Caminhos de Xangô em Defesa do CRAS do Axé: Política Vanguardista de Inclusão, Luta e Resistência contra o Racismo Religioso em Guaratiba Corre Risco [IMAGENS]

Matriarcas do grupo CRAS de Axé, da esquerda para a direita Iyá Márcia de Oxum, Iyá Jacqueline de Òbá, Iyá Luizinha de Nanã e Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias
Matriarcas do grupo CRAS do Axé, da esquerda para a direita Iyá Márcia de Oxum, Iyá Jacqueline de Òbá, Iyá Luizinha de Nanã e Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias

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Caminhos de Xangô Ação Social, no Ilê Axé Òbá Labí, em Guaratiba, Zona Oeste. Foto: Reprodução
Caminhos de Xangô Ação Social, no Ilê Axé Òbá Labí, em Guaratiba, Zona Oeste. Foto: Reprodução

No dia 15 de dezembro, aconteceu o lançamento da Ação Social Caminhos de Xangô, no Ilê Axé Òbá Labí, em Guaratiba, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Representantes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), da Clínica da Família do bairro, da Companhia Estadual de Água e Esgoto (CEDAE), da Secretaria da Promoção da Mulher da Prefeitura e do mandato da Deputada Estadual Renata Souza estiveram presentes.

O evento contou ainda com a presença de lideranças dos Axés da região, de assessores parlamentares e da comunidade local, além de espaços onde os convidados puderam realizar oficinas de tranças e sobrancelhas. Simultaneamente à realização dessas atividades, era possível prestigiar a exposição Pedrinhas Miudinhas, da fotógrafa Clara Nascimento.

Além de oferecer uma tarde de serviços e cultura, e fomentar debates importantes para a comunidade local, a ação social tornou pública novas formas de organização no combate ao racismo religioso. A Ação Social Caminhos de Xangô conduz a Zona Oeste a novos rumos em busca de uma construção coletiva e organizada, que busca o acesso a direitos básicos e a políticas públicas da população periférica e de comunidades de Axé. 

As lideranças religiosas de terreiros, as assistentes sociais do CRAS e do CREAS e também representantes da Secretaria da Mulher e de Diversidade, falando à comunidade. Foto: Bárbara Dias
As lideranças religiosas de terreiros, as assistentes sociais do CRAS e do CREAS e também representantes da Secretaria da Mulher e de Diversidade, conversando com a comunidade. Foto: Bárbara Dias

Os Caminhos de Xangô: O Machado da Justiça em Territórios Negros

Segundo Iyá Katiuscia Lucas de Yemanjá do Ilê Axé Òbá Labí, 39 anos, uma das lideranças do evento, a maior importância da realização dessa ação é contribuir para a mobilização dos Ilês Axés de Guaratiba. Os terreiros de Candomblé da região estão em processo de organização comunitária para combater o racismo e a intolerância religiosa. A ação social foi liderada pelo Babalorixá Thiago de Xangô e o evento foi mais um passo dado rumo ao fortalecimento do Movimento Caminhos de Xangô – Justeza e Acesso a Direitos nos Territórios Ancestrais Negros

Iyá Katiuscia de Yemanjá, Iyá Jacqueline de Òbá, Iyá Luizinha de Nanã e Iyá Márcia de Oxum, durante fala à comunidade, no lançamento do Movimento Caminhos de Xangô. Foto: Bárbara Dias
Iyá Katiuscia de Yemanjá, Iyá Jacqueline de Òbá, Iyá Luizinha de Nanã e Iyá Márcia de Oxum, durante conversa com a comunidade, no lançamento do Movimento Caminhos de Xangô. Foto: Bárbara Dias

O princípio do movimento é tentar aproximar as políticas públicas o máximo possível das políticas dos territórios de memória africana, como locais de promoção de direitos para a comunidade e de luta contra o racismo. O movimento propõe ainda uma atuação pedagógica, de empoderamento dos praticantes de religiões de matriz africana, populações periféricas, de favela e negras. É função principal do movimento cobrar e incidir politicamente nas instituições públicas para garantir o acesso dessas populações aos direitos básicos garantidos pela Constituição.

Iyá Katiuscia de Yemanjá e Babá Thiago de Xangô do Ilê Axé Òbá Labí, apresentam à comunidade o Movimento Caminhos de Xangô. Foto: Bárbara Dias
Iyá Katiuscia de Yemanjá e Babá Thiago de Xangô do Ilê Axé Òbá Labí, apresentam à comunidade o Movimento Caminhos de Xangô. Foto: Bárbara Dias

“A gente está promovendo dentro de um território um conjunto de parcerias com as instituições governamentais para que o território fique visibilizado, e para que as casas de Axé e terreiros sejam legitimados como espaços políticos, de políticas públicas e de promoção de acesso a direitos. Assim como outras instituições podem receber as políticas públicas do Estado, a gente está nessa luta contra a intolerância religiosa, então é uma pauta que parte dessa questão racial, da intolerância religiosa, do racismo e do racismo religioso. A gente aqui trabalha em algumas vertentes, que por exemplo, não se restringe apenas à questão racial religiosa. A gente entende também que esse território é um território de memória e de salvaguarda de memória ancestral.” — Iyá Katiuscia de Yemanjá

Essa organização dos terreiros de Guaratiba vem ganhando força e legitimidade. No dia anterior ao evento, o Ilê Axé Òbá Labí recebeu também a reunião do Núcleo de Defesa da Criança e Adolescente em Guaratiba (NUDECA). A Rede NUDECA debate a proteção de crianças e adolescentes e se reúne em espaços e instituições do bairro que tenham crianças e adolescentes como missão da organização. A aproximação entre os Ilês e essa rede é considerada um grande avanço para os terreiros, sempre desconsiderados no planejamento de políticas públicas locais.

