Cinco Anos Depois de Seu Feminicídio Político, Falta Implementar Todas As Leis Aprovadas da Legisladora Marielle Franco

Prefeitura e Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro alegam falta de orçamento

Vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em 14 de março de 2018, há cinco anos. Foto: Leon Diniz
Vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em 14 de março de 2018, há cinco anos. Foto: Leon Diniz

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O legado não pode ser apenas simbólico. O Estado brasileiro deve aos familiares, à sociedade brasileira e à comunidade internacional uma resposta à pergunta Quem Mandou Matar Marielle Franco e Anderson Gomes? Neste 14 de março de 2023, o brutal assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes completou #5AnosSemResposta e sem #JustiçaPorMarielleEAnderson. Além disso, o município do Rio de Janeiro deve à sociedade a implementação das leis aprovadas que ficaram como legado legislativo de Marielle Franco. Abaixo apresentamos estas leis que aguardam 1.827 dias sua concretização.

A Primeira Lei de Marielle Franco: O Espaço Coruja

Marielle Franco, em sua curta mandata, legislou em favor das crianças e de suas mães. Foto: Leon Diniz
Marielle Franco, em sua curta mandata, legislou em favor das crianças e de suas mães. Foto: Leon Diniz

De autoria de Marielle Franco, a Lei 6419/2018 instituiu o Programa Espaço Infantil Noturno de Atendimento à Primeira Infância, também conhecida como Lei do Espaço Coruja, que tem por objetivo atender à demanda de famílias cuja mãe ou pai comprovadamente trabalhem ou estudem à noite. Uma legislação como essa beneficiaria, sobretudo, as mulheres mães que, sobrecarregadas pelas jornadas múltiplas de trabalho, às vezes, abrem mão de melhores oportunidades devido ao cuidado das crianças e à negligência estrutural dos pais em assumirem sua parcela no cuidado dos filhos.

Conforme narrado no livro Espaço Coruja: pelo direito das crianças e das mulheres. Legisladora Marielle Franco, de Amanda Mendonça e Pâmella Passos, já nos primeiros dias de mandato parlamentar, em janeiro de 2017, Marielle protocolou o Projeto de Lei 017/2017, a Lei do Espaço Infantil Noturno de Atendimento à Primeira Infância.

Em depoimento para o livro Espaço Coruja, a professora mareense e hoje Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco relembrou a motivação do primeiro projeto de lei de sua irmã. Segundo a ministra, veio a partir da vivência de ter sido uma mãe solo de favela, jovem e universitária, e da percepção de que ela, ao contrário de muitas outras mulheres, contou com uma rede de apoio formada por pais e irmã, que possibilitou que ela, além de mãe jovem, estudasse, trabalhasse, se tornasse ativista e, posteriormente, parlamentar. Sem essa rede sua trajetória não teria sido possível ou, pelo menos, teria sido muito mais difícil. 

“Nossa mãe se virava pedindo a um e a outro. Mesmo sendo somente durante o dia, em sua maioria das vezes, a apreensão dela em deixar as filhas era notória. Eu cresci entendendo essa batalha. Alguns anos depois, eu ainda era quase uma adolescente, quando nasceu Luyara [única filha de Marielle]. Eu vi aquele filme se repetindo, mas com minha irmã. De alguma maneira, eu achava que eu deveria retribuir tudo que ela fez por mim enquanto pequena e resolvi que eu faria o mesmo com a Lulu, minha sobrinha, e cuidaria dela como se fosse minha. Eu a buscava na creche e ficava com ela sempre que minha irmã precisava dessa ajuda. Minha irmã estudava na PUC à noite e ainda bem que ela tinha a gente. Mas se ela não tivesse, como tantas outros não tem?” — Ministra Anielle Franco

Marinete da Silva relembra sua filha, a Vereadora Marielle Franco junto de sua neta, filha de Marielle, Luyara Franco, seu marido, o pai de Marielle, Antônio Francisco da Silva Neto, sua outra filha e irmã de Marielle, a atual Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco e sua nora, a Vereadora Mônica Benício na inauguração da estátua de Marielle, em 2022, no Buraco do Lume, Centro do Rio. Essa era a rede de apoio com a qual Marielle pôde contar enquanto mãe solo estudante e trabalhadora. Foto: Alexandre Cerqueira/RioOnWatch
Marinete da Silva relembra sua filha, a Vereadora Marielle Franco junto de sua neta, filha de Marielle, Luyara Franco; seu marido, o pai de Marielle, Antônio Francisco da Silva Neto; sua outra filha e irmã de Marielle, a atual Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco; e sua nora, a Vereadora Mônica Benício na inauguração da estátua de Marielle, em 2022, no Buraco do Lume, Centro do Rio. Essa era a rede de apoio com a qual Marielle pôde contar enquanto mãe solo estudante e trabalhadora. Foto: Alexandre Cerqueira
Marielle Franco foi mãe estudante e sabia que ter alguém para esse cuidado da criança e da mulher era fundamental. Foto: Leon Diniz
Marielle Franco foi mãe estudante e sabia que ter alguém para esse cuidado da criança e da mulher era fundamental. Foto: Leon Diniz

