Festa Literária das Periferias Chega Pela Primeira Vez na Maré e Faz Homenagem a Marielle Franco, Lima Barreto e Pai Santana [VÍDEO]

Em 2022, a 12ª FLUP aconteceu no Centro de Artes da Maré (CAM), localizado na Nova Holanda, entre os dias 5 e 11 de dezembro. O nome escolhido para a FLUP 2022 foi Maré de Periferias. Acervo FLUP
Em 2022, a 12ª FLUP aconteceu no Centro de Artes da Maré (CAM), localizado na Nova Holanda, entre os dias 5 e 11 de dezembro. O nome escolhido para a FLUP 2022 foi Maré de Periferias. Foto: Acervo FLUP

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A Festa Literária das Periferias, popularmente conhecida como FLUP, é um evento literário internacional, realizado em favelas e territórios periféricos do Rio de Janeiro, tradicionalmente excluídos dos programas literários das feiras e festivais do livro. Em 2022, a 12ª edição do evento literário aconteceu no Centro de Artes da Maré (CAM), localizado na Nova Holanda, entre os dias 5 e 11 de dezembro. O nome escolhido para a FLUP 2022 foi Maré de Periferias.

Banner de boas-vindas ao evento. Foto: Acervo FLUP
Banner de boas-vindas ao evento. Foto: Acervo FLUP

O evento já foi realizado em territórios como o Morro dos Prazeres, Vidigal, Babilônia, Mangueira e, saindo de territórios de favela, em 2019, aconteceu no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR). Durante a pandemia do coronavírus, o evento aconteceu de maneira remota e, este ano de 2022, a FLUP voltou ao modelo presencial e à favela.

“Todas as pessoas envolvidas na 12ª edição da Flup trabalham no sentido de borrar as fronteiras que afastam ou aproximam o Brasil da Maré. Mas não há como negar que, muito mais do que definir o que é centro e o que é periferia, é essa cisão que permite que o Estado entre aqui com caveirões, fuzis e pés na porta, num desrespeito genocida, que um dia a História há de condenar.” — Julio Ludemir, diretor geral da FLUP

Julio, em carta de apresentação e convite para o evento, torce para que a FLUP chegue a todos os públicos. “Que a FLUP invada o Brasil. Que o Brasil invada a Maré. E nesses fluxos e refluxos possamos enfim apagar as fictícias linhas que nos separam de nós mesmos”, diz o diretor.

O evento realizou uma série de mesas de debate cujo título era Quilombo do Lima, com o intuito de memorar o escritor Lima Barreto, homenageado pelo evento. Além disso, aconteceram lançamentos de obras literárias e diversas apresentações musicais, além das semifinais e finais das competições Slam Nacional e Slam Colegial.

No primeiro dia, o evento contou com uma bela cerimônia de Saudação aos Orixás na abertura do festival, reafirmando o compromisso com as lutas antirracistas e com a liberdade religiosa. O lançamento do livro Pai Santana, o Orixá do Futebol, do escritor Ecio Salles, também um dos criadores e organizadores da FLUP, que partiu em 2019, veio em seguida à cerimônia de abertura. O livro foi o último trabalho intelectual de Ecio e é uma biografia de Eduardo Santana, conhecido como Pai Santana, ex-massagista do Club de Regatas Vasco da Gama e figura importante no que diz respeito às religiões de matriz africana.

Apresentação do grupo Awurê. Foto: Acervo FLUP
Apresentação do grupo Awurê. Foto: Acervo FLUP

Encerrando o primeiro dia com muita música, a FLUP contou com apresentações da trapper baiana Evy, a cantora Kamy e o grupo de pagode No Lance. Além disso, houve apresentação da roda de samba do grupo Awurê, criado com o objetivo de exaltar e resgatar a importância da influência africana em nossa cultura, identidade e consciência ancestral.

Apresentação do grupo Awurê. Foto: Acervo FLUP
Apresentação do grupo Awurê. Foto: Acervo FLUP

O segundo e o terceiro dia de evento foram recheados de poesia: no dia 6, com a abertura e as classificatórias do Slam Nacional, e, no dia 7, com a final do Slam Colegial da Maré, tendo como campeã a poeta Stacy Ferreira, moradora da Maré. Math de Araújo, mentor do Slam Colegial, poeta e escritor mareense, diz que foi uma surpresa ser convidado para participar do projeto. Ele teve como missão orientar outros poetas de dois grupos diferentes, um da Redes da Maré e outro da Luta pela Paz:

“Eu fui memorizando como eu fui me interessando [pela poesia], então foi quase uma volta ao meu passado para olhar para aqueles jovens que estão começando… O Slam é só uma pegadinha para atrair a atenção. O propósito é o que vem além. A gente escreve poesia por necessidade de traduzir e pensar a nossa realidade.”

Stacy Ferreira, campeã do Slam Colegial. Acervo FLUP
O poeta Deley de Acari e Stacy Ferreira, campeã do Slam Colegial. Foto: Acervo FLUP

No mesmo dia, o evento contou com a mesa Diário Íntimo: Quando a Escrita em Si Traduz o Mundo. A conversa aconteceu com a mediação de Angélica Ferrarez e contou com a participação de Conceição Evaristo, autora brasileira multipremiada, e Yanick Lahens, escritora do Haiti, vencedora do Prêmio Femina por seu livro Banho de Lua. Encerrando o evento, aconteceram também apresentações de samba e poesia com Lucas Afonso e Nova Raiz do Samba.

