Representatividade Importa: Acertos e Contradições do Gabinete de Transição e as Perspectivas para os Ministérios do Novo Governo Lula

O Presidente-Eleito Luiz Inácio Lula da Silva anuncia ministros durante coletiva no CCBB Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva anuncia ministros durante coletiva no CCBB Brasília. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Nos bastidores, o Gabinete de Transição do Governo Lula foi cobrado a incluir mais nomes que representassem as minorias. Com a participação de intelectuais indígenas, quilombolas, negras e negros, de favela, periféricos, representantes da sociedade civil e de movimentos sociais na transição, o presidente-eleito começa a dar uma cara nova para a Esplanada dos Ministérios—mesmo que o retrato do poder no Brasil siga sendo branco e patriarcal.

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito com apoio de uma ampla frente democrática formada por partidos de esquerda, progressistas, de centro e direita, mas também com forte adesão de movimentos sociais e minorias indígenas, quilombolas, LGBTQIAP+, coletivos e populações de favelas e periferias e de organizações do movimento negro brasileiro.

O Brasil é majoritariamente formado por uma população negra e feminina. Portanto, é compreensível que Lula seja cobrado a dar mais diversidade a seu governo.

Ainda que houvessem nomes de personalidades e intelectuais mulheres, negras e indígenas bastante atuantes na política brasileira, como Anielle Franco, Iêda Leal, Preta Ferreira, Douglas Belchior e Silvio Almeida, dos 320 nomes anunciados pelo presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva para compor os grupos de trabalho do Gabinete de Transição, 207 eram de homens e 113 de mulheres. Eram, em média, dois homens para cada mulher. Dos que formam o Gabinete, 144 integrantes (48%) são da Região Sudeste.

A composição do Gabinete de Transição foi alvo de críticas porque é comum que integrantes dos grupos de trabalho da transição, posteriormente, sejam anunciados para ministérios e secretarias do governo. Por isso, Lula foi cobrado abertamente na imprensa e nos bastidores por entidades do movimento negro, indígena e LGBTQIAP+ a formar um novo governo que seja de fato representativo da população brasileira.

Em 9 de dezembro, por ocasião do anúncio dos cinco primeiros ministros de seu governo, o presidente-eleito Lula afirmou que anunciaria todos os nomes até 22 de dezembro, prometendo que o governo terá “a cara da sociedade brasileira na sua total plenitude“.

Na ocasião, ao ser questionado sobre diversidade no governo, Lula apontou para Flávio Dino: “não entendo que você pensa que esse cara é branco. Se você perguntar ao IBGE, ele vai dizer, no mínimo, que é pardo”. Dino já foi anunciado como o futuro Ministro da Justiça e Segurança Pública e se autoidentifica enquanto homem negro.

Uma pesquisa encomendada pelo Programa + Representatividade, do Instituto Update, revelou que parte significativa dos brasileiros é favorável à ocupação dos ministérios do governo eleito por mulheres e pessoas negras.

Combinando pesquisas de opinião, grupos focais e entrevistas em profundidade com candidatos e candidatas nas últimas eleições municipais de 2020, o estudo oferece uma visão aprofundada sobre a necessidade de aumentar a viabilidade eleitoral de candidaturas de grupos sub-representados.

No total, 41% dos que responderam à sondagem disseram “concordar ou concordar muito com a afirmação” de que o novo presidente deve nomear mulheres para metade das pastas disponíveis, ainda que não sejam conhecidas ou da área da política.

39% afirmaram “concordar ou concordar muito” que Lula nomeie pessoas negras para ocupar metade dos ministérios, mesmo que elas não sejam conhecidas ou tenham passagem pela política.

Representatividade Importa

A cada nome anunciado para os ministérios, secretarias, assessorias, autarquias e outros cargos políticos do alto escalão do Executivo, as críticas de movimentos populares se acirram e aumenta a pressão com relação à representatividade no novo governo. E é importante ressaltar que a representatividade importa.

Margareth Menezes, cantora baiana, negra, que participou do grupo de cultura ao lado da Deputada Federal Áurea Carolina, recebeu convite e aceitou ser a nova ministra da cultura. O ministério será recriado na gestão do petista, após anos de descaso.

No governo de Michel Temer, o Ministério da Cultura (MinC) foi fundido ao Ministério da Educação e rebaixado à secretaria. Só depois de muita mobilização é queTemer recriou o ministério. Com a eleição de Jair Bolsonaro, o MinC foi novamente extinto e foi criada a Secretaria Especial de Cultura, sob administração do Ministério da Cidadania e, posteriormente, do Ministério do Turismo.

Margareth Menezes será a futura Ministra da Cultura no terceiro governo Lula, a partir de 1° de janeiro de 2023. Divulgação
Margareth Menezes será a futura Ministra da Cultura no terceiro governo Lula, a partir de 1° de janeiro de 2023. Foto: divulgação

O perfil da futura ministra foi celebrado. É mulher, negra e ativista dos direitos humanos. Foi eleita uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo, segundo a Most Influential People of African Descent (MIPAD).