A amiga e professora de história do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Pâmella Passos reforça o relato de Anielle de que a política de Marielle era sobre sua vivência, era a política da vida das mulheres pretas e de favela.

“Mari chega com muita responsabilidade. E não é à toa que a Lei do Espaço Coruja foi a primeira. Marielle como mãe, como alguém que estudou com uma filha, sabia que ter alguém para esse cuidado com a criança e com a mulher era fundamental. Ela sabia, no seu próprio corpo, a real necessidade de um espaço infantil noturno.” — Pâmella Passos 

De acordo com a historiadora, o livro sobre a Lei do Espaço Coruja foi editado “para caber na bolsa de quem precisa ler esse relato” se deslocando para o trabalho, porque a Lei Espaço Coruja é a política pública mais importante do legado de Marielle Franco como legisladora.

“No meio da pandemia, a gente teve o caso do menino Miguel, por exemplo, que morre no Nordeste, porque sua mãe leva ele para o trabalho. A gente tem inúmeros casos de crianças que ficam em situação de vulnerabilidade por falta de um espaço infantil noturno adequado. Mari estava à frente do seu tempo. Ela sabia na carne… Acho que foi muito importante e simbólico todo o esforço para aprovação das leis da Marielle, em 2018, após o seu assassinato. Mas, não basta estar no papel! A gente tem que efetivar as leis! Não ter sequer um espaço infantil noturno na cidade do Rio de Janeiro… é um absurdo. É como se fosse uma segunda morte de Marielle. É um silenciamento do que ela foi como legisladora e vereadora.” — Pâmella Passos

As autoras do livro sobre o Espaço Coruja já foram convidadas a contar sobre a construção do projeto de lei no Canadá e na Escócia, pois este é um exemplo de como raça, gênero e classe devem estar por trás do desenho de políticas públicas antirracistas, feministas e com recorte de classe. Elas também já escreveram sobre o legado das políticas públicas de Marielle Franco no Le Monde Diplomatique Brasil.

Marielle Franco exibe em sua camisa a frase Direito à Favela. Foto: Arquivo Primeiro Encontro Direito À Favela.
Marielle Franco exibe em sua camisa a frase Direito à Favela. Foto: Arquivo do primeiro encontro Direito À Favela

No entanto, mais de quatro anos após ser aprovada na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, em 14 de novembro de 2018, a ideia do Espaço Coruja ainda não saiu do papel. “A Lei ainda depende de regulamentação e previsão orçamentária para a efetiva aplicação do Programa. Referente à Lei nº 6614/19, trata-se de uma lei autorizativa, estando em vigor, assim como as demais 7 leis de autoria da Vereadora Marielle Franco [que tratam de educação]”, informou, em nota, a Secretaria Municipal de Educação.

Marielle Franco chegou à Câmara de Vereadores com o “pé na porta”. A afirmação não é nenhum exagero. De acordo com o Dicionário das Favelas Marielle Franco, em um ano e três meses de mandato, a parlamentar apresentou 16 iniciativas de lei, dos quais cinco contavam com ela como a única proponente. Marielle presidiu a Comissão de Defesa da Mulher, atualmente comandada por sua viúva, a Vereadora Mônica Benício, e foi nomeada relatora da Comissão de Representação para representar a Câmara Municipal em Brasília para acompanhar a Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, que aconteceu no Rio, em 2018. Ela ocupou estas posições até seu assassinato, em março de 2018.

Além da Lei do Espaço Coruja o Legado Legislativo de Marielle Franco é composto por diversos Projetos de Lei Ordinária, um Projeto de Lei Complementar e por um Decreto Legislativo. Abaixo estão os principais exemplos de políticas de Marielle focadas nas mulheres, nas crianças e jovens, na população negra e de favela, no funcionamento da cidade e das favelas, no direito à moradia, à memória, à liberdade e à vida. 

