Diversas, mas Não Dispersas: A Pluralidade das Vozes na Marcha do Dia Internacional de Luta das Mulheres no Rio de Janeiro [IMAGENS]

Mulheres no início do ato do 8M seguram faixa e gritam palavras de ordem, na foto, da esquerda para a direita, a Vereadora Luciana Boiteux, a Vereadora Monica Cunha, Tatianny Araújo; atrás com a bandeira do Movimento do Trabalhadores sem Direitos Maria dos Camelôs e, com a placa de Marielle Franco, Sílvia Mendonça. Foto: Bárbara Dias
Mulheres no início do ato do 8M seguram faixa e gritam palavras de ordem. Na foto, da esquerda para a direita: Vereadora Luciana Boiteux, Vereadora Monica Cunha, Tatianny Araújo; atrás com a bandeira do Movimento do Trabalhadores sem Direitos: Maria dos Camelôs e, com a placa de Marielle Franco, Sílvia Mendonça. Foto: Bárbara Dias

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No dia 8 de março, anualmente, ocorre a Marcha do Dia Internacional de Luta das Mulheres, chamada de 8M RJ, no Centro da cidade do Rio de Janeiro. O ato se concentra na Igreja da Candelária e caminha até a Cinelândia.

Coletivos feministas, movimentos sociais, sindicatos e mulheres de diversos setores da sociedade vão às ruas marchar por entenderem a necessidade de lutar contra o patriarcado, sistema que perpetua a desigualdade de gênero e a opressão sobre as mulheres. A convocação para a organização do ato é sempre divulgada nas redes sociais, com locais e horários definidos, onde qualquer mulher pode participar das plenárias de construção da marcha. Neste ano, a convocação foi “Mulheres nas ruas em defesa da democracia! Sem anistia! Chega de feminicídio e de violência contra as mulheres! Por emprego e renda, pela legalização do aborto e pelo fim da fome! Em defesa da educação e da saúde pública!

Faixa "Juntas Somos Gigantes", no 8M RJ, na Cinelândia. Foto: Bárbara Dias
Faixa “Juntas Somos Gigantes”, no 8M RJ, na Cinelândia. Foto: Bárbara Dias

Porém, apesar de estarem unidas, cada mulher que participa da Marcha das Mulheres tem suas próprias lutas. Cada uma experimenta as diferentes opressões, oriundas de sua raça, classe social, territórios de origem ou de moradia, além das próprias subjetividades e histórias de vida. No livro O Que É Lugar de Fala?, a filósofa Djamila Ribeiro alerta que a “insistência em falar de mulheres como universais, não marcando as diferenças existentes, faz com que somente parte desse ser mulher seja visto”. Com a voz, a diversidade de mulheres, unidas, construíram o 8M RJ 2023.

Potyra Guajajara-Krikati, Liderança da Aldeia Maracanã

Potyra Guajajara-Krikati, representante dos povos originários, participante da ocupação da Aldeia Maracanã, foi a primeira a compartilhar sua reflexão.  

“Gostaria de homenagear todas as mulheres guerreiras, e que a nossa luta seja por um futuro maior e melhor para as crianças, para os idosos e para nós mulheres, para nós, mulheres indígenas… É muito importante que a gente dê esse apoio às mães e às crianças, que são o futuro. A gente também tem que vencer esse preconceito e todo o racismo que existe contra nós, povos indígenas.” — Potyra Guajajara-Krikati

Potyra Guajajara-Krikati da Aldeia Maracanã. Foto: Bárbara Dias
Potyra Guajajara-Krikati da Aldeia Maracanã. Foto: Bárbara Dias

Maria do Nascimento, Professora da Rede Pública e Sindicalista

Muitas mulheres trabalhadoras marcaram presença na Marcha do 8M, como Maria do Nascimento, que é professora da rede pública e militante do Sindicato dos Profissionais da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEPE). Ela segurava uma faixa onde se lia “Mulheres Negras: As Mais Oprimidas” e um pequeno cartaz com a frase “Lute como uma Mulher”. Maria contou um pouco de sua luta. 

“Eu sou professora, sou uma mulher preta de 56 anos e nordestina. Nós mulheres negras sofremos três vezes mais de feminicídio e discriminação por nossa cor e classe social. É um momento que a gente precisa estar juntas, unidas pelas que vieram antes de nós e morreram. Essa luta não pode ficar em vão. A mulher brasileira é uma das que mais sofre com o machismo, então, hoje é somar com todas as companheiras para dar visibilidade a essa luta tão importante.” — Maria do Nascimento

Maria do Nascimento, professora da rede pública. Foto: Bárbara Dias
Maria do Nascimento, professora da rede pública. Foto: Bárbara Dias

Fátima Pinho, Mãe de Vítima de Violência do Estado

Fátima Pinho é membro do movimento Mães de Manguinhos, um coletivo de mães e familiares de vítimas da violência do Estado, e falou sobre a importância de estar na Marcha das Mulheres, ocupando esse espaço.

