‘Marielle Vive! Favelas na Reconstrução do País’ Promove Discussão sobre o Legado de Marielle Franco [IMAGENS]

Evento Marielle Vive! relembra cinco anos do feminicídio político de Marielle Franco com mesas e exposição. Foto: Priscila Silva
Evento Marielle Vive! relembra cinco anos do feminicídio político de Marielle Franco com mesas e exposição. Foto: Priscila Silva

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O evento Marielle Vive! Favelas na Reconstrução do País foi realizado pelo Dicionário de Favelas Marielle Franco, em parceria com o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Biblioteca de Manguinhos e contou com a presença de ativistas, moradores de favelas e pessoas comprometidas com a memória da vereadora vítima de feminicídio político há cinco anos. No dia 13 de março, dia anterior ao marco de meia década desde o assassinato da parlamentar, o encontro buscou refletir sobre o legado legislativo de Marielle e repercutir suas políticas em favor dos mais vulneráveis entre os cariocas. 

Evento Marielle Vive! relembra cinco anos do feminicídio político da vereadora mareense Marielle Franco. No âmbito do evento, a exposição Outras Marés visa retratar o Complexo da Maré por um olhar sutil, que parte do pertencimento e mostra a favela que a maioria dos cariocas não conhece. Foto: Priscila Silva
Evento Marielle Vive! relembra cinco anos do feminicídio político da vereadora mareense Marielle Franco. No âmbito do evento, a exposição Outras Marés visa retratar o Complexo da Maré por um olhar sutil, que parte do pertencimento e mostra a favela que a maioria dos cariocas não conhece. Foto: Priscila Silva

Assim que chegaram ao evento, os presentes puderam conferir a exposição Outras Marés, curada por Dante Gastaldoni, que apresentou ao público “depoimentos visuais sobre as periferias, aqui entendidas em seu sentido mais amplo… Vistas assim, de dentro para fora, e permeadas por cumplicidade e afeto, as favelas e populações tradicionais se mostram pela pujança de sua arte e pela luta de sua gente para sobreviver com dignidade… Surge a esperança de estarmos em uma nova Maré, que há de varrer desigualdades e semear utopias”.

Exposição Outras Marés evidencia realidades não-vistas e futuros utópicos para o território da Maré. Foto: Priscila Silva
Exposição Outras Marés evidencia realidades não-vistas do território da Maré. Foto: Priscila Silva

O evento seguiu com exibição de vídeos de familiares, comunicadores populares e ativistas, refletindo sobre o legado de Marielle e prestando homenagens tanto à figura política de grande representatividade, quanto à grande mulher, lembrada pelos amigos pela generosidade, senso de justiça, alegria contagiante e sorriso largo, sua marca registrada.

Exposição Outras Marés traz para dentro da Biblioteca da Fiocruz a favela, a negritude e a representatividade imagética do povo de Marielle Franco, negros, de favela, pobres, mulheres e crianças. Foto: Priscila Silva
Exposição Outras Marés traz para dentro da Biblioteca da Fiocruz a favela, a negritude e a representatividade imagética do povo de Marielle Franco, negros, de favela, pobres, mulheres e crianças. Foto: Priscila Silva

Outras Marés também apresenta ao público fotografias do Coletivo Fotografia Periferia e Memória, de autoria dos fotógrafos populares Thiago Ripper, AF Rodrigues e Ratão Diniz, dentre outros. A mostra pode ser visitada na Biblioteca da Fiocruz, até o dia 12 de abril.

Ratão Diniz reflete a importância da Comunicação e da Fotografia Populares para as favelas. Foto: Priscila Silva
Ratão Diniz reflete a importância da comunicação e da fotografia populares para as favelas. Foto: Priscila Silva

A mesa de abertura contou com as participações de Sonia Fleury, coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco e pesquisadora do CEE/Fiocruz; Rodrigo Murtinho, diretor do ICICT/Fiocruz; Richarlls Martins, coordenador executivo do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro; Cláudia Rose, do conselho editorial do Dicionário de Favelas Marielle Franco, diretora do CEASM e coordenadora do Museu da Maré; e Cristiane Machado, Vice-Presidente de Educação e Criação da Fiocruz.

Evento Marielle Vive! Favelas na reconstrução do país. Mesa de abertura (Fala de Sonia Fleury). Foto: Priscila Silva
Evento Marielle Vive! Favelas na reconstrução do país. Mesa de abertura (fala de Sonia Fleury). Foto: Priscila Silva

Sonia Fleury iniciou sua fala refletindo sobre a importância do Dicionário de Favelas e destacando as razões que levaram à sua criação.