Leis Com Foco nas Mulheres

Ainda analisando exemplos de ações legislativas inovadoras focadas nas mulheres, há pelo menos três PLs de Marielle. O primeiro é o Projeto de Lei 555/2017, chamado de Dossiê Mulher Carioca, que institui a elaboração de estatísticas periódicas (no máximo anualmente) sobre as mulheres atendidas pelos serviços da prefeitura. Esse PL cria um banco de dados sobre a eficiência das ações do município, que seria utilizado por todas as secretarias de governo para o desenho de políticas mais eficientes para as mulheres cariocas.

O segundo é o Projeto de Lei 103/2017, que inclui o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra no calendário oficial do município do Rio de Janeiro.

E o terceiro é o Projeto de Lei 417/2017, que cria a campanha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio e à violência sexual na cidade do Rio. Os principais objetivos dessa campanha são: enfrentar o assédio e a violência sexual nos equipamentos, espaços públicos e transportes coletivos; divulgar informações sobre o assédio e a violência sexual; disponibilizar os telefones de órgãos públicos responsáveis pelo acolhimento e atendimento das mulheres; e incentivar a denúncia das condutas tipificadas. Esses objetivos seriam atingidos através da criação de cartilhas com explicações sobre o assédio e a violência sexual; da formação permanente dos servidores e prestadores de serviço sobre o assédio e a violência sexual; do empoderamento das mulheres para que denunciem o ocorrido; divulgação das políticas públicas voltadas para o atendimento às vítimas de assédio e à violência sexual.

Marielle no Carnaval com um leque, onde se lê "Não é Não!", lema contra o assédio na folia. Foto: Reprodução Facebook Marielle Franco
Marielle no carnaval com um leque, onde se lê “Não é Não!”. Foto: Facebook Marielle Franco

Leis Com Foco na Juventude Negra e Favelada

Focada na juventude negra, legislações de autoria de Marielle Franco aprovadas na Câmara incluem o Projeto de Lei 288/2017, que inclui o Dia Municipal de Luta Contra o Encarceramento da Juventude Negra no calendário da cidade e o Projeto de Lei 515/2017, que funda o Programa de Efetivação de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto no município do Rio. O último visa tecer uma rede de socioeducação em meio aberto, reduzindo o encarceramento de jovens, sobretudo negros. Esse PL visa preservar a convivência da criança e do adolescente infrator com a família, a escola e a comunidade, mesmo em meio ao cumprimento da pena. De acordo com essa iniciativa legislativa, as medidas socioeducativas (as penas para crianças e adolescentes) devem ter, de preferência, um caráter comunitário, profissionalizante e voltado à inclusão do adolescente (até 21 anos) no mercado de trabalho.

Pensando a partir das favelas, Marielle propôs uma política pública com o potencial de evitar centenas de mortes por ano em deslizamentos de terra, desabamentos de barreiras e de imóveis em favelas. O Projeto de Lei 642/2017 institui a assistência técnica pública e gratuita para elaboração do projeto, construção, reforma, ampliação e regularização fundiária de habitação de interesse social de famílias com renda de até três salários mínimos. Os principais objetivos desse PL são: otimizar o aproveitamento do espaço; formalizar e regularizar as edificações; apoiar reformas ou ampliação de habitações junto ao poder público municipal; evitar a ocupação de áreas de risco e de interesse ambiental e promover o equilíbrio das áreas construídas próximas a áreas de preservação ambiental; e propiciar e qualificar a ocupação do sítio urbano em consonância com a legislação urbanística e ambiental.

Isso significa que, similar aos POUSOs que apesar de poucos e limitados, foram muito populares no início do século, haveria um órgão público da prefeitura responsável por oferecer assessoria técnica a moradores de favela sobre as condições estruturais de áreas já consolidadas e para o planejamento e construção de novos imóveis das classes populares. A lei proposta por Marielle ainda prevê que essa assistência seja oferecida prioritariamente a iniciativas autogestionadas ou sob regime de mutirão.

Vereadora Marielle Franco, cria do Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Foto: Reprodução Facebook Marielle Franco
Vereadora Marielle Franco, cria do Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Foto: Facebook Marielle Franco

Leis Com Foco na Saúde e Transporte

Marielle Franco, no entanto, não legislou só em favor das mulheres, jovens, negros e moradores de favela. A parlamentar também se dedicou a aprovar leis que tratavam de assuntos referentes à cidade e aos serviços públicos prestados à população. O Projeto de Lei 437/2017, construído em conjunto com outros vereadores de diversos partidos políticos, visava restringir o objeto de contratos de gestão celebrados entre o município do Rio e as Organizações Sociais (OS) da área de saúde. É bom lembrar que a ação de Marielle e desses outros vereadores contra as OSs se deu em um momento em que os serviços públicos de saúde da cidade do Rio de Janeiro estavam em pleno processo de concessão à iniciativa privada, através do sistema de Organizações Sociais e da desvalorização do funcionário público.