CRAS do Axé: Uma Construção Local entre Terreiros e Poder Público

Além desses atores, a ação Caminhos de Xangô contou com a presença das matriarcas do grupo CRAS do Axé, as Iyás Katiuscia de Yemanjá, a Iyá Luizinha de Nanã, a Iyá Jacqueline de Òbá e a Iyá Márcia de Oxum. O CRAS do Axé surgiu da necessidade de abertura de diálogo com o CRAS de Guaratiba, a convite da assistente social e coordenadora do CRAS, Andréia Lima. Andréia percebeu que a região de Guaratiba é uma localidade com diversas casas de Axé e que faltavam dados no CRAS sobre os terreiros e políticas públicas voltadas para os adeptos das religiões de matriz africana. Então, ela começou essa aproximação com os terreiros.

Equipe do CRAS e CREAS de Guaratiba. A assistente social e coordenadora do CRAS Andreia Lima ao centro junto a Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias
Equipe do CRAS e CREAS de Guaratiba. A assistente social e coordenadora do CRAS Andreia Lima ao centro junto a Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias

Andréia Lima, 43 anos, assistente social e coordenadora do CRAS Maria Vieira Bazani de Guaratiba, explicou as formas de atuação da assistência social no território, sobretudo com relação aos terreiros do bairro.

“Todas as áreas da assistência têm uma rede com instituições públicas, privadas, religiosas e movimentos sociais. O papel da assistência [social] é conhecer o território, suas instituições e os seus serviços.  Quando eu vim para cá [Guaratiba], eu percebi que não havia nenhum terreiro [listado no CRAS como parceiro]. Eu conheço o pai Márcio de Jagun, que é coordenador executivo da Diversidade Religiosa do Rio, e a gente fez uma reunião. A primeira ação foi o cadastro único (para cadastrar os terreiros da região) e, a partir disso, os terreiros estão participando da rede NUDECA (Núcleo de Defesa da Criança e Adolescente) em Guaratiba e estão fazendo outras ações junto com o CREAS, com a Regional e a subprefeitura. O papel do CRAS é conhecer o que os terreiros fazem, nós conhecemos esse território por conta dos terreiros. Esse é o nosso papel, que tem que ser feito em qualquer CRAS.” — Andréia Lima

A Iyá Katiuscia de Yemanjá descreveu como a luta pela construção de políticas públicas que garantam a proteção dos povos de terreiro é diária e realizada no chão das casas de Axé. E que essa demanda das religiões de matriz africana da região levou à organização de várias lideranças para que, coletivamente, pudessem estar fortalecidas na luta contra os ataques que vêm frequentemente sofrendo. O terreiro Ilê Axé Òbá Labí, por exemplo, teve bombas arremessadas em seu interior e a Casa de Mãe Luizinha de Nanã sofreu um ataque no Jardim de Ervas Sagradas, que foi queimado durante a noite.

“Nós tivemos nossas casas organizadas e fizemos uma reunião com a Andreia do CRAS de Guaratiba, pois ela solicitou algumas representações de terreiro porque ela queria entender o porquê de um território que tinha tantas casas de terreiro [ter essas] casas invisibilizadas nas políticas públicas. Por exemplo, o CRAS tem como parceiros igrejas e outras organizações cristãs, mas não tinha nenhum terreiro. Quando nós chegamos lá, a gente fez um uma espécie de organização que se chama CRAS do Axé, que era justamente para tentar fortalecer os terreiros da região.” — Iyá Katiuscia de Yemanjá

Iyá Luizinha de Nanã participa de oficina de tranças durante a Ação Social Caminhos de Xangô. Foto: Bárbara Dias
Iyá Luizinha de Nanã participa de oficina de tranças durante a Ação Social Caminhos de Xangô. Foto: Bárbara Dias

A Iyá Luizinha de Nanã, 62 anos, da Casa de Nanã, uma das matriarcas que integra o CRAS do Axé, demonstrou sua preocupação com a mudança da direção do CRAS, que deverá ocorrer ainda em dezembro de 2022. 