“Foi pensado como um espaço de conhecimento sobre a favela, seja ele produzido nas universidades ou nos espaços culturais, sejam eles os saberes populares, as histórias e lutas das lideranças das favelas, para que essas informações pudessem circular e chegar ao conhecimento dos jovens que estão nos coletivos, para que eles possam acessar a história que a História não quis contar, mas que nós nos comprometemos a contar. 

Quando Marielle, que apoiava e era colaboradora do Dicionário, foi brutalmente silenciada por seu assassinato, nós também nos comprometemos a assumir todas as suas bandeiras, e difundi-las na luta pela democracia, contra as opressões e os assassinatos que se perpetuam constantemente nas favelas.” —  Sonia Fleury

Rodrigo Murtinho evidenciou sobre esse ter sido o primeiro evento público que o ICICT realizou em retomada das atividades presenciais desde a pandemia. Além disso, também fez questão de destacar a potência deste encontro e a presença de Renata Souza, Mônica Francisco e Monica Cunha, consideradas sementes de Marielle. Para ele, o assassinato de Marielle e o motorista Anderson Gomes significou o contrário do que desejavam os mandantes do crime.

“Vivemos um momento de reconstrução deste país e essa retomada tem tudo a ver com Marielle.” — Rodrigo Murtinho

Cláudia Rose falou sobre a importância do engajamento pessoal e coletivo. Segundo ela, devemos seguir os passos dessa mulher negra mareense. Ela torce para que a favela se posicione cada vez mais, como tem feito, disputando os lugares de poder.

“Esse país é nosso!… Desistir não faz parte da nossa proposta de vida. Se pararmos em algum momento é para ganhar força para continuar na nossa caminhada de transformação e coragem.” — Cláudia Rose

Evento Marielle Vive! Favelas na reconstrução do país. Mesa de abertura (Fala de Cláudia Rose). Foto: Priscila Silva
Evento Marielle Vive! Favelas na reconstrução do país. Mesa de abertura (fala de Cláudia Rose). Foto: Priscila Silva

Após essa sessão de falas e reflexões importantes, deu-se início à segunda mesa do dia: Da Favela ao Parlamento: Reconstruindo o Brasil. Dela participaram as parlamentares que representam o legado de Marielle no cenário político: a Deputada Estadual Renata Souza; a Vereadora Monica Cunha; e a ex-Deputada Estadual Mônica Francisco. Também compôs a mesa Saulo Benicio, presidente do PSOL-Nilópolis, cidade da Baixada Fluminense, representando a Deputada Estadual Dani Monteiro.

Renata Souza, que, assim como Marielle, é cria da Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade, iniciou sua fala evidenciando o racismo linguístico que sofrem os moradores de favelas quando se utilizam da linguagem cotidiana dos territórios. Encarados como menos cultos, são acusados de não saber falar. Nesse cenário, ela destacou a importância do Dicionário de Favelas, que traz a linguagem deste povo preto e da periferia à dicionarização. Segundo ela, isso ajuda a quebrar os paradigmas do preconceito linguístico na nossa sociedade.

Ao refletir sobre “linguagem, narrativa e criação de discurso”, a deputada estadual reafirmou que o termo que cunhou, feminicídio político, continua sendo o melhor para caracterizar o assassinato brutal de sua amiga de longa data Marielle Franco. Renata destacou o poder de nomear as coisas.

“Nós precisamos dizer o que aconteceu com Marielle e, no campo do Direito, aquilo que não se nomeia, aquilo que não se caracteriza, nem se categoriza, não existe! Precisamos dizer que feminicídio político existe!” — Renata Souza

Ela exemplificou sua tese citando casos emblemáticos de mulheres cujos assassinatos estão diretamente relacionados às suas convicções ideológicas e atuações políticas, trazendo à tona os nomes de mulheres que desafiaram os poderes estabelecidos com sua luta por transformação social e justiça. Um exemplo foi Dorothy Stang, missionária e ativista ambiental, morta a tiros no Pará, outro foi a Juíza Patrícia Acioli, que “operou contra as milícias e foi morta pela bala do Estado, por agentes do Estado”, disse Renata.

Já se encaminhando para o fim de sua fala, Renata Souza ponderou sobre a importância da construção de narrativas e de como se faz fundamental que a favela e seus comunicadores populares ocupem os espaços de produção de comunicação. Ela refletiu sobre o quanto perder o controle da produção das narrativas e dos discursos sobre nós custou caro ao nosso povo nos últimos anos, com o uso intensivo das fake news como ferramenta de engajamento online, de violência política de gênero, criminalização da pobreza e de racismo.