“É uma maneira de fortalecer as mulheres, pois o dia das mulheres é todos os dias. Está sendo uma batalha muito grande a luta contra o feminicídio. Então, a gente está aqui para somar, para ver se dá um basta também nisso. Com as mulheres gritando, somos mais fortes! É um prazer imenso estar aqui, com outras mulheres de outros movimentos, e é muito importante para nós do Movimento Mães de Manguinhos, que representamos a luta de mulheres contra a violência do Estado, estar aqui. E é isso, mulheres na pista sempre!” — Fátima Pinho

Fátima Pinho do movimento Mães de Manguinhos. Foto: Bárbara Dias
Fátima Pinho do movimento Mães de Manguinhos. Foto: Bárbara Dias

Maria dos Camelôs, Ambulante e Liderança de Classe

Com um punho cerrado e o outro tremulando a bandeira amarela do Movimento Unido dos Camelôs (MUCA), lá estava Maria de Lourdes do Carmo, mais conhecida como Maria dos Camelôs, liderança da luta e em defesa das trabalhadoras e trabalhadores camelôs. Ativista e ambulante há 25 anos, ela compartilhou um pouco de sua vivência e da importância da camelotagem para a conquista da sua autonomia.

“É muito importante a gente estar aqui hoje para que nos reconheçam como trabalhadoras… sabemos que estamos falando de violência contra as mulheres. As camelôs vão para as ruas!… Eu, por exemplo, saí de um relacionamento, pois eu apanhava do meu ex-marido, pai dos meus filhos, e fui para a rua pra sair daquele relacionamento abusivo e conseguir ganhar dinheiro para criar os meus filhos [de maneira independente]. Então, você vê muitas mulheres, mães solo, que estão aqui na rua trabalhando e a gente precisa que essas mulheres sejam reconhecidas como trabalhadoras. A gente fala de violência contra a mulher, mas [não podemos esquecer que] as mulheres que trabalham em camelô sofrem todos os dias a violência [dos homens] da Guarda Municipal e do Prefeito da Cidade [Eduardo Paes].” — Maria dos Camelôs

Maria de Lourdes, conhecida como “Maria dos Camelôs”. Foto: Bárbara Dias
Maria de Lourdes, conhecida como “Maria dos Camelôs”. Foto: Bárbara Dias

Luciene Lacerda, Psicóloga, Educadora e Feminista Antirracista

Luciene Lacerda, criadora e coordenadora da campanha 21 Dias Contra o Racismo, em sua fala evidenciou bem as demandas de uma mulher negra na marcha do Dia Internacional das Mulheres.

“Então, estar aqui hoje é, principalmente, para lembrar de alguns pontos especiais. Nós, mulheres negras, somos 28% da população brasileira, nós somos o maior contingente populacional do país, e a gente não está em determinados lugares, como, por exemplo, no Supremo Tribunal Federal (STF). A gente não [está] em um número representativo dentro da gestão pública, dentro do espaço jurídico ou de qualquer gestão. Mas [por outro lado] a gente está em primeiro lugar em algumas coisas muito tristes: nós somos liderança da mortalidade materna, estamos entre os menores salários e somos aquelas que não conseguem alcançar as creches. Mesmo tendo creche pública, o número é absolutamente insuficiente.

A luta sobre a questão do aborto é essencial, no entanto, só a questão da descriminalização não nos afeta. Pois isso significa que, mesmo deixando de ser crime, não vai ser público, não vai estar [disponível] pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Então, isso significa [que] as mulheres pretas continuarão morrendo. As mulheres precisam ser acolhidas, precisam ter o direito ao trabalho e à vida. Além de tudo isso, estamos no topo dos feminicídios. Então, estar aqui no 8M é lutar pelas mulheres, mas lutar pensando que não são todas as mulheres que estão representadas aqui nesses espaços de luta. É necessário que isso seja mudado.” — Luciene Lacerda

Luciene Lacerda, criadora e coordenadora da campanha 21 dias contra o Racismo. Foto: Bárbara Dias
Luciene Lacerda, criadora e coordenadora da campanha 21 dias contra o Racismo. Foto: Bárbara Dias

É pela Vida das Mulheres

A luta é por engajamento feminino e da sociedade em geral pela vida das mulheres, no combate ao feminicídio, à violência política de gênero, à diferença salarial, ao racismo que incide de forma perversa sobre as mulheres negras, em busca da autonomia sobre nossos corpos e pela legalização do aborto seguro, legal e oferecido pelo SUS. A Vereadora Marielle Franco, em discurso de 8 de março de 2017, resumiu que enquanto mulheres “somos diversas, mas não estamos dispersas”. É nessa diversidade, apontada por Marielle, que reside a potência do movimento das mulheres.

Manifestante segura uma placa com o nome da Rua Marielle Franco. Foto: Bárbara Dias
Manifestante segura uma placa com o nome da Rua Marielle Franco. Foto: Bárbara Dias

Que não somente no dia 8 de março, mas em todos os dias do ano, estejamos atentas a todas as vozes femininas, que, juntas, dão o tom da construção de um futuro mais igualitário.

Marcha 8M na Cinelândia. Foto: Bárbara Dias
Marcha 8M na Cinelândia. Foto: Bárbara Dias

Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.


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