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No dia 24 de outubro de 2022, jovens do Colégio Estadual Almirante Tamandaré reuniram-se para assistir aos relatos de antigos moradores que lutaram contra as remoções do Vidigal na Ditadura Militar (1964-1985).
Há 45 anos, em plena ditadura, moradores do Vidigal foram surpreendidos com uma marcação nas suas portas que indicava que suas casas seriam removidas, supostamente devido à iminência de deslizamentos da encosta. Porém, a Associação dos Moradores da Vila do Vidigal conseguiu resistir e formalizar o impedimento das remoções através do apoio jurídico da Pastoral de Favelas, que nasceu na mesma época.
“Nossos heróis da resistência… é graças às pessoas que estão [sendo celebradas] aqui hoje, que lutaram por nós, que o Vidigal permanece”, relembrou a pesquisadora nascida e criada na comunidade, Bárbara Nascimento, que, em conjunto com Adilson Severo de Souza, organizou este evento.
No Vidigal, as Ruas Têm Nome de Pessoas Vivas
Apelidados carinhosamente de “velha guarda” pelos mais novos na plateia, os moradores recordaram o que viveram naquela época.
“Nos disseram que as pedras iam rolar e matar todo mundo, mas descobrimos depois que iam construir casas de luxo, que uma parte do valor já estava até pago, e que a outra seria paga depois da remoção da favela”, recordou Seu Armado, líder da associação durante a luta contra as remoções. Situada em frente ao mar e vizinha do Leblon e de São Conrado, a favela do Vidigal era cobiçada por investidores imobiliários das classe alta.
Para ganhar tempo, enquanto esperavam as liminares e decisões judiciais que impediriam as remoções, criatividade foi necessária. Paulinho, um dos mais jovens do grupo de ação, relembrou: “Eu vestia camisa e gravata para o trabalho. Quando cheguei no local das remoções, fui confundido com um advogado, o que ajudou a retardar a remoção”.
Para além disto, Paulinho recordou como os moradores conseguiram convencer os funcionários da COMLURB, órgão responsável por remover as casas, “a serem bem lentos na retiradas das coisas”. Os pertences dos moradores seriam levados para Antares, na Zona Oeste, onde viveriam em habitações minúsculas, sem acesso a escolas e hospitais.
“Ao levarem apenas objetos como vassouras ou cadeiras para Antares, os garis da COMLURB nos ajudaram a esperar pela ordem jurídica suspendendo a remoção da comunidade, que chegou antes que a maior parte tivesse sido retirada de suas casas. A briga foi bonita, viu?” — Seu Armado
Como resultado desta luta, as ruas do Vidigal têm nomes de vivos, em honra daqueles que venceram a remoção.
Passando a Tocha para os Mais Jovens
“A luta continua”, explicou Rita Machado, que na época fez parte do grupo de jovens do Vidigal. Atualmente, a favela continua refém de interesses privados, que pretendem construir casas para pessoas com rendas mais elevadas, atraídas pela vista do morro. Neste fenômeno da gentrificação, as casas são valorizadas e encarecem [o custo de vida no entorno] e, consequentemente, os próprios moradores do Vidigal deixam de ter poder de compra para poder morar na favela.
Para Rita, cabe à nova geração estar atenta. Ao contrário de 45 anos atrás, o Brasil é uma democracia e os jovens têm mais poder do que antes:
“O que é que isso tem a ver com vocês? Era uma ditadura. A gente tinha que engolir o que eles diziam e, mesmo assim, lutamos… Vocês podem dar continuidade, fazer histórias diferentes, votando!”
Desta forma, para os participantes, o trabalho de memória é importante e é por isso que o evento contou ainda com a exibição de dois documentários: A Favela do Papa, sobre a visita do Papa João Paulo II em 1980, e Raízes do Vidigal, sobre o samba dos Acadêmicos do Vidigal. O evento também contou com a apresentação de trabalhos feitos pelos alunos da escola em memória à resistência de sua comunidade.