do Plano de Ação Popular do Complexo, com a discussão 'A Saúde e o Saneamento que Queremos'.

Esse é o primeiro de cinco encontros temáticos, que acontecerão entre maio e julho de 2022, com o objetivo de levantar discussões fundamentais para o Complexo do Alemão.  Questões como saneamento básico, saúde, educação, cultura, mulher e juventudes estarão em foco. Essas rodas de conversa serão promovidas por diferentes organizações do Complexo do Alemão. Em agosto, com o acúmulo das discussões desses cinco encontros, será realizado o Fórum Popular do Complexo do Alemão, onde será construída uma agenda de políticas públicas a fim de pautar as candidaturas nas eleições de 2022.

Alan Brum iniciou o encontro ponderando sobre a história de como saúde e saneamento na favela vêm sendo discutidos e negligenciados há anos. Após sua fala introdutória, o coordenador do Raízes apresentou os convidados da mesa ao público e passou a palavra para os palestrantes.

Stelberto começou destacando a potência da gestão estratégica e inteligente dos recursos públicos e traçou um panorama histórico da questão. Relembrou a luta por água entre os moradores do Complexo do Alemão e a Coca-Cola, cuja fábrica dos anos 1970 aos 1990 ficava na Estrada do Itararé, uma das principais vias do Complexo. A indústria consumia um volume considerável de água que poderia servir à comunidade, mas as milhares de pessoas na favela não eram priorizadas frente à companhia. O professor citou que a construção da caixa d’água da Rua Aristóteles Ferreira foi alvo de disputa e que o acesso à água desse reservatório para os moradores só foi garantida através da mobilização comunitária. Para o sanitarista, não é à toa que, “desde 1976, nenhum programa de saneamento acabou de acordo com o que foi pensado… a questão não é técnica, mas política”. Essa histórica negligência do Estado com a favela atinge até hoje todos os aspectos do saneamento básico: saúde pública, água, esgoto, lixo e drenagem.

Stelberto Soares é engenheiro sanitarista e diz que a população deve fiscalizar e cobrar o governo sobre saneamento básico. Foto: Jacqueline Cardiano/Voz das Comunidades

O professor também chamou atenção para projetos de lei em discussão. No Legislativo, o PL 1907/2015 e o PL 4546/2021, de autoria do Poder Executivo, são um “novo marco hídrico“. Segundo Stelberto, o ponto dessas propostas que mais chama atenção é a chamada cessão onerosa de direito de uso de recursos hídricos. Esse dispositivo abre a possibilidade de comercialização de cotas de água não utilizadas por empresas privadas que recebem a concessão do Estado para usar corpos d’água—lagos, rios e açudes. Para ele, a organização popular é indispensável para deter esse “mercado de águas”, para impedir que o direito fundamental à água seja negociado.

Em seguida, o agente de saúde Wagner Souza refletiu que “as políticas públicas precisam ser pensadas em conjunto”. Para ele, as ações de organizações comunitárias devem priorizar a participação e o protagonismo do morador. Sendo assim, apresentou um panorama histórico sobre a saúde da família no Complexo do Alemão, destacando a resistência dos profissionais de saúde. Ele disse que os agentes comunitários muitas vezes são absorvidos pela burocracia e pela rotina e que, por isso, não conseguem cumprir suas funções como deveriam. E destaca: “O agente comunitário é um ator crítico e não um burocrata da saúde”.

Wagner Souza é morador do Alemão e agente comunitário. Foto: Jacqueline Cardiano/Voz das Comunidades

Nesse sentido, a gestão municipal do ex-prefeito Marcelo Crivella foi citada bastante negativamente. Wagner e os presentes contaram como o programa de saúde da família foi desmontado ao longo da administração Crivella. Para ele, esse desmantelamento refletiu diretamente na saúde mental dos profissionais, sobrecarregados e com funções descaracterizadas. “Saúde da Família é vínculo e o rodízio de profissionais prejudica isso”. Segundo Wagner, ainda hoje há carência de todos os tipos de profissionais de saúde, com destaque para saúde bucal e mental. Também ganhou destaque nas discussões da tarde a pandemia do coronavírus. Os presentes explicaram como ela prejudicou suas atividades e compartilharam as estratégias que precisaram criar para desempenharem seus trabalhos.

Após as falas dos convidados da mesa, os profissionais e moradores participantes enfatizaram, em consenso, a necessidade da presença de lideranças locais em encontros como esse. Para eles, essa é uma forma de agregar e somar às lutas dos diversos espaços da favela e de pressionar por políticas públicas. É nesse sentido que se constrói comunitariamente esse Plano de Ação Popular, ferramenta que visa reunir pautas importantes para a região, criar um fórum e exigir dos candidatos das próximas eleições compromisso com as reivindicações dos moradores do bairro.


Apoie nossos esforços para fornecer apoio estratégico às favelas do Rio, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.