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Na noite de segunda-feira, dia 13, foi lançada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) a Frente Parlamentar por Justiça Climática, com o objetivo de promover o diálogo entre parlamentares e sociedade civil e encontrar estratégias que reduzam os efeitos das mudanças climáticas no estado do Rio de Janeiro. A Frente é composta por parlamentares de diversos partidos e será presidida pelo Deputado Estadual Flávio Serafini. Em torno de 180 pessoas participaram do lançamento.
“A gente hoje começou um processo muito lindo e a gente quer que siga assim, que siga coletivo, que siga participativo, que a gente elabore novas formas de todo mundo ter voz, de todo mundo participar, que seja o mais horizontal possível, que seja o mais coletivo. A gente sabe que as injustiças ambientais e as injustiças climáticas são frutos das ações humanas, mas acredito muito que não tem uma melhor maneira de mudar a sociedade do que lutando coletivamente.” — Flávio Serafini
Flávio ressaltou a importância da Frente estar sendo construída a partir do diálogo coletivo e da participação de representantes de diversos locais do estado, tanto da sociedade civil, quanto governamentais. Dezenas de organizações estiveram presentes no lançamento, dessas, 21 tiveram representantes ouvidos pelo público: Fórum de Mudanças Climática e Justiça Socioambiental, Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, Associação de Moradores e Amigos do Quarteirão Suíço de Petrópolis (Amaquas), Agenda Rio das Pedras 2030, Agenda Realengo 2030, Juventudes em Articulação Pelo Clima RJ (JACA), Pastoral de Ecologia Integral, LabJaca, Comissão de Meio Ambiente de Manguinhos, Fala Manguinhos, Coletivo Socioambiental Democracia Verde de Volta Redonda, Associação das Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro (ACQUILERJ), Coletivo Martha Trindade, Visão Coop, Fiocruz, Data_labe e CocoZap, Casa Fluminense, Instituto Baía de Sepetiba, Associação dos Pescadores do Canal do Rio São Francisco, Espaço Gaia, Coalizão pelo Clima do Rio de Janeiro, Forum Climático de Magé e Rede Favela Sustentável (RFS)*.
Quanto aos parlamentares, estavam no evento, além de Flávio Serafini: Carlos Minc (PSB), Marina do MST (PT), Professor Josemar (PSOL), Renata Souza (PSOL) e Yuri Moura (PSOL). Além destes, também assinaram a criação da Frente Parlamentar por Justiça Climática as deputadas estaduais Dani Balbi (PCdoB), Elika Takimoto (PT) e Martha Rocha (PDT).
A Deputada Renata Souza, cria do Complexo da Maré, destacou o compromisso da Frente nas lutas contra as desigualdades sociais e o racismo ambiental. A parlamentar falou também sobre a importância do diálogo entre a Frente e os moradores de favelas e usou como exemplo seu próprio território para mostrar como a falta de planejamento para as favelas contribui para o aprofundamento da desigualdade climática.
“Eu sou cria da favela da Maré… lá inclusive não tinha enchentes, mas a política de urbanização criou toda uma lógica de colocar asfalto pela Maré inteira e inviabilizar que as águas corressem da maneira correta. Impermeabilizaram o solo da Maré e, por isso, hoje, a Maré tem problemas de enchentes. Antigamente, eram os paralelepípedos que faziam com que a água escoasse de maneira mais concreta. Então, é importante que políticas públicas sejam feitas com quem vai ser atendido diretamente, na ponta.” — Renata Souza
A Falta de Políticas Públicas e o Racismo Ambiental
Dentro do contexto da região metropolitana do Rio, moradores de favelas e periferias de maioria negra são os mais afetados pelo racismo ambiental: por enchentes, deslizamentos de barragens, poluição do ar e dos rios. Portanto, comunidades de minorias étnico-raciais são as mais afetadas pelas situações de emergências climáticas. Por isso, Fábio Monteiro, da Comissão de Meio Ambiente de Manguinhos e do jornal Fala Manguinhos, falou que sua expectativa é que a Frente Parlamentar possa ajudar na fiscalização de órgãos públicos e privados.
“Esta desigualdade já começa pelas políticas públicas, que não são aplicadas de forma equilibrada. Vemos bairros nobres da Zona Sul com grande investimento em políticas públicas garantindo a manutenção da coleta de resíduos e do esgotamento sanitário, enquanto que em Manguinhos e em outras favelas, vivemos expostos ao lixo e a esgoto a céu aberto. A Prefeitura provou que tem a capacidade de manter bairros totalmente limpos em menos de 24 horas, como ocorre em Copacabana após a noite de réveillon, coletando cerca de 403 toneladas de lixo, entregando as ruas limpas e odorizadas até às 10h da manhã. Por que estas mesmas medidas não são aplicadas em áreas de favelas e periferias? Levando em consideração que as favelas são áreas de maioria de habitantes pretos e pobres, estamos diante de racismo ambiental estrutural por parte dos órgão públicos.” — Fábio Monteiro
Erika Alves, ativista social e coordenadora da Agenda Rio das Pedras 2030, moradora de Rio das Pedras, na Zona Oeste, ressaltou que são necessárias ações urgentes do poder público e demonstrou, em sua fala, a ligação entre direito à moradia e justiça climática.
