Os Contrastes Gritam na Baixada Fluminense: Os Caminhos do Rio Dona Eugênia e a Favela da Coreia, na Cidade de Mesquita

Represa Epaminondas Ramos do Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. O Parque possui dois acessos, pelo Caonze, em Nova Iguaçu ou pela Coreia, em Mesquita. Foto: Flávio Bravim
Represa Epaminondas Ramos do Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. O Parque possui dois acessos, pelo Caonze, em Nova Iguaçu ou pela Coreia, em Mesquita. Foto: Flávio Bravim

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Esta é a terceira matéria de uma série sobre justiça hídrica nas favelas escrita por jovens moradores de favela e resultado do curso “Justiça Climática no Jornalismo Comunitário: Da Construção da Pauta à Redação da Notícia”. O curso, realizado pela equipe do RioOnWatch, em parceria com o GT Jovem da Rede Favela Sustentável (RFS), aconteceu nos meses de julho-setembro de 2023.

A Favela da Coreia, localizada na cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, é uma das maiores da região. Ela faz divisa com vários bairros da cidade e com o município vizinho de Nova Iguaçu. Uma área de grande densidade populacional e urbana, mas de imensa riqueza natural, com florestas e rios.

Parte inseparável da história e da paisagem da Favela da Coreia, o Rio Dona Eugênia corta o território e marca a vida dos moradores. Ele já foi utilizado pela população local para brincadeiras, afazeres domésticos, como lavar roupa, cozinhar e lavar a louça e, até mesmo, para beber. No entanto, com o passar dos anos, a negligência do Estado em implementar políticas de moradia, esgotamento e coleta de resíduos sólidos está matando trechos inteiros deste rio, o que já está impactando a vida dos moradores da Coreia.

Rio Dona Eugênia: Patrimônio Biológico da Baixada

Apesar de quase morto em seus trechos mais conhecidos, inclusive em grande parte da Coreia, o Rio Dona Eugênia está muito vivo e limpo, com águas translúcidas, em sua nascente na parte alta, em áreas protegidas. Nascendo na Serra do Mendanha, ele corta grande parte do Maciço de Gericinó até o Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu. De lá, passa pela Represa Epaminondas Ramos, na parte alta da Coreia, em Mesquita, atravessa a comunidade, e segue seu fluxo até desaguar no Rio Sarapuí, que, por sua vez, segue por dezenas de quilômetros até desembocar na Baía de Guanabara.

Poços das cobras, um dos poços que existem no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Foto: Flávio Bravim
Poços das cobras, um dos poços que existem no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Foto: Flávio Bravim

Nessa região—Serra do Mendanha, Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu e parte alta da Coreia—existe um alto grau de preservação da Mata Atlântica. São encontradas 198 espécies de vegetais, 31 espécies de invertebrados, duas de anfíbios, nove de répteis, 12 de mamíferos, 154 de aves e, considerando só o Rio Dona Eugênia, 17 espécies de peixe.

Janela do Céu, no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu. Foto: Flávio Bravim
Janela do Céu, no Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu. Foto: Flávio Bravim

Portanto, o Rio Dona Eugênia está longe de ter uma única história: ao longo de seu curso, o rio passa tanto por áreas preservadas, quanto por localidades bastante urbanizadas. Nas áreas de preservação, o rio mantém sua vegetação ribeirinha nativa, é límpido e potável. Contudo, nas áreas urbanas, o desmatamento e o lançamento de esgoto são problemas frequentes. Isso leva a uma gradual mudança na visão dos moradores da Favela da Coreia e de Mesquita sobre o rio. Hoje em dia, este rio limpo e preservado das fotos tem alguns de seus trechos e braços chamados de valão. Infelizmente, este é um dispositivo de normalização do assassinato dos rios de favela.

Rio Dona Eugênia em Agonia

Pedras do Rio Dona Eugênia, onde moradoras lavavam roupas décadas atrás. Foto: Luiz Miguel
Pedras do Rio Dona Eugênia, onde moradoras lavavam roupas décadas atrás. Foto: Luiz Miguel Ribeiro

O rio sofre como resultado da falta de coleta adequada de resíduos sólidos, um sistema decente de esgoto, e da educação ambiental. Segundo relatos de um morador da Coreia que não quis se identificar, havia um planejamento para o descarte correto do esgoto, que chegou a ser apresentado à comunidade. A obra inauguraria um sistema que correria em paralelo ao rio até a estação de tratamento. Pela primeira vez desde a fundação de Mesquita, o Rio Dona Eugênia não seria considerado ele mesmo a rede de esgoto de regiões inteiras da cidade. Se as obras fossem a frente, o rio finalmente voltaria a ser visto e utilizado pela população como um recurso natural público.

