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O Instituto Marielle Franco realizou neste último dia 14 de março, o Festival Justiça por Marielle e Anderson, na Praça Mauá, região central do Rio de Janeiro. O evento teve como objetivo não se deixar esquecer o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, que completa cinco anos sem resposta.
Marielle Franco foi socióloga e mestre em administração pública. Através de uma votação expressiva, de 46.502 votos, foi eleita vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, lutou pelos direitos das mulheres negras e pessoas LGBTQIAP+, no entanto, em 14 de março de 2018, Marielle foi executada em um atentado político, onde 13 tiros atingiram o veículo no qual ela estava, junto com seu motorista, Anderson Pedro Gomes.
O Comitê Justiça por Marielle e Anderson—composto pelo Instituto Marielle Franco e família, mandato de Mônica Benício viúva de Marielle, viúva de Anderson Gomes Agatha Reis, Justiça Global, Terra de Direitos, Coalizão Negra por Direitos, e Anistia Internacional—foi criado para acompanhar de perto cada passo das investigações, resistindo as tentativas de interferência no caso e articulando ações em todo o mundo para exigir justiça.
Até o momento, duas pessoas foram presas em março de 2019, pelo duplo homicídio de Marielle Franco e Anderson Gomes: Ronnie Lessa, policial militar reformado e Élcio Queiroz, ex-policial militar. São acusados de executar os crimes e aguardam, presos, o júri popular. O caso foi negligenciado no governo Bolsonaro e voltou a ganhar fôlego no início da gestão de Lula, que inclusive nomeou a irmã de Marielle, Anielle Franco, como Ministra da Igualdade Racial. Em fevereiro deste ano, à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino determinou que a Polícia Federal abrisse um inquérito para apurar “todas as circunstâncias que envolveram a prática do crime”. Não houve, no entanto, nenhum fato novo em relação aos mandantes do crime. A investigação federal corre sob sigilo.
O Festival Justiça por Marielle e Anderson, começou às 18h, com atrações e shows de artistas como Marcelo D2, Djonga, Luedji Luna, Bia Ferreira, Azula, Baile Black Bom, Deize Tigrona, DJ Tamy, Abronca e Shury, Bateria da Mangueira e Marina Iris, Orquestra Maré do Amanhã, Nenhum a Menos e o coral Talentos do Morro, além da participação especial de Criolo.
Por volta das 18h, a família se posicionou para falar com a imprensa. A Ministra Anielle Franco refletiu sobre estarem ali para marcar a saudade, a luta e a dor, após cinco anos de sofrimento em busca por respostas. Ela narrou que, naquela mesma manhã, dia 14, havia participado de uma reunião ministerial com Lula, em Brasília, onde o presidente reforçou o compromisso do governo federal e do Ministro da Justiça Flávio Dino com a investigação e resolução final do caso. E que isso tudo é acalentador, pois foram cinco anos de espera para que um presidente pudesse dar esse apoio às duas famílias.
Nesse momento, também foi apresentada ao público a nova diretora executiva do Instituto Marielle Franco: Ligia Batista. Ela destacou que esse momento político é importante e que, ao longo das últimas semanas, o Instituto, junto a outras organizações que compõem o Comitê Justiça por Marielle e Anderson, realizaram várias reuniões com o Ministério Público, com a Polícia Federal e com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para marcar a necessidade de respostas e cobrar compromisso das autoridades com a investigação. Pediu-se ainda que os representantes legais das famílias pudessem ter acesso aos autos do inquérito. Todo esse esforço é necessário, pois, em cinco anos, os mandantes não foram identificados. Após a entrevista coletiva, o festival teve início com as apresentações da Orquestra Maré do Amanhã, Nenhum a Menos e Talentos do Morro.
O evento contou com uma grande participação de público, que pedia justiça, alguns através de camisetas, bandeiras, cartazes ou com suas próprias vozes. Conversamos com a estudante de cinema e audiovisual, Ana Luiza, 23, que deu seu depoimento sobre a importância de estar no Festival.
“Eu estou aqui pedindo justiça por Marielle e por todas as mulheres negras que lutam. Eu sou aqui do Rio de Janeiro e quando eu soube da notícia da morte de Marielle, eu estava em casa e lembro de ter chorado muito por causa disso. Eu tinha 18 anos de idade.” — Ana Luiza
Ao subir ao palco, Sami Brasil, do Baile Black Bom, lembrou que Marielle era uma figura presente na cultura carioca e que nada mais justo que a Cultura para pedir por justiça por ela.