Houveram também alterações que Marielle e outros cinco vereadores aprovaram no Código Tributário do Município, Lei 691/1984, visando diminuir os impostos que recaem sobre o transporte público e, por consequência, sobre a população mais pobre.

Um projeto com grande impacto na rotina, no mercado de trabalho e na economia da favela, foi a Lei Complementar 181/2017, responsável pela regularização do serviço de passageiro por motocicletas: o mototáxi. A lei reconheceu a forma como o serviço já se dá há décadas nas favelas do Rio, e estabeleceu regras de proteção à vida dos mototaxistas e passageiros, prevendo as condições para a criação de novos pontos pela cidade, reconhecendo a necessidade de expansão desse modal.

Lei Com Foco na Administração Pública

Algumas iniciativas parlamentares de coautoria de Marielle atestam sua ação política incidindo sobre a administração pública, o orçamento do município e o bem-estar do servidor. Um exemplo disso foi o Projeto de Lei 493/2017 que, em uma realidade de constantes atrasos nos depósitos dos salários dos funcionários públicos, estabelece a prioridade de pagamento dos servidores ativos, inativos e pensionistas sobre o pagamento do subsídio mensal do prefeito, do vice-prefeito, dos secretários e dos subsecretários do município do Rio de Janeiro.

Aprovados, Mas Cadê a Implementação?

Marielle Franco também editou o Projeto de Decreto Legislativo 32/2017, que concedeu o título de Cidadã Honorária do Município do Rio de Janeiro à ativista Elza Santiago, da Articulação de Mulheres Brasileiras e educadora popular em economia solidária. Infelizmente, a parlamentar só teve a oportunidade de usar esse dispositivo legislativo uma vez.

É bom repetir que todos esses e outros projetos de Marielle Franco, 16 no total, foram propostos por seu mandato que durou somente 15 meses, interrompido pelo feminicídio político de Marielle antes mesmo da metade do mandato. Marielle era uma vereadora que trabalhava de maneira eficiente, dedicada e representativa e que tinha tremendo potencial político. Dentre essas iniciativas legislativas que ajudou a construir, Marielle foi a única autora de cinco delas: Dossiê Mulher Carioca, inclusão do Dia da Tereza de Benguela e da Mulher Negra no calendário da cidade, assistência técnica pública e gratuita, Campanha Permanente de Conscientização e Enfrentamento ao Assédio e à Violência Sexual e Decreto Legislativo em homenagem a Elza Santiago. Sendo assim, Marielle é única autora de cinco projetos legislativos aprovados pela Câmara dos Vereadores: um terço dos projetos aprovados que contaram com o engajamento dela. Uma trajetória parlamentar meteórica, interrompida por cinco tiros na cabeça.

Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro durante a Audiência Pública Violência Sexual e Saúde da Mulher em setembro de 2017. Foto: Reprodução Facebook Marielle Franco.
Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro durante a Audiência Pública sobre Violência Sexual e Saúde da Mulher em setembro de 2017. Foto: Facebook Marielle Franco

E, no entanto, mesmo com o seu martírio e com todo esse histórico de trabalho e de aprovação de projetos, as administrações municipais de Marcelo Crivella e do atual Prefeito Eduardo Paes continuam a não dotar de orçamento, de estrutura física e institucional essas leis. Portanto, apesar de aprovadas, infelizmente estas legislações ainda não estão gerando resultados concretos para a população. Há exatos 1.827 dias, a prefeitura e a Câmara dos Vereadores têm a dívida de transformar o legado legislativo de Marielle Franco em políticas públicas concretas.

Mônica Benicio, eleita vereadora em 2020, após o assassinato de sua esposa, cobra a execução dos projetos de lei de sua companheira. Para ela, é muito importante que as ideias de Marielle se tornem, enfim, políticas públicas que impactem na melhora da vida da população.

“É claro que a aprovação dos projetos de lei como um ato simbólico político era e é muito importante por motivos óbvios. Mas, tratam-se de projetos de lei aprovados democraticamente! Então, cadê as implementações desses projetos?” — Mônica Benício

Para Mônica, o maior legado de Marielle é a luta coletiva e popular que a vereadora conseguiu cativar. Ela produziu, como parlamentar, uma política da vida cotidiana da população negra e pobre, em um ambiente branco, conservador e de elite, como a Câmara Municipal do Rio.