Nos dias 8, 9 e 10 de evento, também aconteceram apresentações e competições com muita poesia. A FLUP recebeu as semifinais e a final do Campeonato Brasileiro de Poesia Falada Slam BR.

A mesa Cemitério dos Vivos: Variações sobre a Necropolítica teve a presença dos escritores Geovani Martins e Jessé Andarilho. A mediadora da mesa foi Thais Custodio, cria da Maré, economista formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestranda em Economia Regional e Desenvolvimento pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGER-UFRRJ) e coordenadora na Rede de Economistas Pretas e Pretos (REPP).

“Esse tema atravessa a vida de qualquer preto e favelado. Trazer essa temática para a FLUP com outros favelados que estavam compondo a mesa foi mais gratificante porque a gente ressignificou esse debate, que é sempre muito doloroso, pesado e massacrante.” Thaís Custodio

Todas as mesas realizadas tinham o forte objetivo de abrir a discussão para quem estava presente, mas também de garantir que todo debate saísse do evento e fosse compartilhado por cada um nos seus respectivos territórios para além de discursos acadêmicos.

Mesa Cemitério dos Vivos, Variações sobre a necropolítica. Acervo FLUP
Mesa Cemitério dos Vivos, Variações sobre a Necropolítica. Foto: Acervo FLUP

O último dia de evento contou com momentos especiais bastante emocionantes. A programação começou com a mesa Miró da Muribeca: Por uma Poesia Maloqueira, com a presença do escritor Marcelino Freire e da poeta Luna Vitrolira.

A mesa seguinte, intitulada Clara dos Anjos: Nós Não Sabíamos que o Nome Disso É Abuso, contou com a mediação da jornalista Flávia Oliveira e a presença das também jornalistas Audrey Pulvar, de Martinica, e da brasileira Marilene Felinto. O intuito da mesa foi pautar as demasiadas situações de violência contra mulheres, especialmente contra o corpo da mulher negra.

Em seguida, em um dos momentos mais esperados de toda programação da FLUP, a Deputada Federal Renata Souza e Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, estiveram ao lado de Fernanda Vianna para debater sobre militância e política. Depois da mesa, aconteceu o lançamento do livro Minha Irmã e Eu: Diários, Memórias e Conversas, escrito por Anielle. A obra tem o intuito principal de compartilhar sentimentos e falar sobre a saudade de Marielle após o seu assassinato em 2018. Marinete da Silva, mãe de Marielle e Anielle, estava presente na plateia. 

Anielle Franco autografa livro de memórias com a irmã. Acervo FLUP
Anielle Franco autografa livro de memórias vividas com a irmã. Foto: Acervo FLUP

Rayanne Soares, 25, estudante da UFRJ e moradora da Rubens Vaz, na Maré, disse:

Acho fundamental a FLUP, como uma feira literária de periferias, ter pautado Marielle a partir de mulheres negras de diferentes áreas. Marielle é a personificação dessa luta cotidiana de mulheres que são maioria, mas que são tão mal representadas, tão mal colocadas na sociedade. 

Ter Marielle como um nome, como personificação, sendo falada e debatida dessa maneira é de suma importância, porque são mulheres falando de mulheres, para mulheres e do que enfrentam em algum momento pelo simples fato de ser uma mulher negra numa sociedade racista e patriarcal.”

A noite se encerrou novamente com shows dos artistas: Gutierry, Nizaj, MC Natalhão e Banda Agona. Além disso, a rapper N.I.N.A. do Porte fechou com chave de ouro o evento, cantando sons de sucesso como A Bruta, A Braba, A Forte.

“Fiquei muito fisgada, muito encantada com o pessoal. Na Maré tem muita gente talentosa e com potencial, mas, acima de tudo, é muito bom ver esses rostos. É bom quando ouço essas pessoas falarem da sua trajetória… É muito importante pontuar o quanto é relevante ter eventos como esse aqui [na Maré]. Traz visibilidade e faz com que as pessoas nos conheçam, saibam que também somos poesia, que consumimos e produzimos literatura. Nossas vivências são poéticas. Estar na FLUP neste ano me despertou a vontade de ir em todos os eventos culturais que eu puder aqui na Maré.” Karollyne Silva, 25, moradora da Maré

N.I.N.A. em apresentação na FLUP 2022. Acervo FLUP
N.I.N.A. em apresentação na FLUP 2022. Foto: Acervo FLUP

Paralelamente ao evento, também acontecia a Copa do Mundo, com jogos do Brasil em alguns dias de festival. A FLUP garantiu as transmissões das partidas em meio à sua programação tradicional, entendendo que futebol e cultura caminham lado a lado.

Sobre a autora: Juliana Pinho é moradora da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré, socióloga (UFRJ) e estudante de Jornalismo (UCAM). Comunicadora popular e mobilizadora territorial, Juliana é co-fundadora da Frente de Mobilização da Maré, integrante da Agência Palafitas e responsável pela gestão e planejamento do projeto Pra Elas. Atualmente, atua também na área de gestão de portfólio da Luta pela Paz e é redatora do portal Entretetizei.


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