“O nosso rio era muito bom até nos anos 1980, pois, quando éramos crianças tomávamos banho nele. Nesta época, a poluição não era tão grande e o Rio Dona Eugênia era limpo… tempos bons!” Monica Félix da Silva

Todavia, todo o projeto foi abandonado. De forma simplificada, tudo continuou sendo jogado dentro do rio.

“Dava para pular da beira do rio [na água] e eu gostava muito! Mas, hoje em dia, não dá mais por conta do lixo que foi jogado no rio.” — Samuel Luiz Madureira

Isso mostra que a poluição do rio avançou muito rapidamente nos últimos anos, com o acúmulo do esgoto despejado, mas também por conta dos resíduos sólidos. O processo de manutenção, limpeza e preservação do rio precisa partir das autoridades, que, além da limpeza e manutenção, precisam fornecer suporte para que os próprios moradores possam manter o rio limpo. Ações de educação socioambiental são fundamentais na Coreia e ao longo de todo o Rio Dona Eugênia.

“Quando eu tomava banho nele, a água era mais clarinha… eu já vi, eu lembro das minhas irmãs lavando roupa no rio, batendo na pedra… — Adriana Veiga Lourenço

Pescadores da Coreia, em Mesquita, Baixada Fluminense, 2023. Foto: Luiz Miguel
Pescadores da Coreia, em Mesquita, Baixada Fluminense, 2023. Foto: Luiz Miguel Ribeiro

Precisamos pensar nos inúmeros benefícios para a comunidade e seus moradores de ter um rio limpo, preservado e vivo passando por sua favela. Ter um Rio Dona Eugênia saudável e vegetado reduziria o risco de enchentes, de contaminação de água e à saúde, por exemplo. Sem contar que ele seria uma fonte de lazer, de segurança hídrica, alimentar, renda e até mesmo de transporte. Alguns mobilizadores locais e moradores já estão se movimentando nessa direção.

Pesquisa de Justiça Hídrica e Energética em Mesquita

No início do ano, a Rede Favela Sustentável (RFS), Painel Unificador das Favelas (PUF), Núcleo de Educação Popular e Social em Economia Solidária (NESPES), Associação de Mulheres de Edson Passos e Adjacências (AMEPA) e Associação Centro Social Fusão lançaram o relatório “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas: Levantando Dados Evidenciando a Desigualdade e Convocando para Ação—Mesquita: Coreia, Cosmorama e Jacutinga, em evento na prefeitura de Mesquita.

A pesquisa contou com a participação de 30 jovens e 15 lideranças locais que construíram todas as etapas de processo. O estudo comunitário foi realizado em 15 comunidades, dentre elas, as três favelas de Mesquita. Dentre os entrevistados pelos jovens e pelas lideranças locais, cerca de 36,36% dos moradores bebem água sem ser filtrada, 33,8% sentem um gosto estranho na água e 37,7% afirmaram que a água tem cor.

Sobre os alagamentos, constantes nos trechos urbanizados do Rio Dona Eugênia em Mesquita, 41,6% responderam ser afetados em sua residência diretamente ou em sua rua. A pesquisa apontou ainda que, para 78,1% dos moradores, esse problema só piorou nos últimos dois anos.

Diante desse cenário, valorizar e conhecer a história dos nossos rios e da área verde da nossa região é entender que um rio saudável se relaciona a uma boa qualidade de vida para os moradores. Isso significa menos enchentes, mortes, destruição, problemas de saúde e prejuízo para a população. Precisamos contribuir ativamente para a preservação e proliferação da vida que ainda existe nos rios de favela, como o Rio Dona Eugênia. E, para isso, políticas públicas que tornem as favelas climaticamente resilientes são uma prioridade urgente em Mesquita, na Baixada Fluminense e em todo o Grande Rio.

Sobre o autor: Luiz Miguel Ribeiro tem 25 anos, é morador da favela da Coreia, em Mesquita, Baixada Fluminense, e faz parte do GT Jovem a Rede Favela Sustentável.

Sobre o autor: Matheus Botelho tem 25 anos, é morador da favela da Coreia, em Mesquita, Baixada Fluminense, e faz parte do GT Jovem a Rede Favela Sustentável.

*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são ambas ações tocadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).


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