“Temos um ambiente muito machista, racista e misógino na Câmara. Então, fazer política dentro dessa casa [legislativa] não foi fácil sendo mulher negra, uma mulher que leva e está com as pautas da favela, com a pauta LGBT, com a luta antirracista, com todas as pautas que ela encarnava na sua história, no seu próprio corpo. Marielle encontrava muitos desafios dentro dessa casa.” — Mônica Benício

Marielle Franco sabia onde pisava e fazia política nas ruas, na luta. Foto: Reprodução Facebook Marielle Franco
Marielle Franco sabia onde pisava e fazia política nas ruas, na luta. Foto: Facebook Marielle Franco

Mônica Benício conclui: 

“De todos os poderes que a Mari tinha, o maior era expandir e ultrapassar as fronteiras do Legislativo e do Executivo. Era o poder do povo, o poder da rua. É o poder da massa que se constrói pela preservação e luta da memória dela, que fala sobre os simbolismos de seus projetos, sobre a essência da luta que é antirracista, feminista e socialista. Acho que esse espírito de luta, levado coletivamente, é o maior legado de Marielle.

Quando Marielle é assassinada, os projetos da Mari que não haviam sido votados ou que haviam sido inclusive já arquivados, voltam ao plenário para serem votados e são amplamente aprovados. Exceto dois deles que a Câmara Municipal sequer colocou para debate. Trata-se do projeto que falava sobre o tema do aborto legal e o outro projeto que abordava a pauta LGBT. Todos os outros foram para votação e foram aprovados. Agora, cadê a implementação? 

Então, Marielles poderão florescer e não serem assassinadas. Aí, a gente de fato vai ter justiça por Marielle. Mas, eu acho que isso tudo dialoga com o fazer parlamentar dela, que é reflexo da sua essência de defensora de direitos humanos.”

O Maior Legado É a Luta Popular

O maior legado de Marielle Franco é a luta popular. Foto: Leon Diniz
O maior legado de Marielle Franco é a luta popular. Foto: Leon Diniz

Quando Marielle se tornou vereadora do Rio de Janeiro, em 2017, ela era a única mulher parlamentar do PSOL na Câmara Municipal. Agora, a bancada do partido tem quatro mulheres: Monica Cunha e Thaís Ferreira, ambas negras, e Luciana Boiteux e Mônica Benício, ambas brancas.

Para as três vereadoras do PSOL que compõem a atual legislatura, é fundamental estudar formas de implementar e executar as políticas públicas deixadas por Marielle Franco. Segundo as parlamentares, esses projetos de lei falam das potencialidades de Marielle e do Complexo da Maré.

“Estamos estudando o Espaço Coruja a fundo para ver como implementar e cobrar sua execução. Porque as políticas públicas da Mari falam sobre a pele dela, a cara dela, os pés dela. É a mulher negra, trabalhadora e favelada do Rio de Janeiro. Tudo o que ela representava. Ela era a única mulher da bancada do PSOL aqui. Ela representou muita gente. Seu legado é efetivamente esse: a ampliação da participação das mulheres na política. Por isso, não aceitaremos a violência política como legado dela. Toda vez que eu falo agora aqui na tribuna, que tem o nome dela, eu lembro que essa tribuna é da Mari. E sempre será.” — Luciana Boiteaux

A Vereadora Monica Cunha, mãe de vítima de violência do Estado, diz que Marielle Franco é legado, referência e luta. Ela defende, assim como suas colegas de parlamento, a concretização das leis de Marielle. Para Monica, essa seria uma realização para todas as mulheres negras cariocas.

“Entendi o que era de verdade os direitos humanos com Marielle Franco. Falamos do mesmo lugar da mulher negra periférica. Dentre todos os projetos de lei de Mari, o Espaço Coruja é extremamente importante, pois é voltado para as mulheres negras trabalhadoras. Temos que lutar para que seja implementado. Não podemos ficar só no simbolismo. Vamos lutar por ela e por cada mulher negra dessa cidade.” Monica Cunha

Marielle Franco discursa na posse do seu primeiro mandato como vereadora em 2016. Foto: Mídia Ninja
Marielle Franco discursa na posse do seu primeiro mandato como vereadora em 2016. Foto: Mídia Ninja

Sobre a autora: Tatiana Lima é jornalista, comunicadora popular e Repórter Especial do RioOnWatch. Mestra em Mídia e Cotidiano pela UFF e doutoranda em Comunicação pela mesma instituição, integra o Grupo de Pesquisa Pesquisadores Em Movimento do Complexo do Alemão. Feminista negra de pele clara e cria da Favela do Quitungo, hoje é moradora do asfalto periférico do subúrbio do Rio.


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