Movimentos e Organizações Dialogam sobre Justiça Energética e Climática em Preparação para a Conferência Popular pelo Direito à Cidade [LIVE]

Versão preto/branco de ilustração por Rodrigo Binarts para série de justiça energética do RioOnWatch.
Versão preto/branco de ilustração por Rodrigo Binarts para série de justiça energética do RioOnWatch.

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"Diálogos sobre Direito à Cidade e Justiça Energética" foi um encontro preparatório para a Conferência Popular pelo Direito à Cidade, que acontecerá em Junho 2022, em São Paulo.O Instituto Pólis organizou no dia 3 de maio o evento “Diálogos sobre Direito à Cidade e Justiça Energética”. A atividade foi um encontro preparatório para a Conferência Popular pelo Direito à Cidade, que será realizada no início de junho, na cidade de São Paulo. O bate-papo teve como objetivo compartilhar experiências de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais sobre a luta por justiça energética e climática pelo direito à cidade, contribuindo para o acesso à energia como um direito social.

A mediação do evento ficou nas mãos de Ana Sanchez, que convidou ativistas e especialistas para o debate. As falas foram feitas por: Gisele Moura, cientista ambiental e co-coordenadora da Rede Favela Sustentável*; Carolina Marçal dos Santos, ativista e gestora ambiental do Climainfo; Marcelo Cavanha, coordenador da Central Única de Favelas (CUFA) do Jardim Ibirapuera; Gabriel Mantelli, advogado e assessor da Conectas Direitos Humanos; e Clauber Leite, engenheiro ambiental e coordenador do projeto de justiça energética do Instituto Pólis.

A mediação do evento ficou nas mãos de Ana Sanchez, do Instituto Pólis.

Gisele Moura foi a primeira a se apresentar e, em sua fala, apresentou o escopo de atuação e a missão da ComCat e de seus projetos—RioOnWatch, Rede Favela Sustentável e Termo Territorial Coletivo. Uma iniciativa recente da organização, em 2021, foi a produção de uma série de matérias sobre justiça energética, que reuniu 18 produções abordando o racismo ambiental, a situação de exclusão energética, a importância das tarifas sociais e diversas soluções oriundas dos territórios periféricos, através de relatos, pesquisas e análises produzidos, em sua maioria, por moradores de favela.

“Essa série representou 23 territórios, entre favelas, quilombos e periferias do Rio, e promoveu um espaço de diálogo que vai desde o local até o global, levando isso a diversos outros países”, afirmou Gisele.

Gisele Moura é cientista ambiental, coordenadora da Rede Favela Sustentável e articuladora da Série Justiça Energética do RioOnWatch, ambos projetos da ComCat.

Energia Elétrica, um Artigo de Luxo

Carolina Marçal dos Santos deu sequência ao bate-papo, onde participou como representante da organização Climainfo. Em sua trajetória, Carolina foi responsável pela mobilização da campanha Desmatamento Zero, que, em 2015, entregou ao Congresso Nacional um projeto de lei sobre o tema, assinado por mais de 1 milhão de pessoas.

Carolina Marçal dos Santos é ativista e gestora ambiental do Cimainfo.

Carolina dissecou a realidade atual do acesso à energia no Brasil:

“Energia e gás consomem mais da metade da renda de 46% dos brasileiros. Essa é uma pesquisa realizada ano passado pelo Ipec Inteligência. E quando a gente olha só para a conta de energia, a gente vê que 22% dos brasileiros estão deixando de consumir algum alimento básico para poder pagar a conta de luz. Então, assim, a energia tem sido praticamente um artigo de luxo no Brasil”. 

Para o coordenador da CUFA Jardim Ibirapuera, na cidade de São Paulo, Marcelo Cavanha, a democracia nunca se materializou na periferia. De acordo com ele, a pandemia agravou situações historicamente difíceis nas favelas. Ele diz que, “antes da pandemia, a CUFA nunca tinha feito ações como as que fizemos nos últimos dois anos, esse processo de distribuição de cesta básica e outros itens”. Ainda segundo Marcelo, a pauta do direito à cidade é algo que precisa ser cobrado das atuais candidaturas, já que estamos em período de eleição.

Marcelo Cavanha é coordenador da Central Única de Favelas (CUFA) do Jardim Ibirapuera.

Raça, Clima e Energia

Não há como pensar em justiça energética sem considerar a pauta da justiça racial e climática. É necessário uma agenda de enfrentamento explícito ao racismo climático e ambiental. Quem fez essa aproximação foi o advogado Gabriel Mantelli, membro da organização Conectas. Durante sua fala, Gabriel lembrou que pensar o acesso à energia é perceber quem está na ponta do consumo e da falta de acesso à energia: em geral, pessoas demarcadas do ponto vista social e racial.

Marcelo Cavanha é coordenador da Central Única de Favelas (CUFA) do Jardim Ibirapuera.

Gabriel criticou a postura do governo, que ultimamente vem adotando políticas energéticas que ferem acordos climáticos, priorizando modelos de produção danosos ao meio ambiente. “Se por um lado as iniciativas comunitárias têm feito um trabalho primordial e necessário para que a gente avance na discussão sobre como a gente garante energia localmente, por outro lado, por mais que o Brasil tenha se colocado no passado como esse grande expoente de produção energética limpa, recentemente o governo federal não tem agido da forma que a gente esperava”, afirmou Gabriel. 

O ativista também pontuou que o atual governo tem investido em projetos de cunho carbono intensivos, ou seja, projetos que não levam em consideração o impacto causado nas mudanças climáticas. Isso desrespeita os direitos humanos e as pessoas que serão mais afetadas pelos eventos extremos decorrentes da mudança do clima.

A discussão da mesa foi fechada pelo engenheiro ambiental Clauber Leite, que coordena o projeto de justiça energética do Instituto Pólis. A primeira provocação feita por Clauber foi questionar: “Energia para quem?”. Ele disse que quanto menor é a renda das pessoas, menor é o consumo de energia. “Quem ganha mais de 20 salários mínimos consome 2.200 quilowatts por hora. Enquanto uma população entre um a dois salários mínimos não chega a 500 quilowatts por hora”, expôs Clauber.

Clauber Leite, engenheiro ambiental e coordenador do projeto de justiça energética do Instituto Pólis, pergunta 'Energia para Quem'.

As mudanças climáticas estão mais presentes no dia-a-dia das pessoas do que elas imaginam, principalmente por conta das escolhas equivocadas que o poder público vem fazendo no plano energético, pontuou Clauber. “Essas escolhas equivocadas de aumento do uso de termelétricas, energia nuclear, incinerador. A gente vê o aumento dessa pressão por uso de uma energia que é muito mais cara, poluente, invadindo a nossa matriz”.

Clauber Leite, engenheiro ambiental e coordenador do projeto de justiça energética do Instituto Pólis.

A conversa entre os participantes demonstrou que um bem básico como a energia se torna uma mercadoria cada vez mais valiosa e de difícil acesso para as populações de baixa renda. As decisões que envolvem a política energética são tomadas por gestores públicos que nunca precisaram escolher entre pagar a luz ou comprar comida. Entretanto, há um caminho a ser trilhado, e isso envolve o fortalecimento das iniciativas locais e investimento em energia limpa e sustentável.

Assista ao Evento “Diálogos sobre Direito à Cidade e Justiça Energética” Aqui:

*A Rede Favela Sustentável e RioOnWatch são projetos da organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).

Euro Mascarenhas Filho é jornalista, colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação, comunicador popular, e autor do programa de podcast Antena Aberta.


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