Mariwô: Cultura Negra Que Filtra as Energias Negativas, desde o Morro da Providência

Coletivo Mariwô é um movimento carioca de ocupações culturais que junta música, arte e dança, criando espaços de ressignificação e experimentação através da cultura afro-diaspórica. Reprodução das Redes Sociais
Coletivo Mariwô é um movimento carioca de ocupações culturais que junta música, arte e dança, criando espaços de ressignificação e experimentação através da cultura afro-diaspórica. Foto: Reprodução das Redes Sociais

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Esta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre a questão da água e a população LGBTQIAP+ nas favelas cariocas e na Baixada Fluminense.

Conheça o trabalho desenvolvido pelo coletivo Mariwô, um grupo de artistas negros periféricos do Morro da Providência, que movimenta a cena cultural no Rio de Janeiro, exaltando a herança afro-brasileira.

“Sem Folha Não Há Orixá

Essa é uma máxima nos terreiros de Candomblé. As folhas alimentam a vida, traduzem a história e dão movimento ao corpo em dança e em ritos. Manifestam a grandiosidade dos espaços religiosos de matriz afro-brasileira. 

Uma delas é o Mariwô, uma folha de dendezeiro, cuja referência se dá no masculino por ser uma planta do orixá Ogum. O Mariwô é utilizado desfiado, nas portas e janelas das casas de Candomblé, com uma missão específica: não deixar nenhum mal chegar. O Mariwô coloca para fora as energias negativas e protege os filhos e filhas de orixá. 

“Sem folha não há orixá”, essa é uma máxima nos terreiros de Candomblé e do Coletivo Mariwô. Foto: Jéssica Senra
“Sem folha não há orixá”, essa é uma máxima nos terreiros de Candomblé e do Coletivo Mariwô. Foto: Jéssica Senra

E assim, também, é o Coletivo Mariwô, um movimento carioca de ocupações culturais que junta música, arte e dança, criando espaços de ressignificação e experimentação através da cultura afro-diaspórica. É construída uma experimentação multicultural, onde pontes são criadas entre passado, presente e afrofuturo.

Mariwô foi lançado em julho de 2017, na Estudantina, no Centro do Rio, com a Ocupação Cultural Brecha no Espaço, e reuniu cerca de 400 pessoas com o show do grupo Afro Jazz e participação de Jeza da Pedra, apresentação de Aisha Mbikila e LeidExu, som das DJs BBWJU, BByGirlCami e DJ Garota. Além disso, aconteceu uma intervenção artística com Raphael Cruz e Raíne Funmilayo

Com diversas contribuições artísticas, o coletivo reúne alguns nomes importantes da cena cultural do Brasil e América Latina, como Ventura Profana, TAYHANA, Sodomita, Marta Supernova, Candé, Mc Caten, Bloco Afro Os NegõesLuedji Luna. Entre esses nomes temos artistas visuais, cantores e DJs. 

Quem Faz a Gira Girar?

E quem faz a festa nesse terreiro acontecer são cinco pessoas: Alex Gabriel e Caique Cerqueira são os criadores do coletivo e os responsáveis por todas as direções artísticas e de produção; Daniel Santos é o DJ residente, que desenvolve a curadoria e produção musical e artística das ocupações; Williane Jacob cuida de aspectos visuais e de implementação de acessibilidade e protagonismo trans nos projetos; e Luma Nascimento cuida das conexões do coletivo com algumas marcas.

“O impacto que isso tem pra mim é a ocasião do encontro. Quando você se vê com outros artistas, pessoas semelhantes que se referencia[m] entre si, uma conhece a arte da outra. É por isso que a nossa plataforma se afirma por causar essa difusão entre potências negras, sempre com uma curadoria focada em corpos dissidentes, periféricos, negros e LGBTQIAP+.” — Caique Cerqueira

O coletivo—como a planta de Ogum—filtra as energias negativas da nossa sociedade, que é estruturalmente racista, e transcende isso em novas possibilidades, em arte, através da potência de artistas negros. Assim como nos terreiros, Mariwô também prepara uma grande festa para acolher e potencializar os seus. Mesmo diante de um cenário com pouco ou nenhum recurso de órgãos públicos, o coletivo desenvolve o trabalho desafiador de construir um espaço festivo com uma estética que traz elementos da natureza e da essência ancestral para um contexto urbano. “Mariwô segura a energia da festa”, para dar tudo certo e para que todos possam celebrar a manifestação de seu trabalho, em comunidade, como uma rede.

"A Brecha Foi Aberta". Foto: Angelo Pontes
“A Brecha Foi Aberta”. Foto: Angelo Pontes

A festa Mariwô tem como narrativa a celebração da união e da pluralidade das existências possíveis de pessoas negras e queer. Coloca para o mundo a influência de corpos que vivem trajetórias decoloniais na produção da música, fazendo comunicação. Em sua estética musical, o que apresenta como marca da festa, é misturar o Gqom, um ritmo musical produzido em Durban, na África do Sul, com o Funk, conectando o Afrobeat com o Afoxé e reverberando o House.

Afrofuturo em Construção 

Em 2023, o Coletivo Mariwô iniciará o seu processo educativo, criando uma escola de imersão na música e nas técnicas desenvolvidas para a atuação na noite como DJ. Serão promovidas oficinas gratuitas de discotecagem, a jovens do Complexo da Maré, com a meta de ir também para a Providência. Este projeto será apoiado pela Secretaria Especial da Juventude da Prefeitura do Rio. A ideia do coletivo é potencializar corpos negros e gerar renda com o desenvolvimento de suas produções.

“A ideia é poder levar esse projeto para atingir mais regiões da cidade, como Zona Norte e Oeste, que é exatamente onde pensamos em preencher essa lacuna que existe na educação dos jovens favelados!” — Caique Cerqueira

Sobre o autor: Cleyton Santanna é jornalista e roteirista, formado pela UFRRJ e pela CriaAtivo Film School. Em seu canal no YouTube, discorre sobre curiosidades, ancestralidade e cultura afro-brasileira. Em 2017, produziu dois documentários, “Entre Negros” e “Tudo Vai Ficar Bem”, e em 2018, foi premiado como roteirista, com o curta-metragem “Vandinho”, pela Creative Economy Network. Atualmente, atua como comunicador no Museu do Amanhã e é o apresentador do podcast Influência Negra.


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