“Enquanto moradora de Rio das Pedras, minha percepção é alarmante. Eu me deparo com situações de risco o tempo todo. Ano passado teve desmoronamento de prédio: uma família inteira morreu em função do solo encharcado. Era muita chuva, uma área imprópria e em beira de rio… Então, a minha visão [é de] muita preocupação, medo e de urgência. A gente não está mais no ponto de esperar que seja feita alguma coisa daqui a alguns anos. É para agora, é para hoje. A minha ansiedade é que, de fato, seja feito algo, porque a gente está à beira de outras tragédias.” — Erika Alves
Aline Marins, do Coletivo Martha Trindade, moradora de João XXIII, em Santa Cruz, Zona Oeste, denuncia a atuação da empresa Ternium Brasil. A siderúrgica que funcionava onde era a antiga Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) acumula processos e chegou a ser apontada pela Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS), como responsável por elevar em 76% as emissões de CO2 na cidade do Rio de Janeiro.
“A empresa afeta o território de diversas formas: com a poluição, com o aumento das doenças dermatológicas e respiratórias… A gente vê que aumentou o despejo de rejeitos (na Baía de Sepetiba) e a fuligem no ar.” — Aline Marins
Paola Lima, diretora de projetos do Espaço Gaia, um projeto que atua com mulheres no espaço do antigo Lixão de Itaoca, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, vê a Frente Parlamentar como uma oportunidade de ouvir vozes potentes das comunidades que, em geral, são silenciadas e invisibilizadas.
“A Frente Parlamentar é o espaço para nossa voz, visto que São Gonçalo tem sido um município extremamente afetado pelas chuvas e Itaoca tem sofrido as consequências. Seria uma oportunidade de demonstrar que Itaoca está ali, existindo apesar de todos os atravessamentos e omissões do poder público, sobretudo municipal.” — Paola Lima
A Frente Parlamentar por Justiça Climática garantiu levar à Presidência da Alerj os resultados da plenária, com as assinaturas de todos os parlamentares da Frente junto a outros, que pretendem se unir ao grupo de signatários. Além disso, foi firmada uma carta-compromisso com seis tópicos norteadores dos trabalhos da Frente.
São eles:
- Cobrar a redução das emissões Gases de Efeito Estufa;
- Reivindicar a adaptação das infraestruturas para os impactos das mudanças climáticas;
- Fortalecer a gestão de riscos e desastres;
- Conscientizar a população sobre as mudanças no clima, suas causas, consequências e soluções;
- Ampliar a participação popular nos debates climáticos; e
- Acompanhar a proposição e execução orçamentária para mudanças climáticas, meio ambiente, reduções de riscos e desastres.
A coordenadora da equipe de gestão da Rede Favela Sustentável (RFS), Gisele Moura, cientista ambiental estudiosa do tema, falou sobre a urgência do debate sobre justiça climática.
“Aqui estou e peço licença para falar em nome da Rede Favela Sustentável, que é uma rede com mais de 400 membros, mais de 120 projetos de favela, que atuam em prol da resiliência socioambiental nas favelas. São mais de 180 favelas representadas no Grande Rio e Baixada Fluminense. Essa rede está falando sobre justiça climática e propondo ações há um tempo… Apesar da gente estar falando muito sobre o quanto as questões climáticas afetam negativamente as favelas e a população de favela… as favelas estão articuladas, propondo soluções, estão já pautando políticas públicas nos seus locais. As questões climáticas são globais, mas a gente precisa agir localmente e… as favelas estão fazendo isso.” — Gisele Moura
Iniciativas que lutam por justiça climática são importantes, principalmente do ponto de vista de um estado com tanta desigualdade ambiental, ainda mais após as recentes chuvas de fevereiro, que causaram mortes, desabrigados e prejuízos materiais. É necessário unir o máximo de esforços para reverter esse quadro, que sempre atinge com mais força as favelas e regiões periféricas, como fruto do que Fábio Monteiro chama, racismo ambiental estrutural.
Assista à gravação de lançamento da Frente Parlamentar por Justiça Climática na Alerj, aqui:
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são ambas ações tocadas pela Comunidades Catalisadoras (ComCat).
Sobre o autor: Vinícius Ribeiro é nascido e criado na Zona Oeste, entre a Estrada da Posse, em Santíssimo, e o Barata, em Realengo. Atualmente mora na Ladeira dos Tabajaras. Jornalista, cineasta e fotógrafo, é membro do Coletivo Fotoguerrilha. Assina direção e roteiro dos curtas Sobreviver, Dame Candole, Sob o Mesmo Teto e Entregadores. Atualmente, está em um projeto sobre uberização e precarização do trabalho.