Da esquerda para direita: Sheila Carvalho, Tamires Sampaio e Marivaldo Pereira - Montagem: Mídia Ninja
Da esquerda para direita: Sheila Carvalho, Tamires Sampaio e Marivaldo Pereira – Montagem: Mídia Ninja

Em 16 de dezembro, o futuro Ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino anunciou membros do seu gabinete e a criação de uma nova secretaria. Entre os nomes anunciados estão jovens lideranças e ativistas negros que estarão à frente da formulação de políticas nacionais de segurança pública, de redução de letalidade policial e de políticas que combatam o genocídio da população negra.

A advogada Tamires Sampaio, de 30 anos, será coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado em 2007 e hoje inativo. Tamires, moradora de Guaianases, bairro da periferia leste da cidade de São Paulo, é coordenadora da Frente Nacional Antirracista e irá liderar o trabalho para reduzir os índices de criminalidade nas regiões metropolitanas mais violentas do Brasil.

Em entrevista à Ponte Jornalismo, ela afirma que o principal desafio do posto é construir uma noção da segurança pública que não se baseie em repressão e violência, mas “a partir da garantia de direitos da população, do acesso à saúde, educação, cultura, moradia, geração de emprego, discussão de renda”.

Marivaldo Pereira, presidente do PSOL-DF, vai estar à frente da nova Secretaria de Acesso à Justiça, que terá como principal função coordenar a interlocução do ministério com os movimentos sociais.

Além de Tamires e Marivaldo, Dino também anunciou Sheila de Carvalho, integrante da Uneafro Brasil, coordenadora do Núcleo de Violência Institucional da OAB-SP e conselheira da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, além de militante da Coalizão Negra Por Direitos. Ela integrou o grupo de transição de Justiça e Segurança Pública e, agora, será a assessora especial de Flávio Dino no Ministério da Justiça e presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).

Em carta aberta a Lula, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) indicou três lideranças indígenas de diferentes povos para que o presidente-eleito escolha, dentre elas, quem irá liderar o primeiro Ministério dos Povos Indígenas do Brasil. São elas Weibe Tapeba (PT-CE), advogado e vereador da cidade de Caucaia, no Ceará; Sonia Guajajara (PSOL-SP), professora, educadora e enfermeira, do Maranhão, mas atualmente baseada em São Paulo; e Joenia Wapichana (REDE-RR), primeira mulher indígena advogada do Brasil e primeira mulher indígena eleita deputada federal. Sonia e Joenia fazem parte do Gabinete de Transição do Lula no grupo técnico dos Povos Originários. Além delas, outras três lideranças indígenas participaram do grupo: Benki Piyãko, Célia Xakriabá e Davi Kopenawa Yanomami.

Os três possíveis nomes para ocupar o Ministério dos Povos Originários, da esquerda para a direita: Joenia Wapichana, Sonia Guajajara e Weibe Tapeba. Montagem APIB
Os três possíveis nomes para ocupar o Ministério dos Povos Originários, da esquerda para a direita: Joenia Wapichana, Sonia Guajajara e Weibe Tapeba. Montagem APIB

Vale também destacar a participação de crias de favela, intelectuais e ativistas periféricos no Gabinete, como a Sabrina Santos, membro da União dos Moradores de Heliópolis (Unas).

O grupo de transição de Igualdade Racial teve nomes de peso como: Nilma Lino Gomes, ex-Ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos; Givânia Maria Silva, educadora quilombola e doutora em Sociologia; Iêda Leal, pedagoga e Coordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU); e Preta Ferreira, militante do movimento negro e de moradia, presa em 2019 por 109 dias por ser atuante no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e na Frente de Luta por Moradia da cidade de São Paulo.

Nomes de peso como os de Douglas Belchior e Nilma Lino Gomes participaram de grupos de transição e foram cotados para o futuro Ministério da Igualdade Racial. Divulgação
Nomes de peso como os de Douglas Belchior e Nilma Lino Gomes participaram de grupos de transição e foram cotados para o futuro Ministério da Igualdade Racial. Foto: divulgação

Além de Sheila Carvalho, outros integrantes da Coalizão Negra Por Direitos participaram de grupos de transição. Dentre eles, Douglas Belchior, professor de História e fundador da Uneafro Brasil, e Thiago Tobias, advogado da Coalizão.

Após compor o Grupo de Transição de Mulheres junto a outras nove integrantes, a jornalista, pesquisadora e mestra em Relações Étnico-Raciais Anielle Franco, cria do Conjunto de Favelas da Maré—que abrange 16 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro—irá assumir o futuro Ministério da Igualdade Racial do novo governo.