“Foi aqui, no território da Pequena África, que o Baile Black Bom nasceu, no Quilombo da Pedra do Sal, há dez anos ocupando as ruas com Black music e afroempreendedorismo. Também foi nesse território que conhecemos Marielle Franco, uma figura presente na cultura carioca, uma figura presente no nosso cotidiano do ativismo negro, e é por isso, [por] ela sempre estar presente, que nada mais justo do que a cultura estar aqui hoje… cinco anos é muito tempo! Então, hoje vai ser com a nossa arte e com a nossa potência que a gente vai gritar e exigir justiça por Marielle e Anderson. A gente exige resposta e a gente quer sabem Quem Mandou Matar Marielle Franco e Anderson Gomes?” — Sami Brasil
Quem também deixou seu recado foi a cantora Bia Ferreira.
“Quanto tempo faz que eles contam nossa história?
Quanto tempo faz que constroem nossa memória?
Eu vim para contar que tão certo como agora,
nós estaremos nas linhas que contam nossa vitória.
Deixa que nós contamos nossa história!
A gente se representa, a gente recebe as glórias,
aprendemos uns com os outros e, tão certo como agora,
estaremos nas linhas que contam nossa história!
Nós não aceitaremos ser interrompidas!
Marielle Franco Presente!
Diga não ao racismo, diga não ao preconceito,
diga não ao genocídio do povo preto e originário,
diga não à polícia racista,
diga não a essa militarização fascista…
Diga não!
Não fique só assistindo muita gente chorar, enquanto você está rindo.
Diga não!” — Bia Ferreira
No meio do festival, houve um segundo momento de foco nas famílias de Marielle e Anderson.
Novamente, Anielle fez uma fala incisiva e afetuosa, marcando esses cinco anos sem Marielle, sem Anderson e sem justiça. Esses testemunhos, muito doloridos pela saudade e pela injustiça, causaram grande comoção nos presentes.
“Boa noite a todos, todas e todes. Eu pensei no que falar nesse dia de hoje. Um dia difícil, de dor, de luta, mas eu queria trazer para vocês uma linha do tempo do que minha família tem passado, assim como a família do Anderson. No dia 14 de março [de 2018], a gente estava em casa, quando a gente recebeu a ligação. Eu fui a única pessoa da família que cheguei [a tempo] para ver a minha irmã [morta no carro] com a cabeça aberta, com cinco tiros. Naquele momento, eu [ainda] não tinha a dimensão do que Marielle tinha se tornado para muita gente.
No dia seguinte, eu chego no IML para reconhecer o corpo da Mari e, do lado dela, estava o Anderson. Eu fiquei me perguntando: ‘por que [com a] nossa família?’. [Hoje,] eu vejo a história da minha irmã e tenho a resposta: está pra nascer outra política como Marielle Franco! E eu não falo isso menosprezando ou diminuindo ninguém, eu falo isso porque minha irmã fazia política com afeto. Não um afeto de se deixar afetada, mas um afeto de construção, olho no olho, que é o que a gente tem feito [desde seu feminicídio político]. A gente vem da mesma árvore, que é minha mãe, e a gente deve tudo isso a ela. Eu devo também às minhas tias e ao meu pai.
Enquanto tiver sangue correndo em minhas veias, vão ter que me aturar lutando para descobrir quem mandou matar minha irmã, para olhar com muita sobriedade na cara dos meus pais e da minha sobrinha e poder dizer que a gente está fazendo um trabalho de qualidade. Um trabalho do luto pra luta, mas que também é um trabalho de entrega para o povo preto, para as mulheres pretas, para a população LGBTQIAP+ e para o povo de favela. O Instituto Marielle Franco é a prova disso… quero dizer a vocês que, estar à frente do Ministério da Igualdade Racial é um trabalho corretivo. É pelo sangue de Marielle, em memória de Marielle, mas também [por toda] a nossa construção de mulher preta favelada, que acredita que a gente só vai conseguir ter uma democracia renovada nesse país, quando a gente descobrir: quem mandou matar Marielle Franco?” — Anielle Franco
Após as falas das famílias, o festival seguiu com apresentações de Criolo, Marcelo D2, Bateria da Mangueira e Marina Iris, Shury, Abronca, Deize Tigrona e encerrou com Djonga, incendiando a noite. Os cinco anos sem respostas e, até mesmo, com negligências nas investigações por parte de autoridades e governantes serviu para reforçar Marielle como um símbolo de luta por justiça social, pelos direitos humanos, pela resistência das mulheres pretas, faveladas e periféricas. Seus ideais continuam a inspirar pessoas ao redor do mundo. Nada, nem a sua morte, nem a negligência do Estado com as investigações, apagará o legado de Marielle Franco. Ela foi e é porque nós somos. Nossos passos vêm de longe e Marielle Vive!
Veja aqui mais fotos do Festival Justiça por Marielle e Anderson:
Assista à gravação do Festival Justiça por Marielle e Anderson, aqui:
Sobre a autora e fotógrafa: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.