“O CRAS do Axé é importante porque juntou vários pais e mães de santo, fazendo reivindicações, colocando ali todos os problemas, fazendo que a comunicação com a prefeitura ficasse muito mais equilibrada. Está sendo muito bom o CRAS do Axé, e é justamente isso que a gente não quer perder, porque a Andreia Lima sai agora em dezembro… E se entra uma outra coordenadora, a gente não sabe como será a postura dela, o que ela vai fazer, como ela vai levar essa questão das violências e dos atos de racismo religioso que temos na região, por isso que nós estamos, já antes da Andreia sair… a gente está falando isso já estabelecendo esse diálogo com a prefeitura para que não tire esse meio de comunicação que a gente tem e para que essa interlocução não acabe.” Iyá Luizinha de Nanã

O CRAS do Axé é uma experiência pioneira e de relevante importância não só para Guaratiba, mas como exemplo para todos os demais territórios da cidade. No entanto, ainda se encontra em fase inicial de construção e, caso entre na direção uma assistência social que não seja sensível à causa das Casas de Axé da região, lamentavelmente todo esse esforço de diálogo que se abriu com mães e pais de santos do território pode retroceder. O que se espera é que o diálogo entre o CRAS de Guaratiba e o CRAS do Axé permaneça aberto. Se depender da organização dos povos de terreiro, isso já é um fato, pois, não há espaço para retrocessos nas lutas por direitos.

Exposição Fotográfica Pedrinhas Miudinhas

Exposição Pedrinhas Miudinhas da fotógrafa Clara Nascimento, sendo vista pela Iyá Jacqueline de Òbá. Foto: Bárbara Dias
Exposição Pedrinhas Miudinhas da fotógrafa Clara Nascimento, sendo vista pela Iyá Jacqueline de Òbá. Foto: Bárbara Dias

A exposição fotográfica Pedrinhas Miudinhas, da fotógrafa Clara Nascimento, 27 anos, mostrou o trabalho da artista no terreiro. A exposição que estava presente no salão do Ilê Axé Òbá Labí teve como tema crianças de axé.

“Meu trabalho principal é com fotografia documental de terreiro e estou na minha segunda exposição, que se chama Pedrinhas Miudinhas. Eu já expus no Museu de Arte do Rio, através de uma residência artística do Festival Play. Aqui no terreiro, ela está sendo feita em outro formato com oito fotos a mais, numa montagem diferente com outro tipo de suporte, idealizada pela Ekedji Angorense e pela Iyá Katiuscia, com elementos e material de terreiro, com decoração com Ojás (tecidos), que são muito característicos de terreiros, com ervas. E, sendo dentro do espaço de terreiro, eu estou muito contente, pois eu também fui uma criança de Axé, nascida e criada dentro de um terreiro. Minha avó tem um terreiro de Umbanda aqui em Guaratiba também.” — Clara Nascimento

A fotógrafa Clara Nascimento posa em frente a suas fotos preferidas da exposição Pedrinhas Miudinhas. Foto: Bárbara Dias
A fotógrafa Clara Nascimento posa em frente a suas fotos preferidas da exposição Pedrinhas Miudinhas. Foto: Bárbara Dias

Por um Futuro Calcado nos Ancestrais

O CRAS do Axé, o Movimento Caminhos de Xangô, o Jardim das Ervas Sagradas e a participação dos terreiros na rede NUDECA são algumas das muitas iniciativas de organização e luta em Guaratiba. Está cada vez mais evidente que se aquilombar é a única alternativa para o povo de terreiro. A coletividade é a resposta para não sucumbir à ausência de políticas públicas, à falta de garantia de direitos e aos ataques de racismo religioso direcionados ao povo de Axé. 

A Organização do CRAS do Axé, representada pelas quatro matriarcas, nos adiantou que, para o ano de 2023, haverá muitas movimentações e novidades com o lançamento de mais ações antirracistas e em defesa da liberdade religiosa no território.

Veja aqui mais fotos da Ação Social Caminhos de Xangô:

Participantes da Ação Social Caminhos de Xangô assistem à abertura do evento. Foto: Bárbara Dias
Participantes da Ação Social Caminhos de Xangô assistem à abertura do evento. Foto: Bárbara Dias
Pessoas participam da tenda da CEDAE durante a realização do evento. Foto: Bárbara Dias
Pessoas participam da tenda da CEDAE durante a realização do evento. Foto: Bárbara Dias
A equipe da Clínica da Família esteve presente durante a Ação Social no Ilê Axé Òbá Labí. Foto: Bárbara Dias
A equipe da Clínica da Família esteve presente durante a Ação Social no Ilê Axé Òbá Labí. Foto: Bárbara Dias
Comunidade do Ilê Axé Òbá Labí, matriarcas do CRAS de Axe e demais convidados do evento posam para a foto ao final das atividades realizadas. Foto: Bárbara Dias
Comunidade do Ilê Axé Òbá Labí, matriarcas do CRAS do Axé e demais convidados do evento posam para a foto ao final das atividades realizadas. Foto: Bárbara Dias
Iyá Katiuscia de Yemanjá e Babá Thiago de Xangô em frente ao Ilê Axé Òbá Labí, onde se pode ler uma placa que alerta que a Intolerância Religiosa é Crime. Foto: Bárbara Dias
Iyá Katiuscia de Yemanjá e Babá Thiago de Xangô em frente ao Ilê Axé Òbá Labí, onde se pode ler uma placa que alerta que a Intolerância Religiosa é Crime. Foto: Bárbara Dias

Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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