Anielle Franco, futura Ministra da Igualdade Racial, em ato na Esplanada dos Ministérios, Brasília. Foto: Luna Costa
Anielle Franco, futura Ministra da Igualdade Racial, em ato na Esplanada dos Ministérios, Brasília. Foto: Luna Costa

Iraneide Soares da Silva, doutora em História e integrante do Sankofa – Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Memória da Escravidão e do Pós-Abolição da UESPI, compôs o grupo de transição da Ciência, Tecnologia e Inovação. A chefia do futuro Ministério da Ciência e Tecnologia ficará a cargo da integrante do Conselho Político do grupo de transição do governo e atual vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos.

Silvio Almeida, membro do Gabinete de Transição do novo governo Lula. Reprodução
Silvio Almeida, futuro ministro dos Direitos Humanos do governo Lula. Foto: reprodução

No grupo de transição do Ministério dos Direitos Humanos, destacou-se a participação de Silvio Luiz de Almeida, um dos intelectuais negros mais renomados do país. Advogado e ex-professor das universidades de Columbia e Duke, nos Estados Unidos, Silvio é autor do livro Racismo Estrutural. Apesar de seu nome desagradar alguns integrantes do PT que, de acordo com a CNN Brasil, prefeririam um político na vaga, seu favoritismo confirmou-se em 22 de dezembro quando foi anunciado como Ministro dos Direitos Humanos.

Nomeações para o Ministério e um Vislumbre do Futuro

O novo governo será composto por 37 ministérios. A criação de novas pastas responde às promessas feitas durante a campanha, mas não representarão aumento de cargos na Administração Pública Federal. Até o momento, o perfil dos 21 ministros já anunciados pelo presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva é de dez petistas, seis mulheres, quatro negros e um indígena. Em entrevista coletiva à imprensa em 22 de dezembro, Lula anunciou estes futuros ministros. Faltam ainda outros 16 nomes.

Lula vem sendo cobrado por diversidade e os 21 futuros ministros já anunciados ainda não resolveram a questão. No recorte de gênero, temos 15 homens nomeados como ministros e apenas seis mulheres. Entre elas está Anielle Franco, até então diretora do Instituto Marielle Franco, que foi nomeada para o Ministério da Igualdade Racial. Anielle é irmã de Marielle Franco, vereadora brutalmente assassinada no Rio de Janeiro em 14 março de 2018. Quase cinco anos após a execução, o crime segue sendo investigado e nenhum acusado foi julgado.

Em comunicado feito pelo Twitter, Anielle Franco afirmou que fará uma gestão alinhada aos demais ministérios e secretarias: “Não será um ministério isolado. Vamos trabalhar com todos os ministérios para recuperar o retrocesso que foi feito nos últimos anos e para avançar de uma forma urgente, necessária e inédita na garantia de direitos e dignidades para o nosso povo e construir o Brasil do futuro”.

Explicou, ainda, por que aceitou o convite para ser ministra:

“Recebi o convite do presidente Lula para ser ministra da pasta de Igualdade Racial. Depois de refletir com minha família, companheiras de caminhada e movimentos, aceitei o desafio em nome da memória da minha irmã e das mais de 115 milhões de pessoas negras no Brasil, que são maioria da população e que precisam de um governo que se preocupe com os seus direitos de bem viver, de oportunidades, com segurança, comida, educação, emprego, cultura, e dignidade”. 

O Instituto Marielle Franco fez um post recordando a última fala de Marielle no evento do seu mandato na Casa das Pretas sobre “jovens negras movendo as estruturas”. 

Outra forte referência do movimento negro escolhido para um ministério, Silvio Almeida, afirmou em post do Twitter: “Assumo com imensa honra e responsabilidade a tarefa que me foi atribuída pelo Presidente @LulaOficial de servir ao meu país como Ministro dos Direitos Humanos. Teremos um enorme trabalho pela frente, mas carrego a esperança de que será possível trazer dignidade ao povo brasileiro”.

Eleito por uma frente ampla democrática, Lula até o momento mostra que o governo terá a cara do PT, sem comprometer um possível governo com orientação de centro-direita ao invés de centro-esquerda.

Dos 37 ministros que comporão seu gabinete, sete são políticos do PT, partido com a maior participação. Nenhum partido de centro foi contemplado até agora. Em termos étnicos e de gênero, são dez homens brancos, três pardos autodeclarados (Flávio Dino, Rui Costa e Jorge Messias), um preto, Sílvio Almeida, e um indígena, Wellington Dias. Entre as seis mulheres, Margareth Menezes e Anielle Franco são pretas e Luciana Santos se declara parda.

Com 16 pastas ainda a serem anunciadas, permanece a expectativa do quanto as escolhas do presidente-eleito trarão uma diversidade que de fato represente o conjunto da sociedade brasileira.

Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista e comunicadora popular de coração. Feminista negra, integrante do Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão, atua como repórter no RioOnWatch. Cria de favela, negra de pele clara, mora no asfalto periférico do subúrbio do Rio e é doutoranda em comunicação pela UFF


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