“A informação liberta, mas a desinformação aprisiona. E foi isso que aconteceu nos últimos cinco anos nesse país. Precisamos ter os nossos instrumentos. Eu venho da comunicação comunitária, trabalhei no jornal O Cidadão, da Maré. E para falar sobre um elemento tão sensível como é a comunicação, é fundamental dizer que, quando estamos disputando narrativas e discursos, precisamos ter instrumentos.” — Renata Souza

Com muitas homenagens e falas importantes no decorrer do evento, já perto do fim, Mônica Francisco refletiu sobre a representatividade de Marielle e sobre a importância da mulher negra de favela na reconstrução do Brasil. Ela pediu a todos que pesquisem as produções das mulheres negras nos parlamentos. Enquanto concluía sua fala, foi às lágrimas lembrando sua amiga, Marielle Franco, o que emocionou todos os presentes.

“Marielle desafiou os poderosos quando se tornou representação e voz dos invisíveis. Todos os dias eles produzem nossa inexistência. Nós trouxemos a experiência da favela para dentro do parlamento, a nossa capacidade de lidar com o melhor e com o pior. As mulheres negras são uma instituição nesse país.” Mônica Francisco

Monica Cunha também emocionou os presentes quando afirmou que, se ela teve como referência de vida Angela Davis, mulher negra, filósofa e ativista estadunidense, no futuro, no livro e na memória da geração dos netos dela, ela própria, Monica Cunha, estará ocupando esse lugar de referência e estampando as páginas dos livros como ativista, parlamentar negra, cria do Riachuelo, subúrbio da Zona Norte, e mãe de vítima de violência do Estado. E conclui:

 “Nossa função é não deixar a nossa memória e a nossa história ficar esquecida. Temos que contar nossa história, mas contar do nosso jeito!” — Monica Cunha

Performance Cultural de Deley de Acari, Poeta e Animador Cultural, no Evento Marielle Vive!. Foto: Priscila Silva
Performance Cultural do poeta, Deley de Acari, no Evento Marielle Vive!. Foto: Priscila Silva

Em conversa com o RioOnWatch, Monica Cunha afirmou que, para ela, a memória de Marielle se concretiza na luta, como já fazem todos os dias as mulheres negras. Ela traçou um paralelo entre Marielle e seu filho, assassinado pelo Estado, Rafael da Silva Cunha. A vereadora destacou, ainda, a importância desse evento ter sido realizado na Fiocruz, em um território que está posto entre Manguinhos e o Complexo da Maré, território de Marielle, e em uma instituição de renome internacional como a Fundação Oswaldo Cruz.

“Não deixar a memória de Marielle morrer é fazer do luto luta, como fazemos nós, mulheres negras e familiares de vítimas da violência do Estado. Fazer a memória de Marielle é fazer a memória de meu filho Rafael da Silva Cunha, é dizer a todo momento que essas pessoas existiram… e ter uma instituição com esse alcance legitimando a narrativa que diz que a favela importa, que essas lutas que Marielle carregava importam, é muito importante para dar ainda mais credibilidade ao discurso que a gente sempre ecoou [sobre direitos humanos].” — Monica Cunha

O encerramento do evento se deu por volta das 14hs, com as reflexões de Dante Gastaldoni e Ratão Diniz sobre a importância da fotografia e da comunicação popular para transmitir a realidade, a cultura e a potência dos territórios de favela. Logo em seguida, o ato foi finalizado com as performances culturais do poeta Deley de Acari e da “Cantriz e Artivista”, como se define, Rachel Barros.

Ontem, hoje e sempre, o grito Marielle Vive! ecoa pelas ruas do Brasil, em uma luta que busca perpetuar o legado legislativo da socióloga do Complexo da Maré. Esse grito representa movimento e renovação da esperança, apesar de serem #5AnosSemResposta e sem #JustiçaPorMarielleEAnderson, completados em 2023. Através desse ataque frontal à democracia, os feminicidas e os mandantes do crime acreditavam que silenciariam Marielle. No entanto, não imaginavam que a vereadora se tornaria símbolo internacional, que seu legado continuaria vivo e germinando a partir de suas sementes, que se enraizaram no poder legislativo e estão florescendo na forma de políticas públicas.

Assista à gravação de Marielle Vive! Favelas na Reconstrução do País, aqui:


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